Poucas cantoras da MPB atingiram subtons inigualáveis no canto vocal como Gal Costa, cujo corpo físico acaba de baixar à tumba.
Seu estilo soprano ligeiro ou mezzo soprano, capaz de alcançar uma dimensão rara na extensão do canto, faz de Gal Costa uma das vozes mais agradáveis de seu ouvir. Fina, mas ao mesmo tempo poderosa, a voz de Gal Costa sempre foi mais expressiva do que outras vozes de classificações mais graves.
Seu canto mavioso nos conduz sempre ao firmamento pro céu ficar azul, num dia de domingo. Tudo ficando por conta da emoção.
Gal, simplesmente Gal, seis décadas de presença marcante na MPB, por isso essa força ao cantar, por isso essa força estranha, por isso essa voz tamanha.
A potência da voz de Gal Costa, somada com as notas mais agudas, criou um fenômeno musical: mais expressividade para as apresentações, conquistando a atenção e o gosto do público.
Dramaticidade, maior emoção às interpretações, extensão vocal, coloração de um timbre cálido para os ouvidos, assim Gal Costa se apresentava no palco de tantas perdidas ilusões.
Canções imorredouras se eternizaram em sua voz. Até mesmo a antológica “Estrada do Sol”, composição de Tom Jobim e Dolores Duran, que somente Agnaldo Rayol e Gal Costa a interpretaram com a força catalisadora de suas vozes:
“É de manhã/vem o sol mas os pingos da chuva que ontem caiu /Ainda estão a brilhar/ ainda estão a bailar/ ao vento alegre que nos traz esta canção”.
E aí essa baiana de Salvador maravilhou o Brasil e o mundo com sua personalidade e o seu canto. Do tabuleiro da baiana, que o nosso extraordinário mineiro Ary Barroso compôs como um acarajé pronto para ser degustado por Gal Costa exalam muito mais do que vatapá, caruru e mungunzá: também um canto de sabor, afeto do coração, emoções da alma, do amor de Iaiá.
Seu desaparecimento do cenário musical, apesar de um vazio abissal, deixa uma constante chuva de prata que cai sem parar, na festa do interior, como se repetisse sempre o refrão da vida de Gabriela ou de Gal:
“Eu nasci assim/eu cresci assim/E sou mesmo assim/vou ser sempre assim”.
As composições eternas de Caetano, de Roberto e Erasmo, de Michael Sullivan e Paulo Massadas encontraram na voz de Gal Costa o estuário e desaguadouro de todos os sons da natureza, manipulando o tempo, elevando aos píncaros a arte sublime da música.
Seu nome é Gal. Tanto faz que alguém tenha defeito, ou traga no peito crença ou tradição.
Seu nome é simplesmente Gal.