Somos todos resistência?

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somos todos resistência?
Maracatudo, um coletivo que leva o som do maracatu e de outros ritmos da cultura popular brasileira para praças e espaços periféricos da cidade. Foto: Divulgação

Tomando cerveja gelada numa manhã de sábado na Praça dos Pioneiros, em um raro momento de amorosidade – para usar um termo de uma amiga recifense e paulofreiriana que este chão me propiciou conhecer -, proseava com o meu conterrâneo, grande poeta de Minas Gerais, o jequitinhonhense Cláudio Bento.

Nosso encontro, aqui, só foi possível devido a outro poeta, o valadarense Marcelo Rocha, que convidou Cláudio para lançar seu mais recente livro, Cheiro de Jenipapo, na centésima edição do Sarau do Psia. Como aconteceu maravilhosamente na noite do mesmo dia.

Já no clima desse evento que educa a partir do silêncio, respeito e atenção àqueles que declamam poesia nestes tempos embrutecidos e insensíveis, escutei atento e refleti sobre um de seus comentários: “as manifestações de cultura popular em Governador Valadares têm um caráter de resistência”.

Com propriedade de fala – o que nada tem a ver com “lugar de fala” – emendou dizendo: “eu conheço, já morei aqui, dávamos muito trabalho para os senhores e senhoras bem vestidos que dominavam os espaços culturais”.

Numa observação mais imediata e romântica dessa afirmação, ela pode até soar como uma ode às manifestações culturais que surgem por aqui. E de fato havia essa intenção, esse reconhecimento em sua fala. Contudo, o que ele quis mesmo destacar, é o caráter doloroso deste verbo.

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Fotografia de Sergio Larrain (1931-2012)

Explico: deixando de lado a paixão pelo ato de resistir, fetiche tão em voga a ponto de ser tido como uma capacidade de obter glória mesmo estando em situação adversa, tem-se a realidade, um cotidiano em que um lado mais forte oprime, sufoca constantemente a flor que não desabrocha de forma plena como poderia.

Quis ele dizer que as manifestações de cultura popular, aqui, têm de caminhar contra o vento, dado o contexto histórico da cidade, por causa de sua formação socioeconômica que se deu “a ferro e fogo”. Enfim, toda aquela história que até o leitor mais desatento deste Jornal de Bad já está mais do que ciente.

De fato, considerar isso é fundamental quando o assunto é esse tema. Pois aqui, onde nossos pés pisam, o apoio insuficiente às manifestações culturais cujas formas não fecham quadradinho como gostariam os idealizadores e apreciadores da imagem instagramável de cidade-mercadoria, esse descaso é decisivo para o referido contexto. É somente a partir dele que a ideia de “resistir para existir” ganha sentido. Muito sentido!

Até aqui, quem escreve este texto está cem por cento de acordo com o seu desenrolar. Entretanto, ouso apontar um outro fator que, a meu juízo, não deve ser desconsiderado. Não sei estimar sua relevância para a condição em que se encontra a cultura popular na cidade. Por isso, irei somente destacá-lo.

A propósito, não tenho nenhuma intenção de “passar pano” para o poder público, este que ainda não se mostrou tão interessado em alterar esse estado de coisas. Afinal de contas, o elemento para o qual chamarei atenção, é, em certa medida, uma nítida consequência da omissão do próprio poder público local em não valorizar, fomentar e propagar devidamente o que estou chamando de cultura popular.

Como esperar que a população se identifique com aquilo que é negado, não é mesmo? Ou seja, não estou cobrando o prestígio de uma população que foi e continua sendo vitimada por um processo histórico que se reatualiza dia após dia. Por esse motivo, prefiro ser realista: não nutro nenhuma esperança de que a cultura popular de Governador Valadares, do nada, torne-se uma cultura de massas. Não se trata disso.

A questão desse texto, que a partir de agora ganhará ares de desabafo, é com a displicência de uma dita vanguarda, politicamente engajada, letrada, e portanto, bastante consciente, mas que pouco – ou quase nada – valoriza o que há da resistência cultural à qual se referiu o poeta na conversa mencionada inicialmente.

Obviamente, toda generalização é burra, e ninguém é obrigado a nada, tampouco a gostar, a ter apreço por algo que não se identifica. Nesse sentido, digo que essa provocação só ganhou corpo nessas linhas porque, nas redes sociais, em suas respectivas “cartas do instagram” -, agora usando um termo do repugnante Arthur do Val -, a imagem de apreciadores de tudo aquilo que é bom exerce papel dominante. E rende likes.

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Imagem: Divulgação

Ora, como levar a sério alguém que se diz amante das letras para os quatro cantos do mundo, mas nunca pisou os pés em um Sarau do Psia? Como não duvidar de quem, o tempo todo, passa-se por fã da cultura Hip Hop sem nunca ter ido em uma edição da Batalha de MC’s do Deck? É possível não suspeitar daquelas almas apaixonadas pelo que “é de fora”, mas que ignoram todas as peças de um Festival Nacional de Teatro? Por fim, por que o Festival de Folclore de Penha do Cassiano não ocupa o leque de eventos dos admiradores das tradições culturais de outros cantos?

Novamente, digo que, da minha parte, não há nenhuma tentativa de “passar pano” para o poder público local. Atribuir maior responsabilidade a determinados nichos de pessoas pelas dificuldades por quais passam tais manifestações de cultura popular, não faz o menor sentido. Mas uma coisa é inegável, convenhamos: há muita gente para dizer que aqui não há cultura popular, mas nem tanta gente assim para apreciar aquilo que resiste.

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