Alunos do curso de medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Campus de Governador Valadares, estão, há quase um ano, sem acesso ao ‘Internato’ dos últimos ano de graduação, suspenso devido à pandemia do novo coronavírus.
O internato é um estágio obrigatório realizado por graduandos da saúde, por meio de convênio entre a Secretaria Municipal de Saúde e a instituição de ensino. Ou seja, sem o internato, o aluno não pode formar.
Da mesma forma, alunos dos cursos de odontologia, farmácia, enfermagem e fisioterapia permanecem com seus estágios suspensos e sem previsão de serem retomados.
Os estudantes se dizem revoltados e alegam que a medida é incoerente, além de criar um vácuo entre as aulas teóricas e as práticas. Eles também afirmam que durante a pandemia, os universitários poderiam auxiliar no combate à Covid-19.
O decreto municipal nº 11.119, assinado e publicado em março de 2020, quando em Governador Valadares ainda não havia confirmado nenhum caso de Covid-19, suspendeu todos os estágios realizados na rede municipal de saúde.
A suspensão, de acordo com o decreto, ocorreu como medida de prevenção e enfrentamento ao novo coronavírus. Todos os estudantes da área da saúde da UFJF-GV foram temporariamente dispensados.
Em agosto de 2020, o Conselho Superior da UFJF, em Juiz de Fora, publicou a resolução nº 33.2020, que regulamentou o Ensino Remoto Emergencial (ERE).
A partir dessa medida, as aulas práticas para alunos concluintes só poderiam acontecer, excepcionalmente, por solicitação do departamento ofertante à Prograd/UFJF, e mediante autorização do Comitê de Monitoramento da Covid -19. Mas essa resolução, de acordo com os alunos, não se aplica em Valadares.
O que dizem os alunos
Letícia Coelho Pessoa é de Coronel Fabriciano (MG) e cursa o 10º período de Medicina no Campus GV. Ela explica que começou o internato no 9º período e passou por várias Unidades Básicas de Saúde (UBS), além do Hospital Municipal, Hospital Samaritano e Vigilância Sanitária.
“Somos nós que fazemos boa parte do trabalho grosso do médico, a triagem, o exame físico, aceleramos o fluxo nas unidades de saúde e nos hospitais. Inclusive, algumas especialidades, como Pediatria e Ginecologia/Obstetrícia, só estão presentes em alguns postos de saúde devido a UFJF, e com o internato parado, esses locais também param e, portanto, a sociedade valadarense perde com isso” enfatiza.
A universitária acrescenta que “precisamos da população pra consolidar nosso conhecimento e a população precisa de nós”, e diz que, apesar da pandemia, “a sede em Juiz de Fora retornou com o internato em outubro de 2020 e já formou duas turmas, enquanto o campus de GV não retornou até hoje. A direção local nos dá respostas evasivas e sempre com intensas burocracias para resolvermos pro nosso retorno, sendo que nenhuma solução efetiva é tomada”, conclui.
Outra aluna de medicina que se diz revoltada com a situação é Luana Ribeiro Silveira. Ela cursa o 11º período, já fez estágios por um ano no internato. “Para a minha turma, faltam apenas os estágios de Pediatria, Ginecologia/Obstetrícia e Urgência/Emergência e não sei quando vamos concluir a graduação”, conta.
Ela destaca que os alunos compreendem a situação da pandemia e a necessidade da suspensão das aulas até a estabilização do processo. No entanto, a estudante lembra que em agosto de 2020, quando a prefeitura liberou o retorno do internato, “imaginamos que iríamos voltar, mas até agora nada” lamenta.
O sentimento é de descaso com os alunos de Governador Valadares em relação ao tratamento dado pela sede em Juiz de Fora. Entre as reclamações, está a falta de informações por parte das coordenações dos cursos. “Quando dão, é com enorme grosseria e arrogância, nos chamam de ‘ansiosos’ o tempo inteiro, mas não dão celeridade aos processos”, revela um aluno.
A falta da presença do reitor no Campus de Valadares também é criticada pelos universitários. Segundo eles, a última vez que ele esteve visitando a UFJF-GV foi no início de 2019.
Já naquela ocasião, contam os estudantes, o início do internato somava quatro meses de atraso, devido a contratos não firmados. “Até hoje não houve sequer uma turma que formou sem sofrer psicologicamente com essa demora, quase perdendo o prazo para formar a tempo de ingressar na residência médica. Nós somos cobaias o tempo todo dessa universidade e eles não conseguem nos dar o mínimo de respeito e consideração”, desabafa um outro aluno.
Os universitários querem emancipação do Campus de Juiz de Fora, sob a alegação de que a sede não se importa com os alunos do campus local. Pedro Oticica, que cursa o 8º período de medicina, também reclama que ainda não está no internato.
Ele explica que a turma está prejudicada pela falta das aulas práticas, já que o oitavo período é o último ano antes de começar o internato. Ele alega que “é muito ruim ter as aulas práticas dissociadas das teóricas. Isso é extremamente prejudicial para o aprendizado”, ressalta.
“O pior de tudo é que teremos a teoria de uma disciplina separada por meses da prática, da mesma disciplina, nos levando a um péssimo aproveitamento”, completa.
Oticica reclama ainda da falta de estrutura do campus local. “Não há espaço para todos os alunos, por vezes precisamos assistir aulas em salas emprestadas por colégios da cidade. O problema não é só o internato. Os problemas começam desde o primeiro período. O Campus de Valadares não tem condições alguma de ser chamado de universidade”, lamenta.
Eduardo Campos, do 10º período de medicina, é de Bom Despacho (MG) e mora de aluguel em Valadares. “Estou pagando aluguel sem estudar. Um grande prejuízo e afirmo que 80% dos universitários estão na mesma situação. Queremos estudar e ajudar. A maioria de nós fez até credenciamento no programa ‘Brasil Conta Comigo’, do governo federal, para trabalhar na pandemia, mas ninguém de Valadares foi chamado”, disse.
O que diz o Campus GV
O diretor do Instituto de Ciências da Vida do Campus da UFJF-GV, professor Ângelo Denadai, explica que os problemas são resultados da burocracia da sede em Juiz de Fora.
Segundo ele, tudo se resume à submissão do Campus de GV ao de Juiz de Fora, que, de acordo com o professor, cria regras para o retorno de atividades que não se aplicariam à realidade de Governador Valadares.
Ele também reforça que as estruturas física, administrativa e de recursos humanos da universidade em Valadares são completamente diferentes de Juiz de Fora. “São duas universidades distintas, apesar de levarem o mesmo nome, e ainda tem o fator descaso”,
Denadai concluiu informando que o assunto seria discutido em uma reunião virtual com o reitor da UFJF.