A Prefeitura de Governador Valadares pretende realizar o 1º Festival Gospel da cidade. O anúncio foi feito na quinta-feira (17), pelo prefeito André Luiz Merlo (PSDB), numa cerimônia que reuniu artistas locais, a maioria evangélicos.
O evento tem a finalidade de propagar a música gospel e consolidar o turismo de eventos culturais no município, gerar renda e fomentar o desenvolvimento econômico, entre outros.
A promoção de um festival pela prefeitura, endereçado a um segmento religioso, esbarra, no entanto, na Constituição Federal.
Para realizá-lo, o governo teria que violar o princípio da laicidade, estabelecido ainda na Constituição de 1891, que separou a Igreja do Estado. E cometer improbidade administrativa.
Mesmo que no regulamento do Festival Gospel não conste premiação em dinheiro para o vencedor, a organização do evento incorre em gastos públicos, o que fere o inciso I do artigo 19 da Constituição de 1988:
“É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público“.
Regulamento
O regulamento do 1º Festival Gospel traz pelo menos dois pontos polêmicos. O primeiro deles limita a participação apenas a pessoas que sejam membros de uma igreja cristã.
Ou seja, qualquer cidadão cristão, porém sem vínculo com uma igreja, estaria impedido de participar.
O segundo ponto estabelece que as letras das músicas deverão estar de acordo com o tema do festival e para isso vão passar pelo crivo de uma comissão formada apenas por pastores – e não pastores, padres, espíritas etc.
O documento ainda define que as 24 bandas selecionadas para disputar a final vão se apresentar durante a programação do Natal Iluminado 2019, na Praça dos Pioneiros, no Centro da cidade.
Com relação às premiações, as três músicas classificadas como as melhores receberão o título de vencedoras do 1° Festival Gospel. E as 10 músicas classificadas serão agraciadas com certificados de participação.
Artistas
Para a professora de música e regente de corais, Zilmar Emerick Eller, é bem-vinda a preocupação das autoridades locais com a música gospel.
“Muitas são as pessoas que impactadas pelas mensagens religiosas transmitidas através da música, tomam decisões favoráveis para suas vidas, voltando-se para a fé cristã”, lembra ela.
A regente sugeriu a realização de outros eventos, como um festival de corais, “abrangendo uma outra linha de apresentação musical, bem como um público diferenciado”, enfatiza.
O músico e professor de música Paulinho Manacá disse esperar que o festival “não surja como um débito com a bancada evangélica de GV e nem para separar os músicos, que independente de credo, convivem em harmonia e comungam trocas de informações e trabalhos fora das igrejas”.
Manacá questiona como seria a participação no festival de músicos católicos e de religiões de matriz africanas, por exemplo. “Mesmo se forem aceitas as inscrições, serão julgados por pastores? “, pergunta.
O músico fala ainda sobre a premiação: “o prêmio é poder participar dos eventos de natal e aniversário da cidade? Assim sendo, não valoriza o trabalho artístico. Música é trabalho onde quer que seja executada”, afirma.
“É interessante a proposta de promover a cultura, principalmente no meio evangélico, é importante o poder público valorizar a parte musical das igrejas, que tem contribuído muito para o relevo cultural da nossa cidade”, destaca o também professor de música, maestro e afinador de piano, Marcone Fernandes Batista.
Ele destaca, porém, que poderia ter ficado melhor a premiação. “Acho que ter um valor em dinheiro para os três primeiros lugares incentivaria mais a participação de bandas, tendo em vista o trabalho de preparar, ensaiar, fazer o melhor para o evento”, disse.
“A iniciativa é muito louvável, mas poderia buscar parcerias com o comércio para ter uma premiação bacana para o pessoal. Eu vou divulgar o festival, conheço muitas bandas, vou pegar o edital e mandar para alguns grupos evangélicos e com certeza haverá interessados sim”, garante Marcone.
O músico Bruno Motta, também professor, já disputou em um festival de música que tinha bandas seculares e bandas gospel.
“O primeiro que toquei em Valadares, quem ganhou foi uma banda evangélica, a Fator RhD+, e ainda tinha outras duas bandas na disputa. Agora imagina se a prefeitura faz um festival só para o público umbandista ou espírita?”, indaga ao finalizar.