Em reunião na tarde desta segunda-feira (13), na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GV), uma comissão de advogadas cobrou do presidente da entidade, bem como da Associação de Advogados de Governador Valadares (Aadvog), posicionamento sobre a publicação da matéria “30 motivos
que a mulher tem para namorar um advogado valadarense”, veiculada na edição 106 do jornal impresso Tribuna Jurídica.
O conteúdo foi postado em homenagem ao Dia da Advocacia, comemorado dia 11, e causou polêmica nas redes sociais, sendo criticado principalmente por advogadas e advogados, por conter mensagem alusiva à misoginia (ódio ou aversão às mulheres), ao machismo e ao homofobismo.
Na reunião ficou decidido que OAB e Aadvog farão um pedido de retratação ao jornal Tribuna Jurídica. A OAB também informou que vai rever suas publicações no periódico. Quanto a possíveis ações reparatórias, elas deverão ser feitas em grupo ou individualmente, caso haja interesse.
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Participaram da reunião as advogadas Kaline Santos, Élita Souza e Graziele Aquino, representando a comissão das advogadas, as integrantes da Comissão da OAB Mulher Aline Dantas, Yara Costa e Marta Perim, a presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, Tânia Stock, o advogado da Cruz Vermelha, Washington Fabri, o presidente da Aadvog, Aloísio Gusmão, e o presidente da OAB-GV, Elias Souto.
Repúdio
O grupo Mais Mulheres no Poder e a Associação dos Advogados do Brasil (Aadvog) soltaram nota de repúdio à publicação misógina e machista:
“Nós, mulheres valadarenses, através do grupo Mais Mulheres no Poder, organização da sociedade civil sem fins lucrativos, atuando pela equidade de gênero e empoderamento, bem como no enfrentamento de toda forma de violência contra a mulher, repudiamos veementemente a matéria machista, misógina e homofóbica intitulada “30 motivos que a mulher tem para namorar um advogado valadarense”, publicada no mês de agosto, na edição 106 do Jornal Tribuna Jurídica.
O texto publicado, subentendido por alguns como “piada”, nos mostra o quanto ainda temos que avançar na construção de um mundo no qual as mulheres possam exercer sua autonomia e liberdade, livre de explorações de qualquer tipo. O conteúdo das declarações, além de profundamente misógino e discriminatório, está longe da realidade brasileira.
As mulheres estudam mais e recebem 23,55% a menos do que homens, mesmo exercendo função igual. Elas trabalham 16 horas semanais a mais do que eles e ainda assim são as mais pobres. As mulheres são maioria em empregos precarizados, inseguros e sem direitos. Pesquisas do IPEA indicam que são mais de 40% de domicílios chefiados por mulheres, o que reforça o total descabimento das declarações, inclusive de que as mulheres precisam de namorados advogados bem sucedidos para ter descontos e ainda, a absurda afirmação de que “os advogados conhecem o ponto G das mulheres, que fica no final da palavra shoppinG”, ridicularizando e inferiorizando as mulheres.
Assim, o Mais Mulheres no Poder convida a todas e todos para lutarmos contra o machismo, ainda que disfarçados de piadas e sarcasmos. Inferiorizar a mulher não é engraçado. Uma das violências mais sutis a que estão expostas as mulheres, é a violência imposta pela mídia, uma violência naturalizada. A violência de ver seu corpo fragmentados como seios e nádegas para vender cerveja e carro; a violência de ver a dupla jornada de trabalho naturalizada pelas propagandas e novelas; a violência de ser desumanizada e vista apenas como um corpo a ser consumido; a violência de ver os crimes de violência doméstica e feminicídio atenuados pelo jornalismo; de ser excluída dos espaços de decisão e dos processos de criação na mídia; de ser futilizada dia após dia por meio da generalização.
Desumanizar a mulher é deixar de vê-la como um ser humano, ou seja, como igual. Isso faz com que várias violências e desrespeitos a seus direitos humanos sejam socialmente aceitos, sejam naturalizados. A cultura do machismo é, por sua vez, a causa das mortes e estupros que vemos todos os dias. Sabemos o poder da mídia de influenciar crenças e comportamentos. Portanto, ela deve buscar não produzir estereótipos, porque toda a sociedade tende a ser influenciada por isso.
