
Termina nesta segunda-feira (26) o prazo para aderir ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), que prevê o pagamento de R$ 35 mil, em parcela única, para pessoas físicas e jurídicas elegíveis. O PID é um instrumento criado no âmbito do Acordo de Reparação da Bacia do Rio Doce, com o objetivo de indenizar os atingidos pelo desastre de Mariana.
Paralelamente, tramita na Justiça do Reino Unido uma ação coletiva contra a mineradora BHP, que busca uma indenização total de aproximadamente R$ 266 bilhões. Dividido entre os mais de 700 mil autores, o valor médio por vítima poderia chegar a R$ 380 mil – uma expectativa não oficial, sujeita a variações.
Desde o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco (controlada pela Vale e pela BHP), em 2015, milhares de vidas foram impactadas ao longo do Rio Doce. Em Governador Valadares, cidade que depende do rio para o abastecimento de água, o desastre deixou marcas profundas nos aspectos social, ambiental e econômico.
Agora, quase dez anos depois, os atingidos se veem diante de uma encruzilhada: esperar pelo desfecho da ação internacional, que pode garantir uma reparação mais robusta, ou aceitar o acordo rápido proposto pelo PID, no valor de R$ 35 mil.
A dúvida é legítima, e a resposta, complexa.
O que cada caminho oferece?
PID: o acordo rápido
O PID garante o pagamento de R$ 35 mil de forma relativamente ágil, em poucos meses após a adesão. Porém, quem opta por essa via deve assinar um termo de quitação, abrindo mão de qualquer ação futura relacionada ao mesmo dano.
Para quem enfrenta dificuldades financeiras, como pescadores, areeiros, diaristas e pequenos comerciantes, essa alternativa pode representar um alívio imediato.
O acordo do PID já recebeu mais de 212 mil solicitações formalizadas, com uma taxa de validação superior a 90%, conforme divulgado pela Samarco neste mês de maio
Ação na Inglaterra: a espera por justiça maior
A ação movida no Reino Unido reúne milhares de atingidos, inclusive de Valadares, e pode resultar em indenizações significativamente maiores — de R$ 100 mil a R$ 380 mil por pessoa, a depender da comprovação dos danos.
A desvantagem? O processo pode se arrastar por até uma década. E, como toda ação judicial, envolve riscos: o resultado não é garantido, ainda que o cenário atual aponte para uma possível vitória dos autores.
Para esclarecer dúvidas, a reportagem de O Olhar ouviu representantes do escritório Pogust Goodhead, que lidera a ação na Inglaterra, e o advogado Emerson Kaiser, que atua com vítimas tanto no PID quanto no processo internacional.
O Olhar – Como o escritório enxerga o crescente número de atingidos que estão aderindo ao PID, muitas vezes por necessidade imediata, e há alguma consequência jurídica – como o risco de serem processados – para aqueles que decidirem desistir da ação na Inglaterra após optarem pelo acordo no Brasil?
Pogust – É importante destacar que entre os atingidos representados pelo escritório Pogust Goodhead na ação judicial em andamento na Inglaterra, aproximadamente 64% não poderão solicitar indenizações por meio do PID e outros programas, por conta dos critérios de eligibilidade bastante restritos impostos pelas mineradoras. Estamos orientando os nossos clientes a tomarem a decisão com muito cuidado porque a consequência de aderir aos programas de repactuação é a obrigatoriedade de assinar um termo de quitação e renúncia, no qual a pessoa declara que está recebendo um valor e desistindo de buscar novas indenizações, inclusive em ações internacionais.
O Olhar – Caso a decisão final do tribunal inglês seja desfavorável aos atingidos, que outras alternativas jurídicas podem ser exploradas? Há alguma proteção em caso de derrota?
Pogust – Estamos extremamente confiantes em obter sucesso no julgamento na Inglaterra. A fase de responsabilidade foi concluída em março, e evidências factuais apresentadas na corte deixaram claro o nível de controle da BHP sobre a Samarco. Houve admissões importantes por parte dos réus, reforçando a tese de que a BHP teve participação na operação, nas decisões e no financiamento da Samarco.
O Olhar – Como vocês respondem à crítica de que a ação na Inglaterra “prolonga o sofrimento” ao prometer uma reparação que pode levar anos e ainda é incerta?
