Num município do interior, onde a cultura local tem suas raízes em fazendas, gado de corte e vacas leiteiras – típico dessas profundezas de Brasil –, foi eleito pela primeira vez em sua história um latifundiário para comandar o Executivo Municipal.
Apesar do domínio que a arroba do boi e o leite da vaca sempre garantiram à elite agrária da cidade, seus representantes não se lançavam candidatos. Achavam melhor indicar algum doutor ou comerciante para assegurar seus interesses políticos.
Afinal, a luta no campo marcou o passado histórico dessas redondezas e muito embora, nos dias de hoje, a maioria dessas histórias terem sido enterradas com quem as vivenciou, em tempos antigos havia um sentimento no povo do lugar que trazia cautela às pretensões eleitorais desses donos de terra.
– Que tristeza… O tal do fazendeiro se elegeu com o voto dos meus neto tudo. E pior é que ês sabe que se não fosse esses filhote de grilêro, a gente ainda tinha aquele pedacinho de terra que tomaram do meu pai. O coitado deve tá se revirando no túmulo uma hora dessa – lamentou Seu Osvaldo com outro antigo morador da cidade, na manhã que sucedeu o resultado do pleito.
Ciente dessas lembranças que timidamente denunciam o retrocesso do seu grupo político, o prefeito prometeu uma gestão inovadora. Começou por meter o bedelho no trânsito, alegando modernização urbanística. Depois deu prioridade à pavimentação que faltava nos bairros de seus principais apoiadores, mesmo que os buracos não parassem de aparecer aqui e ali – exigindo cuidado redobrado dos donos de Mercedes que lhe confiaram o voto.
No final do primeiro ano de mandato, ele encheu o centro da cidade com luzes e enfeites de natal, mesmo não sendo capaz de dar melhor destino à miséria, ilustrada nos moradores de rua que volta e meia faziam de residência alguma praça central.
Incomodado com esse cenário de pobreza, que lhe trazia sonhos estranhos na madrugada, determinou que um caminhão fosse usado para acabar com a mordomia desses sem-teto (nome que aprendeu a usar depois de ser aconselhado que falar “vagabundos” não pegava muito bem). Sempre que aparecia em uma praça: colchões mais confortáveis, barracas menos rasgadas e um fogareirozinho improvisado, lá vinha o caminhão da prefeitura se desfazer de todo aquele “luxo”.
Assim, os dias foram passando e os mais pobres dentre os pobres iam carregando o pouco que o caminhão deixava de levar, migrando de um espaço público para outro. No entanto, a coisa ficou feia quando os desabrigados foram dormir nas marquises da sede administrativa. O prefeito ficou puto! Mandou chamar os secretários – que já reclamavam por sujar seus sapatênis na entrada do trabalho.
O chefe do executivo queria uma solução definitiva, todos sabiam que o caminhão era só um paliativo para mostrar aos eleitores mais fiéis que alguma coisa estava sendo feita.
Ninguém sabe de quem foi a ideia, mas certo dia a prefeitura amanheceu rodeada por um cercado de madeira e arame farpado. A novidade intrigou os moradores e justificativas foram dadas para explicar o empreendimento pago com dinheiro público.
Alguns dias se passaram e Seu Osvaldo foi até à prefeitura para retirar a guia de IPTU, pois nenhum de seus netos o ajudou a tirar pela internet. Com isso, pôde finalmente ver a nova obra do prefeito e, enquanto passava por uma das porteiras da entrada, aproveitou pra dizer em bom tom e para quem quisesse ouvir:
– É… Fazendeiro é assim mesmo, quando começa achar que é dono já põe logo uma cerca.