O calvário de Thainara não pode ser em vão

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O calvário de Thainara não pode ser em vão
Espancada e morta por PMs, no último dia 14, Thainara, grávida de 4 meses, deixa filha de 4 anos. Imagem: Redes sociais

Na noite de 14 de novembro, Thainara Vitória Francisco Santos, uma jovem preta de 18 anos, grávida de quatro meses e mãe de uma menina de quatro anos, foi brutalmente espancada e morta por policiais militares, segundo relato de testemunhas, do pai da vítima e como sugere o laudo médico.

O cenário dessa barbárie: sua própria casa, no Residencial Ibituruna II, no bairro Vila dos Montes, em Governador Valadares. Ali, onde deveria haver segurança e acolhimento, a violência do Estado desabou sobre sua família, deixando marcas que nunca poderão ser apagadas.

Thainara morreu tentando proteger o irmão, um adolescente autista de 15 anos, que se tornou alvo da agressão dos policiais durante uma abordagem para localizar e capturar um suspeito de homicídio. Ela fez o que qualquer irmã faria: colocou-se no meio da violência, gritando que ele tinha uma condição especial. A resposta que recebeu foram golpes, tantos e tão brutais que ela sucumbiu.

A história da adolescente que completaria 19 anos em janeiro do próximo ano é dolorosa em cada detalhe. Não foi só a vida dela que foi arrancada; foi também a vida de um bebê que sequer teve a chance de nascer. Foi a infância de uma menina de 4 anos que agora crescerá sem o abraço e o cuidado da mãe. Foi o coração de um pai e de uma mãe que enterraram uma filha ainda tão jovem, com tanto pela frente.

“Hoje é o dia mais triste da minha vida, eu acordar e não poder ver minha filha aqui dentro de casa”, desabafou a mãe de Thainara durante o enterro, em meio a lágrimas. Para além do sofrimento íntimo de sua família, sua história escancara como a violência do Estado tem se normalizado no Brasil, inclusive nos interiores.

PM despreparada e brutal

O episódio que culminou na morte de Thainara Vitória começou com uma abordagem policial à procura de um suspeito de homicídio ocorrido no bairro Conquista. A mãe, Jucélia dos Santos, 38, permitiu a entrada de um dos policiais que bateram à sua porta, mas, quando percebeu, pelo menos oito já estavam dentro de sua casa, revirando gavetas e bolsas. Sem mandado judicial.

Não encontraram o que procuravam e, em outro instante, se voltaram contra seu filho, que, ao tentar passar por um deles – dentro da sua própria casa -, foi impedido. Ele tem Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Nervoso, começou a agredir um dos policiais. Foi levado, então, para o saguão do prédio e lá “começaram a dar socos no meu menino”, contou a mãe.

Thainara, que estava pronta para ir para o trabalho, avisou aos policiais que o irmão era autista. A Polícia Militar, no entanto, diz que agiu porque ela e o irmão teriam reagido com violência, tentando tomar as armas dos agentes. Mas como acreditar nessa narrativa quando o que se vê, repetidamente, é o uso desproporcional da força, a execução de pessoas inocentes e a falta de responsabilização?

Além disso, a contradição entre versões acaba por favorecer um sistema em que a palavra da polícia, muitas vezes, pesa mais do que os fatos. A ausência de uma causa definida no atestado de óbito de Thainara, que, no mínimo, morreu sob a tutela da polícia, só amplia a sensação de injustiça e reforça a necessidade de uma apuração rigorosa.

Thainara foi socada, chutada, jogada contra a parede. Não por um, mas por vários policiais homens.

Periferia, racismo, violência

O caso de Thainara Vitória não pode ser analisado sem considerar o racismo estrutural presente também em Governador Valadares. Como constatou o trabalhador autônomo Mateus Ferreira, 26, amigo da jovem morta e organizador de uma manifestação por justiça, “se ela fosse branca ou rica, se morasse em um bairro de classe média, não teria acontecido isso”. E ele tem razão: estudos confirmam que a letalidade policial pesa mais sobre os corpos negros.

O que Thainara e sua família merecem agora é justiça. Justiça que passa por uma investigação transparente e pela punição dos responsáveis, caso o abuso seja comprovado. Não é só sobre condenar os culpados, mas também sobre garantir que continuem fora das forças de segurança, para que outras famílias não tenham que viver a mesma dor.

Mas justiça também significa cuidar de quem ficou. O Estado tem o dever moral de amparar a filha de Thainara, acolher seus pais e assegurar que eles não carreguem sozinhos o peso desse luto. No entanto, até o momento, o Governo Zema não publicou sequer uma nota de solidariedade.

Não podemos nos acostumar a notícias como essa. A luta por justiça não é só da família e amigos de Thainara, que se mobilizam para que seu nome não seja esquecido. É de todos nós. É preciso exigir que o Estado olhe para esses casos e trate cada vida como única, importante e insubstituível. É preciso garantir que a memória dessa jovem e de tantas outras vítimas de violência policial nos impeça de aceitar a normalização do inaceitável.

  • Uma manifestação cobrando justiça será realizada nesta quarta-feira (20), a partir das 16h, no bairro Vila Isa – Avenida Engenheiro Roberto Lassance, 1.080.

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