Meumbigo, a cidade sem lei

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meumbico, a cidade sem lei
Imagem: Internet

COLUNA ADOLESCER BEM

Um viajante, numa tarde tempestuosa, sem nenhuma visibilidade e assustado com raios e trovões, se depara com uma encruzilhada.

Sabe que vai ter que confiar em seu instinto e opta pelo caminho da direita. Imediatamente a estrada se torna uma espiral e a tempestade piora. Os clarões aumentam, árvores caem e o vento ruge. Ele segue em frente, por total falta de opção – se voltasse, o que adiantaria? Tem a sensação de estar num declive, mas sua visibilidade é ruim e ele não sabe de nada…

Após quinze minutos de pesadelo, a tormenta cessa e ele pode ver a estrada corretamente. É uma estrada regular de lajotas amarelas e, após uma grande curva, se depara com novo problema: o rio que corta a estrada transbordou e cobre toda a baixada.

Ele para e já pensa em retornar à encruzilhada. Está perdido!

Quando vislumbra um desvio de terra. Olha seu tanque de combustíveis e percebe que retornar pode ser arriscado. Resolve entrar no desvio e pedir ajuda a quem encontrar.

Para seu espanto, após quinze minutos de estrada de chão, ele volta à estrada de lajotas amarelas e se depara com a entrada de uma cidade e um grande outdoor dizendo: Bem-vindo a Meumbigo, cidade da liberdade de expressão.

Ficou curioso e resolveu entrar, até para se informar e colocar combustível no carro.  Com cinco minutos uma viatura policial o parou. Foram formais e educados e o escoltaram até o posto. No posto completaram o tanque e o aconselharam a deixar o carro e conhecer a cidade a pé, pois o trânsito em Meumbigo poderia ser cruel com forasteiros.

Não soube se aquilo era uma ameaça ou um conselho sincero, mas resolveu seguir a pé. Após o pesadelo de dirigir na chuvarada, uma caminhada faria bem. Com poucos metros de caminhada entendeu o conselho: viu vários carros em excesso de velocidade; carros avançando o sinal e seguindo na contramão e placas de trânsito derrubadas no chão… Não era um trânsito hostil era um trânsito psicopata!

Primeiro procurou uma padaria, para aplacar a fome e tomar um café forte. Para seu espanto, a única que encontrou chamava-se Padaria Integralista e tinha um cartaz: ”Não aceitamos negros, gays, índios e moradores de rua”. Ficou indignado, mas a fome foi maior que a raiva e entrou. A padaria estava cheia de pessoas brancas, com cara de poucos amigos e todos armados! Sua entrada foi espetacular. Todos os olhos se viraram para ele. Talvez porque fosse negro retinto, ou porque tinha dois metros de altura e era muito forte ou talvez porque estivesse com seu macacão rosa e uma camiseta roxa com a foto da Pablo Vitar…

O balconista disfarçou e perguntou o que ele queria. Pediu um pão na chapa com um capuccino e uma caixinha de suco de laranja. Procurou um lugar e sentou-se numa mesa perto da saída, após pagar a conta. Uma senhorinha, carregando um pacote cheio de pães, se aproximou e fez uma careta, mas não disse nada.

Ele terminou seu desjejum, se levantou e já estava saindo da padaria quando um rapaz forte e armado de uma espingarda de caça perguntou:

– O forasteiro está perdido?

-Sim, entrei num desvio da estrada principal e vim parar aqui. Não tinha ouvido falar de Meumbigo…

– Nossa cidade é pacífica, moço, e nós não somos violentos. Meu nome é Kenedy, sou filho do prefeito. Hoje é o dia da caça, feriado na cidade. Você deve ter visto o cartaz aí fora, se não quiser ter problemas com a lei, tente obedecer as instruções.

– Sabe Kenedy, eu sou advogado e sei que esse cartaz não é legal…

– Aqui em Meumbigo nós fazemos as leis, forasteiro. Espero que você seja breve em sua estadia…

– Pretendo ser, bom dia.

O viajante saiu da Padaria Integralista e, já na rua, dirigiu-se à igreja em frente à padaria. Na igreja se encontrou com a velhinha careteira da padaria. Ela o viu e foi logo dizendo:

– Você ainda está aqui? Não tem amor pela vida? Hoje é o dia da caça! Todos vão querer um troféu de macacão rosa…

– Nossa! A senhora está me assustando!

– Meu filho! Eu estou te alertando! Você caiu de paraquedas na cidade mais perigosa do mundo! Todos aqui são fascistas, racistas e homofóbicos! Meumbigo é terra de ninguém!

– Mas ninguém pode me atacar! Existe uma constituição!

– KKKKK! Isso não vale aqui! Eles vão te caçar sim!

– Por que a senhora está me falando assim? Lá na padaria eu vi que a senhora fez uma cara de poucos amigos quando me viu…

– Hora! Porque eu estava em público! Eu sou professora de história, meu filho! Claro que não aceito essa lógica fascista! Mas, ai de mim! Sou mãe do Kenedy, esposa do prefeito! Não posso ir embora!

– A senhora me ajuda?

– Claro! Vamos pra sacristia.

Pegou a mão do viajante e levou-o à sacristia.

– Coloca essa roupa por cima desse macacão estranho!

– Mas é uma batina!

– Nosso padre é tão fascista quanto os outros, mas é o que temos…

Enquanto ele colocava a batina ela foi puxando-o até os fundos da igreja.

– Você vai pegar essa caminhonete da paróquia e dirigir até a saída da cidade…

– Eu tenho meu carro!

– À essa altura eles já pegaram seu carro!

– Vai por essa rua que é deserta.

Ele foi pelas ruas mais desertas sem cruzar com ninguém. Observou que uma praça se chamava Garrastazu Médici e uma escola Coronel Ulstra, aquilo foi dando medo…

Quando chegou à periferia, começou a encontrar pessoas negras. Parou num bar e pediu que entregassem a caminhonete na igreja do centro, junto com a batina.

Procurou um táxi, que o levou até a cidade mais próxima.

Quando o taxi foi embora ele perguntou para as pessoas sobre Meumbigo… Ninguém sabia nada sobre uma cidade fascista, que ficava na margem de uma estrada de lajotas amarelas…

Foi um pesadelo?

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