Exigimos a retratação do Jornal Tribuna Jurídica e sugerimos que incorporem a perspectiva de gênero em suas matérias.” Mais Mulheres no Poder
“A ADVOG vem, por sua Diretoria e seus Conselhos, repudiar de forma veemente o artigo publicado no ‘Jornal Tribuna Jurídica’, edição 106 do mês de agosto, intitulado: 30 motivos que a mulher tem para namorar um advogado valadarense.
A preconceituosa matéria para celebrar o Dia da Advocacia, é causa de vergonha para todos nós advogados e advogadas e vai na contramão do atual contexto de luta contra a desigualdade de gênero, em que cada dia mais as instituições públicas e privadas estão em busca de soluções conjuntas para que nenhuma mulher sofra qualquer tipo de violência ou discriminação pelo fato de ser mulher.
Cediço é que o machismo, a misoginia, a homofobia e diversas discriminações, podem se manifestar de diferentes formas, inclusive por comportamentos que, para alguns, não passam de ‘brincadeiras’, mas que, na verdade, são a mais pura manifestação do preconceito. Não tem graça.
O intuito dessas piadas é, pura e simplesmente, ridicularizar comportamentos tidos como femininos, ou seja, ridicularizar as mulheres.
Essa categoria, apesar de parecer light, justifica atitudes paternalistas de menosprezo e desqualificação ao reforçar estereótipos que estão longe de ser verdade para muitas, senão a maioria. Naturalizar o desrespeito através da ridicularização. E o desrespeito simbólico é o primeiro passo para a violência real.
As estatísticas são alarmantes e nos levam a uma profunda reflexão sobre a necessidade de uma mudança urgente da cultura machista e patriarcalista em que nossa sociedade ainda está, infelizmente, inserida. O texto, além de ser pobre em conteúdo, remete a Classe dos Advogados ao abismo do machismo e homofobia e apregoa de forma velada a violência contra as mulheres.
Além de ridículo, o referido texto coloca a figura da mulher abaixo da do homem, interesseira e sem nenhum tipo de pudor. Continuando ainda a sua tese preconceituosa e vulgar, o texto remete a imagem da mulher aos tempos da idade média. Não bastasse, ainda coloca a profissão de advogado aliada a outras demais profissões, como a de corretor de imóveis, o que não é permitido pelo nosso Estatuto.
Dessa forma, a AADVOG não compactua com esse tipo de reportagem que tenta expor os profissionais do Direito numa situação vexatória perante seus clientes e a comunidade em geral. Aconselha e pede aos seus associados que não participem com entrevistas ou anúncio no referido jornal. Que dará todo o apoio jurídico que se fizer necessário aos seus associados e associadas que se sentiram ofendidas em sua dignidade e desde já, requer ao Jornal Tribuna Jurídica a devida Retratação, sob pena de responder judicialmente.” Diretoria e Conselhos- AADVOG
O advogada da Cruz Vermelha, Washington Fabri, também se manifestou sobre o assunto:
“Ontem chegou ao meu conhecimento uma matéria do Jornal Tribuna Jurídica de Governador Valadares, que possui o seguinte título “30 motivos que a MULHER tem para namorar um ADVOGADO VALADARENSE”.
Só pelo título já dá para perceber o quanto é machista, pois acredito que ao invés de incentivar mulheres a namorar e casar, deveríamos incentivá-las a estudar e trabalhar, seria mais útil se fosse uma matéria intitulada “30 motivos que uma mulher tem para se tornar uma advogada valadarense”, por exemplo. No entanto, não é só o título que contém esse tipo de discurso, por isso pretendo enumerar aqui alguns dos itens que mais me chamou atenção na matéria.
Item 2: “Todo advogado valadarense sabe o ponto G das mulheres de Governador Valadares. O ponto G das mulheres está no fim da palavra SHOPPING”. Vamos esclarecer que ao contrário do que alguns homens pensam, a maioria das mulheres não passam o dia em shopping gastando o dinheiro do marido, na verdade essas mulheres trabalham, estudam e ainda cuidam da casa e da família.
Item 4: Esse tópico diz que a maior parte dos advogados valadarenses é contra a união estável de casais homossexuais e que devido a isso a masculinidade dele está assegurada. Diante disso, eu sinto informar que ser contra direitos homoafetivos não faz ninguém mais hétero. Pelo contrário, só te torna atrasado no que se refere ao reconhecimento do direito dessas pessoas.
