Quer Uma Carona?

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quer uma carona?
Imagem: Internet

A natureza humana é complexa e ainda misteriosa. Sabemos pouco de nós mesmos, tentando compreender o que é essa máquina pensante existencial. Procuramos paz, propondo a guerra, odiamos quando, na verdade, amamos, e a saudade se instala quando a presença foi pouco usufruída. Temos diversas religiões e deuses em conflito, e ninguém sabe ao certo a origem da vida, sejam eles cientistas, filósofos, poetas e clérigos.

Ainda não temos explicação para muitas coisas, como uma boa música que fala mais que palavras de um raciocínio bem elaborado, sorriso que desarmam bombas nucleares e aquela fotografia de você que desbota no porta retrato mas insiste em ser colorida em minha mente. O ser humano é um segredo que anda.

Não que não se tenha esforço para compreender. Temos e muito. As civilizações do mundo mostram, pela história da humanidade, que as tentativas de decifrar os códigos da espécie humana foram inúmeros, de hindus a astecas, dos maias aos hippies, dos krenaks aos vândalos, dos bretões aos zumbi palmares, dos ganeses aos astronautas de mármore, todos os povos tiveram o mesmo intuito: responder a pergunta quem somos.

Nessa medida de entender o que se é, o ser humano saiu do lugar e tentou dialogar com o diferente, visitar outras terras e outros povos. A caminhada não é de agora, o ponto de saída também é um ponto de interrogação, mas sabemos que saímos e caminhamos. Continuamos caminhando por essa Terra Redonda e não plana, pois, o plano, é circundar a volta de um enigma que é você. Eu. Todos nós.

Não tem muito tempo que li sobre os povos e suas imigrações na busca por uma melhor condição de vida. Sou de uma cidade em que isto é praticamente uma regra, existindo até um programa de estudos acadêmicos para analisar o território da vida. Na busca por entender quem somos, existe uma prioridade: sobreviver. Sabe como é e diz o ditado: saco vazio não para em pé. Não dá para pensar em si se o si está com fome, sem abrigo e um conforto melhor para a família. Por esse motivo também mudamos. E muito.

As pessoas desde então, da aurora da civilização até este instante da era digital, tem buscado por melhores condições de vida. Já foi atrativo da espécie homo sapiens migratoris (acabei de inventar isso, Guimarães Rosa ri) ir em busca de água, terra, alimento e sonhos. Assim, as sociedades mesopotâmicas, árabes, nórdicas, hispânicas e norte-americanas, tem sido as anfitriãs das pessoas que buscam ser, simplesmente, felizes. Sim, o estrangeiro somente deseja um pouco mais de comida, diversão e arte.

E sempre achei estranho a ideia de se nominar alguém de estrangeiro. Quando vejo um, ainda vejo uma pessoa, de carne e osso, com algumas tatuagens diferentes, mas ainda é o desenho pigmentado na pele. Sempre faço a mesma pergunta, qual o nome e de onde vem, como faço para o vizinho que acabou de mudar, o aluno novo na sala de aula, o novo funcionário da empresa. Sei que minhas retinas tem a dificuldade de memorizar todos os detalhes das pessoas, mas minha razão acaba por concluir sempre a mesma coisa: são pessoas. O jeito de falar que é diferente, e mineiro não pode dizer isso jamais, não é, sô?

E nessas longas estradas da vida e do pensamento, chego a uma outra e diferente estrangeira indagação: não vivemos no mesmo espaço? A Terra, redonda que fique muito bem registrada esta forma, não é o lugar de nossa morada? Todos vivem nesse condomínio, dividindo a água e a luz, sendo que a conta está cada vez mais elevada diante dos gastos que fazemos. O meio ambiente está cobrando com justiça social esse preço, assunto que podemos e devemos discutir, embora agora seja outra a ideia.

Se isso que foi dito e refletido é uma verdade circular, porque ainda insistimos em chamar o outro de estrangeiro? O outro é estranho em qual aspecto? Qual de nós não possui uma estranheza que ainda não foi descoberta? Conheço uma pessoa que cantarola do nada, outra que dialoga em voz alta e consigo mesma, e mais um tanto de gente que acredita no sistema. Não saio por aí dizendo a essas pessoas que elas são estranhas, estrangeiras, porque o cabelo é diferente, a pele é colorida, as tattoos são da Anitta ou Beyonce, ou sei lá o quê. Simplesmente fico observando e vendo e, na sequência, eu compreendo: de perto todos sãos iguais.

E fico rindo assim do nada, no que acabo de confessar minha esquisitice. Sou estrangeiro por isso? Não, sou mais um que deve ser estudado e catalogado nas páginas da história da humanidade como uma variante singular de infinitas outras ainda não compreendidas. Somos humanos e aqui não há conceito ou medida que possa encontrar a palavra certa a nos definir. Não existe um marco, um meridiano, uma latitude que possa encaixar-nos em uma ou outra categorização. Considerando tais reflexões, proponho a norma fundamental de todos nós a ser escrita nas novas constituições: que sejam eliminadas todas as fronteiras, marcos e qualquer outra coisa que possa dizer que somos diferentes. Porque somos diferentes e é isso que nos define. Lei que se autorrevoga.

Estando no Brasil ou na Inglaterra, Estados Unidos ou Alemanha, África do Sul ou Austrália, onde estivermos ainda seremos nós. Estrangeiro é uma pessoa desejando ser livre, pois, o local de residência, a pátria natal não foi capaz o suficiente para suprir isso. As demandas de nossa alma são muitas e não pode haver limites a nos impedir de transitar pelo mundo. Se as linhas invisíveis da geopolítica são difíceis de derrubar, ao menos coloquemos ao chão as linhas de nossos olhos a ver no outro uma pessoa distante, diferente, não compreendida.

Que derrubemos as coordenadas do preconceito. Coloquemos as lentes da sensibilidade, da empatia, do coração a ver no outro também um pulsador que o rege. No final somos apenas pessoas caminhando por aí, seja aqui, aí ou nos países dos aiatolás. Sejam nômades ou ciganos, ou quem criou um plano, somos humanos. E somente isto basta para entender: não há estrangeiro. Existe um passageiro passando por aqui. E eis que pergunto, ao final e início da jornada a alguém que passa: quer uma carona?

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