Um médico regulador do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Governador Valadares pode ter dado nome falso para um usuário, durante atendimento que aconteceu na última segunda-feira (28).
Um áudio que está circulando nas redes sociais mostra o diálogo entre o cantor valadarense Márcio Robert, que pedia socorro para sua irmã, e a equipe do Samu.
Depois de quase cinco minutos tentando convencer o médico a enviar uma ambulância, o cantor desistiu do atendimento e ligou para o Corpo de Bombeiros. Antes de encerrar a ligação, ele perguntou o nome do médico regulador. Depois de hesitar, o profissional respondeu: “Henrique”.
Confira o áudio aqui.
Em nota, a Prefeitura de Valadares informou que tem conhecimento do áudio e que o atendimento está documentado no relatório médico 8.377.
O Olhar solicitou ao órgão o nome do médico regulador que fez o atendimento entre as 17 e 18 horas do último dia 28. Por meio de nota, a Prefeitura respondeu: “Não vamos fornecer o nome, ok”.
O Olhar perguntou se o nome do médico regulador que fez o atendimento era Henrique, conforme ele afirma na gravação. A Prefeitura não confirmou.
Entenda o caso
Na última segunda-feira (28), o cantor sertanejo Márcio Robert e sua família viveram uma situação que ninguém quer passar: a burocracia do protocolo de atendimento do Serviço Móvel de Urgência (Samu).
O cantor valadarense ligou para o 192 às 17h25 para pedir socorro para sua irmã Maíra Cristina, 19. Ele pediu uma ambulância, e, em seguida, informou o endereço da sua casa.
A atendente fez várias perguntas, como nome e idade da vítima e depois pediu a confirmação do endereço e número do telefone da chamada. Após isso, passou a ligação para o médico regulador do Samu.
Márcio Robert informou a condição da irmã. O médico questionou seu parentesco com a vítima e ele respondeu que ela estava pálida e com dor na nuca. “Que que o senhor é dela?”, insistiu o médico.
O cantor pediu novamente para enviar uma unidade do Samu e o médico argumentou que precisava saber o que estava acontecendo. Ele falou que já havia explicado o estado da irmã e que não era médico para saber avaliar o quadro clínico. “Você pode me mandar uma ambulância, doutor, pelo amor de Deus? Só estou precisando disso”.
O profissional respondeu: “senhor, eu quero saber o que está acontecendo primeiro, não é assim não, se você quiser depressa, então leva você ela pro hospital.” O cantor novamente conversou com a família e, na sequência, perguntou o nome do médico. “Henrique”, disse ele. Márcio Robert agradeceu e encerrou a ligação.
O áudio mostra que o diálogo durou quatro minutos e 51 segundos.
Maíra foi levada para o Hospital Municipal pela ambulância do Corpo de Bombeiros. Ela foi atendida e retornou para casa no mesmo dia.
Gravação
O cantor sertanejo Márcio Robert explicou que todas as chamadas em seu celular são automaticamente gravadas.
Ele afirmou que não postou o áudio nas redes sociais, mas disse que encaminhou a gravação para alguns familiares e mais três amigos, entre eles um vereador.
Márcio Robert também falou sobre a atitude do médico: “não o conheço e não posso falar da sua integridade, ou se estava ou não em um bom dia naquela segunda-feira, mas ele ouviu o desespero da minha família e mesmo assim não agilizou o atendimento. Ele foi antiprofissional”.
Sobre a burocracia no atendimento do Samu, o cantor ressaltou que compreende a necessidade da existência de um protocolo, “mas ele não pode ficar acima da necessidade do usuário”.
O cantor destacou ainda a diferença no atendimento do Corpo de Bombeiros, que fez poucas perguntas e chegou à sua casa em menos de 10 minutos.
Protocolo
De acordo com o Samu de Valadares, o protocolo de atendimento começa quando a ligação é recebida. A atendente tem um minuto para preencher os dados, com o nome do paciente e do solicitante, grau de parentesco, queixa principal. Também confirma o telefone de contato e o endereço.
A ligação então é transferida para um médico regulador, que faz um teleatendimento, verifica e analisa a situação do paciente para definir qual tipo de ambulância vai enviar ou se a pessoa deve ser levada ao hospital por recursos próprios. A unidade de atendimento deve chegar ao local em até 15 minutos após o início da chamada.
A coordenação do Samu não informou se o atendimento ao cantor Márcio Robert cumpriu o protocolo.
A Prefeitura comunicou, em nota, que já identificou e tomou as devidas providências com relação aos profissionais envolvidos, com abertura de sindicância administrativa para apurar os fatos. “Este é um caso isolado e não é um comportamento comum dos servidores. Após o acontecido, os demais profissionais foram orientados para que casos como este não se repitam.”
Diálogo entre Márcio Robert e a equipe do Samu:
Atendente: “Samu, boa tarde!”
Márcio Robert: “Alô, quem tá falando? Ô moça, você pode me dar um socorro aqui na São Tomaz de Aquino, 461, fazendo o favor?”
Atendente: “Oi, boa tarde, é do samu senhor.”
Márcio Robert: “Você pode me dar um socorro na rua 461, é … rua São Tomaz de Aquino, 461, Vila Mariana, fazendo o favor?”
Atendente: “Eu falo com quem?”
Márcio Robert: “Você fala com Márcio Robert.”
