As curvas da vida

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as curvas da vida
Imagem: Reprodução/Internet

A vida não é uma linha reta. Marcamos o dia de nosso nascimento, registramos os eventos durante o vivido, e os queridos marcam, indelevelmente, o nosso fim. Mas da Aurora do primeiro choro, ao crepúsculo de nosso silêncio, todo esse transcorrer não se dá linearmente. São mais curvas do que retas.

As dificuldades que encontramos ao viver marcam nossa personalidade. Uns fogem, se aquietam, gritam e desesperam. Outros tantos lutam, sucumbem a esta, faz da tragédia uma festa, e riem disso. A reação ao acontecido da existência é plural, peculiar a cada indivíduo, e isto marca a riqueza da humanidade, o quão diferente somos.

Quisera eu a vida ser mais simples. As palavras a não confundir a mensagem, o olhar diretivo que dá mais respostas do que perguntas, a presença ao invés da saudade, é o roteiro que imagino mais fácil e doce de viver. Contudo, as coisas não funcionam assim, especialmente aquelas que dizem respeito a nós, humanos.

Dizem alguns filósofos que a dificuldade da vida nos torna mais fortes. Não sei vocês, mas não vim aqui na Terra ser um “rato de academia”, daqueles que dizem ser melhor quanto mais pesado for o treino. “No pain, no gain”, não me motiva. “No pain, gain forever”, soa melhor. É mais poético.

Talvez seja da cultura ocidental essa coisa de colocar dificuldade em tudo para se alcançar o apogeu ou a felicidade. Como em uma autêntica meritocracia burguesa capitalista, a ideia de sacrifício como método para alcançarmos os objetivos, traz um pouco de sadismo existencial. Seria sadismo mercatorial? Poderia ser mais simples, menos recursos, mais compartilhamentos, um vento em nosso rosto ao lado da pessoa que se ama, e um violão ao fundo tocando aquela música. Tudo isso é idílico demais para o mundo da inteligência artificial. Logo me acusariam de ser comunista, idealista, hippie ou um desses Dom Quixotes sem Sancho Pança. Quanta crueldade? Boletos chegam do mesmo jeito, a despeito do meu suposto lirismo.

Mas a reflexão continua e insiste em ser. A curva chega no mesmo ponto, ao destino prometido. A reta seria mais rápida, sagaz e tranquila. Teríamos mais tempo para aproveitarmos do fim da viagem, o deleite de uma praia, o entardecer apaixonado em Coroa Vermelha. Porém, me disseram os teólogos que o Autor da vida gosta de uma sinuosidade, uma pequena curvatura, uma dobra da corda para que saia o som. Lá vem o choro, a explosão, a declaração de amor. Ao ouvir isso de um sacerdote, pude perceber algo muito claro. O mundo é redondo, ou seja, o encontro de duas curvas. O campo gravitacional tem curvas, a sua forma linda de ser tem uma geometria de Eva, a métrica dá voltas para a poesia fazer sentido, e o coração é sinuoso. Sim, o pulsador da vida tem curvas. Deus, seu poeta danado.

E engulo seco a lágrima de mais um adeus. Sinto que meu coração tenta dar voltas, a correr o sangue em outra direção, para uma curva que faça dar a volta em você. E ele não sossega, tenta captar de outra maneira o espetáculo cósmico que, na minha angústia, procuro os astros como conselheiro. E eles, de forma torta e genérica, me diz o que fazer. Seja pela teimosia de Áries, ou pela fúria de Leão, meu descansar é em Peixes. Por isso o meu mar calmo canceriano.

A vida é besta mesmo, Drummond. Deveríamos elevar o poeta itabirano a categoria de filósofo existencialista só por essa frase. Ele captou muito bem, em sua simplicidade mineira, como somos “bestas” ao lidar com a vida. Nos perdemos facilmente de nós mesmos, buscamos coisas sem sentido, passamos mais tempo no trabalho do que em casa e, no final, quem tem mais números é mais bem sucedido. Quem está contando? O número existe? Será que dá para abraçar as cifras de uma conta bancária ou investimento? Não mesmo, não dá para fazer isso. O acúmulo inútil de trabalho e números é uma linha reta. E aqui começo a mudar de opinião. Curva é pegar a lotação, ouvir um xingamento gratuito, despedir-se sem querer, e perder quem se ama. Curva é a poesia, sua linda fotografia, a minha vontade de dizer sim ao invés de não. Curva é a loucura divina, essa certa medida, que faz o ser humano ser vida e não razão. Curva é o violão do Nando Reis, cantando mais uma vez, que não tem explicação. E não tem mesmo. Confusão que se instala, então.

O que fazer diante da reta que curva é? Viver é perigoso, segundo Riobaldo, e nisso não tem conversa não. Porém, viver pode ser fantástico, extraordinário e complicado também, quando da curva pegamos atalhos que nos levam para a solidão. Respirar um pouco, refletir sobre tudo de novo, encarar de peito aberto o desafio da verdade e entender: quem faz acontecer é você. A vida parece querer brincar com a gente, oferecendo todo tipo de presente, como uma mesa de doces para crianças se lambuzarem. Mas quem consegue entender que o devagar é rápido, que o pouco é muito, vive-se mais do que aquele que pensou ter se fartado de tanto comer. Viver é eleger o que mais importante é na vida. É saber dizer: a reta chega mais rápido, mas vou com você por este caminho mais tortuoso. É saber declarar: não quero mais isso, de enumerar coisas que não me levam até você. É compreender: pare de ler isso agora e vá lá. Vá!

No final toda reta se curva a um sentimento sem sentido. Toda reta é uma linha que se curvou a alguém.

Curvem-se bem, é o que desejo para vocês.

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