Aos bons frequentadores

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aos bons frequentadores
O sambista Junin Cabeça de Pen Drive. Foto: Divulgação

As coisas vêm degringolando de tal maneira no mundo, que soa meio inocente preservar alguma esperança de melhora, pelo menos a curto prazo. Eu, que ando com meu pessimismo a tiracolo, já não caio nesse papo de “feliz ano novo”.

Prova disso é que o Bar do Ica não abrirá mais aos domingos. O derradeiro – e primeiro do ano – funcionou em clima de despedida, sem a alegria natural de todos os outros domingos, em que sempre se ouvia boas conversas e risadas dos clientes, nutridas por cerveja gelada e algum famoso tira-gosto da Dona Socorro.

Havia algo diferente no beco das hortaliças do mercado municipal. Algo difícil de expressar em palavras, mas que acabou traduzido no repertório de Junin Cabeça de Pen Drive, pois nosso sambista (com seu terabyte de acervo musical na memória) só conseguia lembrar de belos sambas tristes, tocados no dedilhar de seus dedos cansados das festividades de fim de ano.

Ainda nessa atmosfera fúnebre, conversei com o Esquema-Tático sobre a morte de sua mãe. Lamentamos juntos a brevidade da vida e aprendi com ele alguns dos princípios que norteiam sua caminhada nesse vale de lágrimas.

O pouco do riso nesse dia nublado e silencioso ficou a cargo do Paraíba, filho de mãe cearense e pai pernambucano, mas que foi nascer lá no Paraná. Ele conta que veio morar em Minas ainda bem moço, e já completou cinquenta anos de Valadares, como fez questão de ressaltar.

Afastados dos outros clientes para fumar nossos cigarros, eu com minha palha e ele com seu fumo juriti enrolado em folha de caderno – que garantiu não ter nada escrito –, demos boas gargalhadas de suas histórias cotidianas, com seu humor nordestino, que dariam crônicas muito melhores do que essa.

Ao cair da tarde, as pessoas foram indo embora e um dos fiéis frequentadores dominicais até brincou que já estava procurando psicólogo para tratar a falta que o bar vai fazer aos seus domingos.

Por um instante, imaginei a dificuldade em se adaptar a um outro boteco que não esse, protegido do sol e do calor pelo telhado do mercado, fazendo preservar, quase sempre, um clima ameno e agradável.

Pensei na tarefa de experimentar os tira-gostos em outro bar até achar os
preferidos, enquanto os da Dona Socorro nem é preciso escolher muito, todos são maravilhosos.

Por fim, não podia deixar de lembrar do contratempo de ter que fazer amizade com um novo garçom, ao invés de poder gritar “Céééésar” e vê-lo trazendo a cerveja gelada com um sorriso no rosto.

É… não vai ser fácil! 2022 também não (que me desculpem os otimistas).

Mas quero deixar claro: ainda que pareça, isso não é uma despedida de fato, pois o Bar do Ica segue funcionando, agora de segunda a sábado, e com o merecido descanso dominical da Dona Socorro, do César e também do Ica.

E, pra terminar o assunto, sendo o pessimista que me cabe ser, cansado dessa positividade tóxica que circula por aí, deixo aqui meu alerta: não duvido que o Dilo entre nessa onda e invente de fechar seu bar algum dia de semana. Ele que não banque o engraçadinho.

Faremos greve de torresmo!

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