Atendente: “Seu Márcio, qual que é a urgência aí e com quem?”
Márcio Robert: “A gente .. não sei, a minha irmã tá passando mal moça.”
Atendente: “Qual que é o nome da sua irmã e a idade dela?”
Márcio Robert: “Maíra Olerina, desmaiou. Maíra Cristina, Maíra Cristina, ela amarelou.”
Atendente: “E a idade dela?”
Márcio Robert: “Qual a idade da Maíra mãe? 19 anos, tá sentindo dor na nuca.”
Atendente: “É… na rua São Tomaz de Aquino…”
Márcio Robert: “461, Vila Mariana, fazendo o favor, cá em cima, em frente à tv a cabo, moça, em frente, em frente, fazendo o favor.”
Atendente: “Número da casa?”
Márcio Robert: “461, em frente a tv a cabo, moça.”
Márcio Robert: “O tio tá trabalhando lá ainda, mãe? tá? ela é sobrinha do Amarildo, trabalha com vocês aí?”
Atendente: “Não, trabalha não.”
Márcio Robert: “Você vai mandar moça?”
Atendente: “Calma, senhor. É … ô seu Márcio, confirma o telefone pra mim, por favor.”
Márcio Robert: (Ele confirma o telefone)
Atendente: “Tô te passando pra você falar com o médico.”
Médico: “Alô, seu Márcio!”
Márcio Robert: “Tudo bem? Eu não sei não, ela tá desmaiando moço, ela tá toda amarela, tá com dor na nuca.”
Médico: “Tá amarela?”
Márcio Robert: “Tá, tá amarela, ela amarelou.”
Médico: “Que que você é dela?”
Márcio Robert: “Ô doutor, pelo amor de Deus, se eu for falar pro senhor o que que é ..eu sei que é protocolo, mas pelo amor de Deus doutor, o senhor já viu isso acontecer, tem 20 dias, por causa disso mesmo, por causa de protocolo. Vou deixar ela morrer por causa disso?”
Médico: “E por falta de (inaudível) vai ficar discutindo comigo?
Márcio Robert: “Doutor, eu sei que é protocolo, eu sei que você tem outras ambulâncias …”
Médico: “Então me responde, caramba.”
Márcio Robert: “Então me ajuda, eu não sei o que que é, eu não sou médico. Ela está amarela, está caída, tá passando mal, tá suando frio, tá com dor na nuca, não sei.”
Médico: “Que que o senhor é dela?”
Márcio Robert: “Eu sou irmão.”
Médico: “Pois é, ela tá só desmaiando, tá amarela, tá assim a quanto tempo?”
Márcio Robert: “Agora, isso é agora, tá acontecendo agora.”
Médico: “Ela ficou amarela assim de repente, não ficou pálida, ficou amarela?”
Márcio Robert: “Tá, tá pálida, amarela, mudou de cor, é isso.”
Médico: “O quê?”
Márcio Robert: “Doutor, ela está passando mal, nós só precisamos de uma ambulância, pelo amor de Deus.”
Médico: “Senhor, eu quero saber o que que tá acontecendo primeiro, pra poder mandar a ambulância, não é assim não, se você tá querendo, então se você quiser depressa, então leva você ela pro hospital.”
Márcio Robert: “Não é um trote, doutor, eu tô dando o endereço pro senhor.”
Médico: “Então me responde minhas perguntas, caramba. Ao invés de ficar discutindo comigo, responde, vai ser mais rápido.”
(Márcio Robert conversa com a família)
Médico: “Alô?”
Márcio Robert: “Eu tô ouvindo uai…eu tô falando com o senhor, eu não sei falar pra você o quadro dela, o quadro clínico dela, ela tá desse jeito ué. Se eu soubesse, eu não tava chamando ambulância.”
Médico: “Então me passa para alguém que possa me responder às perguntas.”
Márcio Robert: “Eu estou respondendo pro senhor, se meu pai e minha mãe pudessem e não tivessem segurando ela, eu…eu passaria pra ela, ele tá segurando ela.”
Médico: “Aqui, se o senhor não quer me ajudar, então passa pra outra pessoa que possa ajudar.”
Márcio Robert: “Doutor, eu estou gravando a ligação do senhor, o senhor pode me ajudar?”
Médico: “A ligação também aqui é gravada também, senhor, pode deixar.”
Márcio Robert: “Então, doutor, o senhor pode me mandar uma…o senhor pode me mandar uma ambulância doutor, eu só tô precisando isso, nós não tão passando trote.”
Médico: “Primeiro, eu tenho que saber o que tá acontecendo.”
Márcio Robert: “Doutor, eu já expliquei pro senhor, eu não sei o quadro clínico dela, tá.”
Médico: “Passa pra outra pessoa, pelo amor de Deus, você tá perdendo o seu tempo aí.”
Márcio Robert: “Minha mãe e meu pai tá segurando ela.”
Médico: “Deixa eu conversar com outra pessoa?”
(Márcio Robert conversa com a família)
Márcio Robert: “Brigado doutor! Como é que o senhor chama? Como é que o senhor chama doutor?”
Médico: “Você vai, você vai levar ela?”
Márcio Robert: “Como é que o senhor chama doutor?”
Médico: “Henrique.”
Márcio Robert: “Doutor Henrique. Ok, brigado doutor, brigado.”