A Última Dança

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a última dança
Imagem: Reprodução/Internet

Não acredito no que vou escrever. Uma linha que se dará em outra, na esperança de florescer. Um dito ao pé do ouvido, ao meu arrepio, quando mais próximo do sentimento estou. Este, que nasce dentro da gente, explica de forma eloquente, como é ver alguém que se ama, partir. Saudade que não é para rir, mas também para não chorar, pois é sobre amar, e não indiferenciar. Ela saberá o que foi escrito aqui. Um silêncio a perdurar.

Não sei despedir direito. Do meu jeito, tudo deveria continuar. Sem pressa para acabar, queria encontrar, mais razões para aqui dançar mais uma música. A cada nota do violão, ao meu coração, ela sentir que tudo vibrava quando a magia dela aqui permanecia. Permanece. E isso não me envaidece, muito ao contrário, deixa de lado qualquer vaidade que possa impedir de uma letra expressar. Ah, meu Deus, tenha dó de mim! Sou apenas um no resto de uma cidade sem fim, embasbacado com a beleza que parece não acabar. Melodia que penetra em mim ao fim do acorde escutar.

Não entendam diferente o que é a emoção patente. Explico que isso é a vida, no mais livre sentido, que permite respirar, mesmo quando muitos prendem nossos narizes, sem deixar cheirar. O olfato capta também as sensações, daquele perfume de outros rincões, que sinto de longe uma lembrança devolver. A cena volta a minha mente, e eu nada inocente, arrisco a pensar como deveria ser o momento em que o cheiro adere a pele dela. Isso é nada que sossegue, fim de tarde que noite é, crepúsculo de uma vida que teria sentido com você. Isso é para todos que se lêem. Despedida que não pode ser dessa vez.

Não consigo olhar direto para a porta. Ela vai embora. E no meu socorro, peço por mais um pouco, tempo que corre mais rápido que pensamento. Todo um tormento, de chuva de verão, leva a minha mansidão, a deixar correr rios para um oceano de sentimentos. E eu vou mar adentro, percorrer as correntezas de meu destino, porque jamais ficarei sozinho, quando a lembrança a mim for um pertencer. Fotografia ao alvorecer, dia que se vai, porta que se fecha. Alguma notícia sobre ela? Apenas problemas na televisão é o que se espera.

Não me peçam mais poesias, a dizer por uma via, toda a explicação para o mistério de ser. Era você quem aqui deveria ficar, a digitar no teclado sem parar, toda a ordem de imperativos que libertam a alma, simplesmente para amar. E eu ficaria aqui a admirar, a cada som de seus dedos tocar, a frequência de um ritmo que viria no papel pintar. Uma crônica ficaria para a mim eu lembrar. Ler todos os dias como foi o minuto em que fiquei assistindo você. Era para ser. Era para ficar.

Não venha o futuro projetar o passado que não foi. Isso é muito depois, do presente que queria viver. Acontecer. Caminhando por ruas altas, em dias quentes, no mais da gente, ver esse povo todo dispersar. Ninguém me veria chorar, lágrimas que poderiam refrigerar, meu peito de nostalgia por um dia viver. Ah, seu moço, ouço isso um pouco, de um transeunte que se compadece da minha dor. Ele era mais que sô, no batente da vida, a me ensinar que isso doí, mas passa, feito cortina de fumaça, ao fim do banquete de roça, no fervilhar da lenha. Vi que era um poema, o amigo desconhecido que me revelou, alguém que ele deixou ir sem despedir, ir sem começar. Minha dor foi menor agora, ao que um abraço dei sem demora, dois desconhecidos no meio da rua, atrapalhando o trânsito. Isso já aconteceu uma vez. Isso foi cantado de novo.

Não vou guardar estes recortes longe de mim. Que fiquem aqui, por enquanto, a ser menos que um pranto, mas uma direção para uma outra vida ser. Teimosamente a gente é, quando nos olhos dos outros vemos quem é, a verdade do que está dentro de nós. Somos bobos demais para sustentar o adulto de agora, e adultos demais para não permitir a bobeira graciosa expressar. Ah, eu ouvi ela falar, por horas sem piscar, a cada detalhe do que era o mundo, a partir das lentes dela. Embaçadas não eram, límpidas também não, mas não prestei atenção nisso não. Tinha mais outras coisas a observar. Sua lição sobre caminhar. Seu ensinamento como a vida é.

Vou ouvir cada fonema seu. Vou permitir cada som ser um fichamento dentro do meu eu. Vou compreender o que aí dentro se passa, para aqui se faça, uma melhor travessia para se viver. Vou ser o que orquestrou acontecer, na maravilha de entender, que tantas prisões no mundo temos, e chaves esquecemos, no interior do cofre nosso, cadeado trancado por muita gente. Mas não é para sempre. As voltas da vida, do mundo, da fechadura fria, abrem-se de novo, na esperança de poucos, muitos para surpreender. Você riu disso para valer. E uma chave assim encontrei. Ensinamento que não desperdicei. Senhas misticamente decifradas. Você na minha frente, amada…

Você então colocou aquela música, todo o cenário mudou com a acústica, sendo mais belo agora do que nunca foi. Na liberdade de seus cabelos, ao meu arrepio de novo, e sem medo, chamou a mim para a ti dançar. Não acreditei no que acontecia, a ver mais que ia, toda uma revolução acontecer. Nem uma palavra dita, a sua ordem foi cumprida, e dois maníacos no piso do salão ficaram. Um a admirar o outro, sem dizer o escopo, daquilo ser como é. A vida é o que é, pensei dizer, ao que um laço se fez, na cobertura macia de um abraço seu. Louco sou eu. Louca é ela. Aqui nenhuma querela. Dois bobos amando a vida sem dizer do que adianta a sina, de chorar no despedir. Foi só o que eu vivi. Foi o que eu fiquei a curar.

Na lembrança de reavivar, no tempo corrente, a saudade da gente, quando ao fim da música, assim se fez: um adeus cortês. Um dia de cada vez, foi o que eu pensei. Foi o que ela precisou me ensinar. Candidamente, pus a registrar, para, futuramente, um tempo depois lembrar, como ao meu ouvido, naquele gostoso arrepio, ela dizer e um embora ficar. Foi assim que a última dança deixou seu ritmar, as palavras dela encontrar ao repouso do meu coração sentir. Foi assim que eu fiquei a ouvir isto que hoje pus a escrever. Hoje eu lembrei de você. Hoje então foi um continuar. Eu entendi assim e, desse modo sim, me pus a denotar, na crônica que acabou de começar, ao fim da linha dita por ela aquele dia, o que hoje acabei de expressar. Ela cantou a mim ao falar que, enfim…

Despedir é encontrar no outro o início de uma lembrança que não precisa acabar.

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