Desde 2018 a prefeitura de Governador Valadares tem dito que “transformou” a área do transbordo – local onde é depositado todo o lixo recolhido da cidade antes dele ser transportado para Santana do Paraíso, no Vale do Aço.
Essa “cara nova”, no entanto, parece ser apenas uma maquiagem para ocultar cenas que já foram vistas repetidas vezes pelos valadarenses, mas ainda assim assustam e indignam.
Na área da frente do transbordo, um gramado verde e árvores plantadas. Nos fundos, urubus, cachorros, máquina, gente. Tudo junto e misturado no conhecido ‘lixão do Turmalina’.
É ali, em meio a restos de comida que se dá a busca por materiais recicláveis e outros objetos que ajudam na sobrevivência de mais de 500 pessoas que diariamente transitam no local.
Para ficar mais perto do “ganha pão”, alguns catadores montaram barracas entre os amontoados de lixo, para as horas de descanso, e outros até fixaram moradia sem nenhuma intervenção da prefeitura de Valadares ou do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
Acessar o local e se juntar às outras centenas de pessoas não é difícil. Basta ir. Não há vigias ou seguranças nos atalhos que levam ao lixão. Uma vez lá dentro, também não há risco de ser retirado.
Foto: Fábio Monteiro
Embargo
Histórias de famílias que recorrem ao lixo depositado no aterro controlado, no bairro Turmalina, para se sustentarem, não é novidade em Governador Valadares. Porém, acreditava-se que era coisa do passado.
Embargado a pedido do Ministério Público desde 2012, o local deveria ser usado apenas para o carregamento de caminhões que transportam o lixo até o Vale do Aço.
Mas não é isso o que acontece hoje. São centenas de pessoas que se aglomeram na busca por material para vender, a grande maioria sem máscara e nenhuma delas com equipamento de proteção individual (EPI).
De acordo com um catador, a prefeitura se beneficiaria da situação, já que os catadores diminuem a quantidade do lixo que é mandado para Santana do Paraíso, o que, segundo ele, “deve diminuir o preço que eles pagam por lá”.
Associação
Muitos catadores voltaram para o antigo lixão do Turmalina por não encontrarem apoio do governo municipal para se manterem ligados a uma associação, onde poderiam realizar o trabalho de triagem de materiais em um local mais adequado.
É o que aconteceu com os membros da Associação dos Catadores de Resíduos Sólidos Reciclando Hoje Por Um Futuro Melhor (Ascarf), que está em atividade em Valadares desde 2018.
A entidade chegou a ter 55 associados, mas hoje restam apenas oito. Todos os outros voltaram para o antigo lixão, já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de incluir a Ascarf na coleta seletiva.
“Já se passaram dois anos e até hoje nada. Todo mês o município marca uma data que vai incluir nós na coleta seletiva e não inclui. Esse ano falaram que era abril, foi para maio, depois junho, e agora jogaram para setembro”, lamenta a presidente da Ascarf, Keila Alves da Rocha.
Ela disse que os catadores que ainda estão na associação resolveram fazer, por conta própria, a coleta de materiais recicláveis no bairro Castanheira.
Mas não tem sido fácil, segundo explica: “as pessoas soltam os cachorros em nós, eu mesma levei uma mordida na perna. Estamos fazendo isso pra buscar renda pra nós aqui da associação, pois estamos vivendo de doações de cestas”, frisa.
Keila Alves conta ainda que a coleta seletiva na cidade é feita pela prefeitura e a inclusão da associação no serviço permitiria que parte do material recolhido seja encaminhado à Ascarf.
Mas, enquanto o governo não age, todo o material reciclado é destinado à Associação de Materiais Recicláveis Natureza Viva (Ascanavi), que foi criada e organizada na gestão do ex-prefeito João Domingos Fassarella (PT).
Passados mais de 20 anos, a Ascanavi ainda é a única associação conveniada com o município. Porém, seriam necessários pelo menos 20 associações para realizar o trabalho de separação dos materiais recolhidos na cidade.
São aproximadamente 68 mil toneladas de resíduos produzidos ao ano em Governador Valadares, enquanto a média anual triada pela Ascanavi é de apenas 1.560 toneladas.
Sem resposta
A Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e a prefeitura de Governador Valadares foram procurados para falar sobre o assunto, mas não houve retorno até a publicação desta matéria. Assim que recebermos alguma posição oficial, atualizaremos esse conteúdo.