Vivemos tempos duros, em que a fome se alastra como a própria peste. O corpo do nosso semelhante, por sua capacidade de propagar o mal, se tornou a grande ameaça, e as manifestações de fé ou de positividade estéril, já se equivalem àquele “suspiro da criatura oprimida” do qual se referiu certo cidadão do mundo [2].
Entusiasmos dos mercadores da fé do povo à parte, como em raras ocasiões, a força religiosa do domingo de páscoa suscitou tão pouca esperança. Que tempos são esses?
A pandemia que perdura há mais de ano, enterrou milhares de vidas junto aos resquícios daquela ideia de “país do futuro”. Até os idólatras, que tudo negam, têm de reforçar como nunca suas paixões, pois é o que lhes possibilitam um modo de agir que não se pareça com cinismo total diante dos fatos escandalosos da realidade.
Como brasileiros, podemos até dizer que existe sim um “novo normal”. É este estado de crise permanente que nos arrasa desde meados da década passada – ou desde sempre, a depender do seu ponto de vista, classe, cor da pele e etc.
Em geral, isto é, nos mesmos moldes pelos quais se constrói o que é tido como “opinião pública”, ou seja, desconsiderando as existências que sempre tiveram de conviver com o risco da morte, temos uma situação na qual poucos se recordam de como é viver sem ser afetado por algum tipo de crise.
Colapso do sistema penal, ameaça de colapso nas universidades públicas, colapso socioambiental. Acostumamos com os infindáveis colapsos deste modo de vida a ponto de ninguém duvidar da possibilidade de rompimento de outra barragem, ou que daqui algumas semanas com a chegada do período seco, este município figurará entre “os 30 que mais registraram focos de queimada em todo Brasil”.
Em contrapartida, temos a certeza de que aquela empresa amarela seguirá derrubando as árvores da cidade – e o que mais for necessário – para melhor comercializar as mercadorias da indústria alimentícia, esta que, vinculada ao agronegócio, faz das matas e florestas do mundo enormes pastos e lavouras [4][5], tornando o planeta uma superfábrica de pandemias, segundo pesquisadores:
|A pandemia sinaliza o fio da navalha que a humanidade está vivendo. Estamos provocando tanto dano ambiental que a nossa própria sobrevivência neste planeta está cada vez mais em jogo. (Marcus Polignano, professor da Faculdade de Medicina – UFMG) [6].
Falando assim parece exagero, mas é como se estivéssemos mesmo dançando em um campo minado. Nessa obra da Engenharia Havaiana lançada em 2003, o poeta que sente com a inteligência e pensa com a emoção [7], ao entender que a vida em sociedade sob o capitalismo globalizado seria essa rota de colisão, nos convidou a vê-la sem filtros, na veia; tal como nos dias que se seguem, quando a única escolha que temos é a forma de pagamento.
Na cena, doenças planetárias, aerodinâmica em tanques de guerra, e um espaço todo privatizado, enquanto a vida no maior sufoco e os caras de papo furado. Poderíamos assim dizer do agora com seus versos de ontem.
A propósito, pelas bandas de cá, há poucos anos, os rejeitos de minério da barragem rompida em Mariana, nos apresentou o substantivo colapso em seu sentido mais drástico, como estado daquilo que está desmoronando, prestes a acabar; ruína.