Item 11 e 12: “Todo advogado é muito esperto, e você nunca irá saber se algum dia ele traiu você (…). Mas se algum dia você descobrir a traição, ele vai negar até a morte, até que você se convença de que ele é realmente inocente, e aí ele vai se fazer de vítima, sua especialidade, fazendo você se sentir a pior pessoa do mundo, ao tê-lo acusado injustamente”. Esse tipo de relacionamento é abusivo, se você vive um relacionamento assim, procure ajuda. O homem fazer você se sentir culpada por um erro dele é uma violência psicológica horrenda e nenhuma mulher merece passar por isso.
Item 19: “Quando você estiver a sós com ele nos momentos íntimos, ele vai saber fazer DIREITO”. Um trocadilho machista que não tem nenhuma graça, se vocês fazem esse tipo de piada, por favor, parem porque tá feio.
Item 22: “Todo advogado valadarense gosta de praticar esportes e academia. Assim sendo, você terá um namorado com um corpo de atleta, e não terá problemas com um homem obeso”. Claro que em uma matéria como essa não poderia faltar a gordofobia.
Item 28: “Se você se envolver em alguma rixa, contenda ou disputa judicial, referente a direitos de família, por exemplo, você não terá que gastar dinheiro contratando um advogado – afinal, você já tem um ao seu dispor, todos os dias, e ainda é ele que terá que gastar dinheiro com você”. Em pleno século XXI a mulher já não precisa ser bancada por um homem, e nem de um “super-herói que irá salvá-la ao menor sinal de perigo”, as mulheres estão se emancipando cada dia mais. Então se ela precisar de um advogado ela poderá pagar por um, sem precisar de namorar para contar com a boa vontade do seu parceiro.
Item 30: “Quando alguém perguntar o que seu namorado faz você vai poder falar em tom de muita alegria: ELE É ADVOGADO VALADARENSE”. Mulheres, não façam isso. Seja uma advogada valadarense, ou tenham a profissão que vocês desejam ter, não pensem em namorar ou casar para obter seu reconhecimento com as conquistas do outro, tenham suas próprias conquistas e se alegrem por elas.
Acredito que a mídia deveria utilizar do seu espaço de forma digna e honrosa, sem perpetuar preconceitos que já deveriam estar ultrapassados. Vamos parar de ensinar as mulheres a namorar ou casar para assim conquistar sua felicidade ou satisfação pessoal, vamos incentivá-las a procurar sua independência pessoal e financeira, para que não tenham que passar por relacionamentos com parceiros que não reconheçam o seu valor. Mulheres, vocês são tão capazes quanto qualquer homem de chegarem onde querem, não permitam que ninguém diga o contrário.”
Machismo disfarçado de piada não tem graça. Inferiorizar a mulher e naturalizar a violência não tem graça. Veja o motivo 12, é violência psicológica, e isso acontece DEMAIS. Viram os índices da violência doméstica e familiar no ano de 2017? Foram registrados mais de 60 mil ESTUPROS, 13 MIL FEMINICÍDIOS E MAIS DE 221 MIL CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. PORTANTO, REFORÇAR ESTEREÓTIPOS DE SUBMISSÃO E VULGARIZAR A MULHER PARA NATURALIZÁ-LAS NÃO É PAPEL DA MÍDIA E NEM DE QUALQUER PESSOA DE BEM.
Lado outro, como nós advogadAs nos sentimos com esta matéria para homenagear o Dia da Advocacia? Ou como queiram, o Dia do Advogado e da AdvogadA? As advogadas são maioria em GV , 53% dos inscritos na OAB são mulheres.
Importante a gente lembrar tb quem este jornal alcança, né? Operadores do Direito: quem aplica as leis… contribuiu para seu aprimoramento … juízes, delegados, promotores, advogad@s, defensores públicos, professores e estudantes de Direito… vereadores e deputados que elaboram as leis…. É preciso entender que A CULTURA MACHISTA precisa ser refletida e mudada. Não é brincadeira. Os índices da violência contra a mulher falam por si.
A ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS JÁ SE POSICIONOU E MUITO BEM. ESTA MATÉRIA ENVERGONHA NOSSA CLASSE. NÃO É MÍMIMI. É MACHISMO.
E O MACHISMO MATA TODOS OS DIAS. A CADA 2 MINUTOS 5 MULHERES SÃO ESPANCADAS.
É muito mimimi. Não se pode fazer uma brincadeira que essas feministas querem punição. Boicotar quem quer silenciar o direito à livre expressão