Acredito Que Sim

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acredito que sim
Imagem: Reprodução/Internet

Sou professor de filosofia e uma pergunta sempre me é feita, ao longo desses doze anos de sala de aula: você acredita em Deus? A resposta nunca mudou durante essas voltas do planeta Terra ao redor do sol: Ele nunca mentiu para mim. Confiante na razão e no ceticismo caminhei. Minha queda era iminente. A mudança de paradigma viria. E outras perguntas também.

Mas confesso que uma boa ironia socrática na minha resposta reside. Com algum sorriso no rosto, de modo ameno dou essas palavras, acompanhadas de um riso meu e uma frase de conciliação que é: “calma, estamos juntos”. E, na maior parte das vezes, essa tática deu certo. Até um certo dia tudo mudar. Alguém me perguntou sobre Deus, respondi sobre minha confiança Nele, e o resultado foi um olhar apertado para mim, com um cruzar de braços autênticos, daqueles que diz mais que mil palavras. Meu sorriso não foi suficiente e a conciliação foi negada ao expressar de uma frase da indagadora, que me disse, afirmou com autoridade: “Você não é de Deus!”.

Sabendo que a inquisição viria logo, mas não abandonando meu senso irônico, daquele que levou Sócrates para junto de Deus, disse para minha perguntadora: “Ora, se não sou de Deus, talvez, Deus não seja Deus, pois, onipresente já não é mais, se eu não pertenço a Ele, ao não estar em mim”. À medida que dizia essa resposta, concatenada com alguma dedução filosófica, inadequada, é verdade, quando se encontra na situação em que eu estava, a pessoa apertava mais os olhos, e conciliação era um Éden perdido.

Nem ousei mais sugerir uma pílula filosófica, incrementada da dúvida de, se eu não pertenço a Deus, qual poder eu tenho sobre Ele o qual não tenho sobre as pessoas. Sim, como é possível eu não ser de Deus, tendo alguma potestade, que não serve nem para convencer as pessoas que, talvez, falsos Messias existam, daqueles típicos dos mitos. Se eu não usasse muito, mas muito, sabe, intensamente, as palavras articuladas, o fundamento racional do bom senso, e um pouco de humanidade (só um pouco), eu não teria conseguido dar o recado de que o caminho trilhado por nós não era legal. Aquilo não era de Deus. Mas não disse isso para minha indagadora. Poupei-me dessa retórica e fui para casa.

Mas continuei pensando e lembrando daqueles olhos apertados. E numa boa peripatética, realizando uma jornada de volta ao lar, pensei: o que é a fé? Eu sei que vem do latim, fides, ou do grego pistia, termos que significam acreditar com fidelidade. Uma atitude de fidelidade no que crê. Ao ter essa maiêutica apocalíptica (uma revelação), meus olhos brilharam, meu coração bateu mais forte, minha pele arrepiou e eu me vi diante de mim, dizendo: Tu crês! E, respirei aliviado, recuperando a posse de uma divindade em mim. Eu não sou de Deus, pois, o eu sou somente é se Ele não for. Então não sou, pois, Ele é. Prefiro que Ele seja. Eu escrevendo aqui talvez seja… Ele.

Mas dizia que a fé é acreditar com fidelidade. E eu acredito em diversas coisas com fidelidade. Veja bem: eu acredito no Galo, mesmo sofrendo com as clássicas derrotas do meu time (mas aquela Libertadores de 2013 valeu a pena). Eu acredito na estrela que brilha mais forte, de tom carmim, mesmo estando longe de nós, em um espaço distante. Creio também na beleza das coisas, no bom dia mais acalorado, no abraço apertado, no riso sem motivo, na falta de dinheiro que se resolve na partilha amiga, de alguém por perto. Eu acredito, e como acredito, naquele sorriso lindo, no andar leve de quem ama, na música tocada pelo Nando Reis, e na voz suave da AnaVitória. Eu acredito no violão, um instrumento de madeira e cordas, o qual faz mágica quando dois acordes é soado e ela sorri para mim. Eu acredito que as pessoas podem ser amigas, festejar o dia com mais alegria, quebrando pratos para a sorte se dar.

Eu acredito nos orixás, no deus me livre, no são longuinho e no surgimento de Emmanuel, e qualquer texto de papel que você me traz, desde que uma poética se faça. Que se faça a luz, pois, o show da vida vai começar. Creio que a dor é difícil, que a saudade é um suplício, que adeuses não deveriam existir. Creio que as lágrimas são tempestades, chuvas de verão, porque calor quando é muito, precipitação de águas se faz. Creio que o inverno é bom, um frio de vez em quando faz bem, se com alguém um aquecimento se é. Creio que o dinheiro não traz felicidade, porque a felicidade não se traz, mas se entrega. Creio que poetas são incompreendidos, diante de tantos ismos, que escrevemos para confundir as multidões. Amar é um eterno enquanto dure, um trevo de quatro folhas, que não dá para desperdiçar assim tão facilmente. Eu creio nisso. Não brinque!

E poderia ficar uma vida, um texto, escrever um livro, sobre as coisas que eu acredito. E nessa matemática da fé, acabei por somar e compreender que, tem mais variáveis misteriosas que eu acredito, do que soluções as quais eu duvido. Eu mais acredito do que duvido. E acredito com fidelidade do mesmo modo que duvido com segurança. Entre a razão e o coração, nunca tive dúvidas. Um dia eu disse isso para uma pessoa. Acabou virando uma frase em uma crônica. Eita, vida besta, Drummond. Ela sorriu e decidiu pela opção do pulsador. Deus ali? Talvez…

A fé não é um objeto, um templo, palavras organizadas no rito. A fé é íntima, interior, lá dentro da gente. É uma aposta, é verdade, mas uma aposta na vida, um ato de coragem, de decidir no que acreditar. E eu vivi um pouco, li mais um pouco, ouvi demais, para compreender que a jornada de ser é lógica o suficiente para que eu acredite. Eu respiro, me alimento, abraço, amo, sinto calor, frio e saudades. A tudo isso tem uma solução, uma lógica e uma razão. O significado de existir é ser, simplesmente. Viver. A Fé é a coragem para assumir que viver é o milagre, em uma multidão de milagres, na multiplicação que nos apresenta. As pessoas são isso. E isso é a minha fé. É a minha filosofia. De vida…

Será que você pode desapertar seus olhos agora? Acredito que sim.

 

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