Com show aberto ao público agendado para a Savassi, artista paulistano radicado em BH lança “Elastica”, álbum com temas políticos e letras concisas que passeia por pop rock com pitadas de progressivo, jazz e funk
“Chegou, roda peão / O mundo tá de cabeça pra baixo e ninguém percebeu / Terá sido tudo em vão? / Solta os loucos porque os normais não querem sair”.
Referência direta à “Roda Viva”, de Chico Buarque, a faixa Roda Peão vai direto ao assunto logo na abertura de “Elastica”, álbum do cantor, compositor e multi-instrumentista Luciano Ladeira que fica disponível para streaming e download em todas as plataformas digitais a partir do próximo dia 13 de março.
Já o show que oficializa o lançamento será em Belo Horizonte no dia 22 de março, a partir das 11 horas, aberto ao público no coração da Savassi – cruzamento das avenidas Cristóvão Colombo e Getúlio Vargas. Ladeira vai se apresentar com quatro músicos que o acompanham no projeto The Progressive Mob. O show tem o apoio da Prefeitura de Belo Horizonte.
Discípulo de Marcus Viana e com uma trajetória de duas décadas até então voltada ao rock progressivo de composições longas e predominantemente instrumentais, o paulistano Luciano Ladeira, radicado em Belo Horizonte desde 2010, apresenta desta vez uma obra de pop rock com 16 músicas enxutas.
“O contexto político e social no qual o Brasil mergulhou nos últimos anos mexeu comigo. O resultado de todo esse processo é o álbum, uma espécie de desabafo, praticamente um vômito, com o perdão da palavra”, define o artista, de 43 anos.
Temas como polarização política e ideológica, intolerância, desinformação, espiritualidade, tecnologia e mídias sociais dão um tom ácido ao novo trabalho de Ladeira – que soa rápido e certeiro como um nocaute.
Ataque à radicalização que divide o país, a faixa “Duas Caras” expõe, por outro lado, a impotência como consequência aos que não se enquadram exatamente em um lado ou outro do espectro ideológico polarizado. “Meu amor / Eu vou sair, pra não voltar / Até saber que terminou / Já resisti, não quero mais / Eu vou ficar lá fora”.
“Pau Mandado” e “Disneylandia” não poupam figurões conhecidos do universo político e o próprio poder. Funk ao melhor estilo Red Hot Chilli Peppers, a hipnótica “Cacique” vai além e traz como base da letra frases grampeadas pela Operação Lava Jato e que entraram para a recente história nacional, como “Tem que ser alguém que a gente mata” e “Tem que estancar a sangria desatada”.
Viagem de rock com guitarra de voltagens claustrofóbicas, a poética faixa-título contém as maiores doses de espiritualidade do álbum e constata a desesperança (“As estradas desse chão / Não me levam mais adiante), mas aponta que nem tudo está perdido para quem tem alma elástica (“Toda desordem será comunhão / Cada vez que a roda se fechar”).
É possível respirar com as irônicas e bem humoradas “Selfie” e “Fake Tupination”, sobre as agruras de uma sociedade hiperconectada e bombardeada por notícias fraudulentas, e com a melodia rural de “Essa Força” – que evoca Ruy Maurity e Sá & Guarabira.
Há enigmas de cinéfilos em “O Coelho Branco” e reverência a Milton Nascimento em “Não Há o Que Fazer Exceto o Óbvio”, faixa de refrão curto e ricamente suingado. O álbum fecha com “Rock And Roll”, música propositalmente simples e de letra idem, mas que sinaliza que o rock não precisa de muito para dar o recado, justamente por ser comportamento e atitude acima de tudo & todos.
Musicalmente talentoso e apontado como o Guilherme Arantes deste século, Luciano Ladeira é responsável pela voz e todos os instrumentos no álbum que gravou sozinho no estúdio que mantém em casa. A obra de pop rock tem arranjos de progressivo, jazz e funk, com influências distintas – Led Zeppelin, Clube da Esquina, Beatles, Red Hot Chilli Peppers, Van Halen e Steve Wonder, entre outras.
DNA progressivo
Antes de se aventurar pelo universo do pop rock em “Elastica”, Ladeira gravou seis álbuns de rock progressivo: “Sinais” (1996), “Bateria de Gaia” (1999), “Usaru” (2001), “Unvisited” (2003), “Muito Além das Sete Cores” (2006) e “Oráculo” (2009).
Com público cativo no exterior, principalmente no Japão e na Europa, o artista prepara a remasterização de toda a obra para relançamento nacional e internacional ainda em 2020, incluindo dois álbuns ao vivo.
Link para ouvir o álbum: https://www.
Faixa de Elastica comentada por Luciano Ladeira:
1 – Roda Peão
“Inversão de valores e desinformação imperam neste hospício chamado Brasil.”
2 – Não Há o Que Fazer Exceto o Óbvio
“Manter-se fiel a si próprio e não se perder em meio ao circo de absurdos.”
3 – Fake Tupination
“Vivemos a era da pós-verdade e da desinformação. Não existem mais fatos, apenas crenças e opiniões.”
4 – De Paraquedas e Disco Voador
“Discreta referência a Arnaldo Baptista. Sobre buscar a luz através da janela da alma.”
5 – Pau Mandado
“As figurinhas se alternam no poder a fim de manter o esquema funcionando. Inspirado em um certo político mineiro.”
6 – O Coelho Branco
“Referencia ao filme ‘Matrix’. Neste mundo de muitas informações e distrações, o coelho branco representa a busca pela verdade.”
7 – Selfie
“Todos ligados no retângulo luminoso enquanto o mundo real e a relação entre as pessoas são deixados de lado.”
8 – Maracatu
“O morro e as comunidades estão cada vez mais segregados e na mira de um Estado repressor. Na contramão disso, exalto o ritual de subir o morro e ver as coisas do alto, por outra perspectiva.”
9 – Elástica
“A roda, o ciclo, as transformações do ser. Para assimilarmos a vida, o mundo e os desafios, a nossa alma deve se esticar, ser elástica. Sem querer, uma citação literal a Rubber Soul.”
10 – Quem é Esse
“Quem é esse que não se identifica no mundo como o conhecemos? Quem é esse que não me reconhece?”
11 – Duas Caras
“O discurso muda conforme a conveniência. A polarização como tática de enfraquecimento da nação.”
12 – Cacique
“A música é minha, claro, mas a letra deve ser creditada aos grampeados em questão (risos). As entranhas do poder são reveladas.”
13 – Essa Força
“Uma evocação à força espiritual que nos conduz através do caos.”
14 – É Tempo
“A ideia de que o passado e o futuro não existem, apenas o aqui e o agora. Referência a Gilberto Gil.”
15 – Disneylandia
“Vivemos em um mundo no qual tudo é aparência, cenário. Nada é real ou verdadeiro. Perderam-se os valores.”
16 – Rock and Roll
“Há um verso na faixa 1 que diz: ‘Todo mundo desandou a falar e ninguém quer saber’. Ou seja, ninguém está afim de escutar o outro lado. Então, no caso desta faixa, a letra é o que menos importa. O rock, por si só, diz tudo.”