Pogust – Pelo contrário. A BHP já poderia, ao longo destes anos, ter optado por fazer o certo e oferecido uma reparação justa e integral às vítimas, que é o que buscamos. Tão logo a corte determine a responsabilidade da BHP pelo desastre de Mariana, em decisão a ser proferida em algumas semanas, o Pogust Goodhead solicitará o pagamento de uma indenização antecipada para as vítimas e para os municípios. Caso o pedido seja aceito, a expectativa é que os pagamentos comecem no final de 2025 ou início de 2026. O escritório segue atuando de forma firme e responsável para que os direitos dos atingidos sejam reconhecidos com a celeridade e a justiça que o caso exige.
O Olhar – Há uma estimativa concreta de valores médios de indenização por perfil de dano? Como garantir que, ao final, os montantes não decepcionem as expectativas geradas?
Pogust – Um diferencial importante da ação inglesa é que, ao longo dos últimos 6 anos, nós consultamos nossos clientes sobre suas perdas e danos individualmente. Este processo incluiu o uso de questionários detalhados de autodeclaração de perdas, análises de evidências documentais e reuniões presenciais com os atingidos. Estes valores são individualizados e podem ser acessados pelos participantes da ação no Portal do Cliente: www.casoinglesmariana.com.br. Já na repactuação oferecida no Brasil, não houve participação dos atingidos. O PID foi formulado sem qualquer participação das vítimas, apesar dos insistentes pedidos para que representantes dos atingidos fizessem parte da mesa de negociação. O resultado é um programa indenizatório que oferece um valor unificado, atribuído de maneira aleatória, a um conjunto de pessoas com perdas diferentes entre si.
O Olhar – Quais são os principais riscos jurídicos envolvidos no processo na Inglaterra, e como o escritório vem lidando com as tentativas da BHP de contestar a jurisdição britânica?
Pogust – A BHP tem tentado atrasar o processo em Londres ao longo dos anos, mas sem sucesso. Sobre a jurisdição do caso, este é um debate superado. A Suprema Corte Inglesa já decidiu que é jurisdição válida e nosso foco agora é no resultado do julgamento de responsabilidade, previsto para meados deste ano, e a busca pelas indenizações justas por esta tragédia.
O Olhar – A ação movida no Reino Unido busca não apenas uma indenização mais robusta, mas também responsabilizar a BHP em outra jurisdição. Que tipo de precedente internacional esse julgamento pode estabelecer?
Pogust – Uma decisão favorável no julgamento em Londres – local da ré, BHP – representa um marco para o direito brasileiro e internacional e pode abrir um importante precedente para a responsabilização direta de grandes corporações transnacionais que cometem crimes ambientais e sociais em outros países. Por meio desta ação, o direito brasileiro e sua interpretação atravessam fronteiras para responsabilizar uma empresa anglo-australiana que provocou o maior dano ambiental de nossa história, alcançando pelo menos três estados brasileiros e mais de 50 municípios.
O Olhar – O valor de R$ 35 mil proposto pelo PID é suficiente para reparar os danos sofridos por comunidades como as de Governador Valadares, especialmente considerando os impactos econômicos e ambientais duradouros?
Dr. Emerson Kaiser – Depende. Na minha opinião, os valores propostos não chegam nem à metade do que seria justo para muitas pessoas. Por outro lado, há casos de moradores de Governador Valadares que não sofreram tanto impacto, devido à natureza do trabalho ou a outras condições. Um exemplo são servidores públicos que possuíam poços artesianos à época. Para essas pessoas, os valores podem ser considerados coerentes.
O Olhar – Um atingido que já está representado na ação coletiva da Inglaterra pode aderir ao PID com outro advogado, ou precisa necessariamente fazê-lo com o mesmo que o representa no processo internacional?
Dr. Emerson Kaiser – Sim, a não ser que o cliente tenha firmado contrato vitalício com o advogado para representação em todos os processos relacionados ao rompimento da barragem de Fundão, cuja responsabilidade é da Samarco.
O Olhar – Caso a pessoa opte por buscar um novo advogado para o acordo PID, ela corre o risco de ter que arcar com honorários de dois profissionais, o da ação na Inglaterra e o do PID?
