O Retrato de Irene

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Coisas do passado costumam ressurgir em nossas vidas de forma inusitada. As fotos de antigamente sempre me encantam. Elas têm uma realidade verdadeira e não uma realidade filtrada, corrigida, embelezada e pasteurizada como as fotos digitais atuais. Até os sorrisos são tão artificiais hoje em dia! Quase nunca temos um registro fiel ao estado de espírito como vemos nas fotos do passado.

Há alguns dias, organizando as fotografias antigas que herdei após a morte de minha mãe, me deparei com uma foto de uma noiva sorridente. Tinha uma dedicatória: _”À boa amiga Maria ofereço esta simples fotografia como prova de amizade e consideração da sua amiga Irene!”.

Lembro-me de quando criança ter visto minha mãe olhar aquela enorme foto algumas vezes, e dizer que se tratava de uma sua amiga de juventude, na cidade de Ipanema – MG. Mas agora, o que fazer com aquela foto? Ela não significava nada para mim!

Cheguei mesmo quase a colocar na lixeira para descartar. Mas veio a dúvida: se era amiga de minha mãe, podia ser que ainda estivesse viva! Podia ser que tivesse filhos, netos, alguém para quem aquela foto fosse uma relíquia, uma boa lembrança, etc.

Lembrei que sigo uma página no Facebook que trata da Memória Histórica de Ipanema e lá postei a foto perguntando se alguém conhecia a “noiva” chamada Irene.

Aquela foto seguramente teria mais de 60 anos, e mesmo assim, logo começaram a surgir comentários com várias suposições: seria a vó do fulano? Seria a tia do ciclano?
Dezenas de comentários depois e nada de solução para o “mistério”!

Pra aumentar ainda mais a curiosidade, uma jovem postou um comentário com uma foto idêntica que ela havia encontrado nos guardados de sua avó, porém, sua avó também não se lembrava quem era que lhe havia presenteado com a foto!

Bem, agora havia duas fotos iguais, uma aqui em Valadares, outra em Ipanema, e ninguém sabia quem era a noiva Irene!

Muitos comentários postados e de repente uma jovem comenta: _”É minha vó!”

E aí, seguiu-se uma enxurrada de comentários de familiares da Irene: _”É minha Tia!”, “Ela está viva sim!”, “Ela tem 88 anos!”, Minha avó linda!”, “Não temos esta foto”! E muitos comentários emocionados!

Me encantou o fato de o quanto o reaparecimento de uma foto que ficou guardada por mais de 60 anos trouxe à tona sentimentos de amor e gratidão de toda uma família! E pensar que eu quase joguei tudo isso no lixo, literalmente!

Vários parentes da Irene da foto antiga entraram em contato comigo agradecendo a minha atitude. Disseram que Dona Irene já é viúva, e que há alguns anos perdeu seu filho mais velho, que era o mais próximo dela, etc.

Aquela foto não mais me pertencia! Voltaria imediatamente para as mãos daquela que há mais de 6 décadas presenteou minha mãe, sua amiga de juventude! Enviei a foto pelo Correio numa embalagem rígida para se evitar danos.

O Retrato de Irene finalmente voltou pra casa e eu, bem… eu fiquei em paz com a minha consciência! Irene não mora mais aqui!

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