Dr. Emerson Kaiser – O advogado que afirma ser o responsável pelo processo na Inglaterra está, no mínimo, cometendo infração ética, e possivelmente até crime. É de conhecimento geral na classe jurídica que os advogados brasileiros atuam apenas como correspondentes nessas ações internacionais, sem qualquer ingerência nos atos processuais ou nos resultados. Eles funcionam apenas como ponte entre o cliente e o escritório inglês. Assim, se estiverem cobrando honorários fora do que foi estabelecido no contrato com o escritório estrangeiro, estarão violando cláusulas contratuais e, possivelmente, cometendo outras infrações. Vale lembrar que o escritório inglês prevê cláusula penal no caso de desistência ou renúncia dos direitos do cliente em relação ao desastre ambiental. Contudo, a referida cláusula e outras estão atualmente sendo discutidas em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal, pelos Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, e pelas respectivas Defensorias Públicas estaduais.
O Olhar – Como o senhor vê as críticas de que o PID induz os atingidos a abrirem mão de seus direitos por um valor relativamente baixo e de forma apressada?
Dr. Emerson Kaiser – Ninguém é obrigado a aderir ao acordo oferecido. Se a pessoa entende que os valores não compensam os prejuízos sofridos, ela tem total liberdade para buscar seus direitos por outras vias.
O Olhar – Na sua opinião, o PID representa uma solução justa ou apenas conveniente para as mineradoras envolvidas, que evitam condenações mais severas e danos à imagem?
Dr. Emerson Kaiser – Acredito que, no cenário atual, cada pessoa deve defender o seu direito individualmente. O PID é uma proposta apresentada pelas mineradoras com o objetivo de mitigar os prejuízos. Trata-se de um acordo facultativo: adere quem quiser.
O Olhar – O senhor acredita que as pessoas que aceitam o PID o fazem de forma plenamente informada, considerando o analfabetismo jurídico e a vulnerabilidade social de muitos atingidos?
Dr. Emerson Kaiser – Ninguém precisa ser conhecedor do Direito para decidir aderir ou não ao PID, assim como não é necessário ser médico para decidir sobre uma cirurgia. O importante é contar com o acompanhamento de um advogado, que tem o dever de orientar juridicamente o cliente quanto às consequências da adesão.
O Olhar – O senhor avalia que o PID desmobiliza a luta coletiva por justiça mais ampla e enfraquece iniciativas como a ação na Inglaterra?
Dr. Emerson Kaiser – Com certeza. Como já mencionei, entendo que essa proposta visa “esvaziar” ou “enfraquecer” as ações coletivas movidas em Londres e Amsterdã. Isso fica evidente pela exigência expressa de renúncia a essas ações no processo de repactuação.
Por que a ação na Inglaterra pode levar até 10 anos?
-
-
Número massivo de autores: Mais de 700 mil pessoas, além de municípios e entidades, tornam a organização do caso um desafio logístico.
-
Sistema jurídico britânico: Apesar de mais ágil que o brasileiro, o sistema inglês exige detalhada comprovação de vínculos e permite múltiplos recursos.
-
Possibilidade de acordo extrajudicial: Com tantas partes envolvidas e cifras bilionárias, qualquer eventual acordo pode levar anos para ser formalizado.
-
Apelações: Em caso de condenação da BHP, espera-se que a empresa recorra, o que adicionaria mais anos ao processo.
-
Então, o que fazer?
Como se vê, a decisão entre aguardar o desfecho da ação judicial no Reino Unido ou aceitar o acordo do PID depende de diversos fatores, incluindo a urgência financeira das vítimas, sua disposição para enfrentar um processo judicial longo e incerto, e a avaliação pessoal sobre o valor justo da indenização.
Para algumas vítimas, a perspectiva de uma indenização significativamente maior no futuro pode justificar a espera e os riscos associados ao processo judicial. Para outras, a necessidade de recursos imediatos pode tornar o acordo do PID a opção mais viável.
O importante é que cada vítima avalie cuidadosamente suas circunstâncias individuais e, se possível, consulte assessoria jurídica para tomar uma decisão informada que melhor atenda às suas necessidades e expectativas.