Galinha que acompanha pato…

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galinha que acompanha pato
Pato Fiesp, eterno mascote da burguesia paulista. Imagem: Divulgação/Carta Capital

Esse ditado, como sabemos, refere-se ao fato de a galinha não saber nadar; ao contrário do pato, que apesar de ser desajeitado em tudo que faz, se vira como pode. Sua finalidade é alertar aquele que, por desavisado, encontra-se a reboque de um percurso alheio.

Nas situações apropriadas à utilização dessa sabedoria popular, costuma-se aparecer junto dela a expressão “pagar o pato”, designando ter de arcar com as consequências das decisões de terceiros, que por ventura, foram mais espertos do que você.

E qual a relevância dessa expressão para o desenvolvimento deste texto? Primeiramente, recordemos – afinal, como esquecê-lo? – o desespero do editorial nervoso ao qual pertencem os seguintes trechos:

| Eles “moram” em uma área nobre da cidade e não pagam nada por isso. […] Nas ruas do Centro […] as pessoas podem fazer compras. Mas os moradores de rua que estacionaram nas vias centrais têm incomodado a muitos. […] Até quando o comércio local vai suportar isso? — Redação do Diário do Rio Doce, 13 de novembro, 2019. |

Além de tudo que já foi dito a seu respeito, podemos tê-lo como um indício da saúde financeira de algumas lojas que comercializam nos metros caros da cidade. Mesmo na vida pré-pandemia, como pode-se notar, as condições já não eram-lhes favoráveis como em outros tempos:

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Variações anuais do crescimento acumulado do comércio no país entre 2001 e 2020

Em tom de desespero, o artigo parecia reivindicar, em nome de terceiros, a mesma estratégia adotada nas cercanias do chamado hipercentro da cidade. Curiosamente, sem qualquer questionamento à política econômica dos últimos governos.

Quer dizer, em vez de atacarem as causas da redução do poder de compra das famílias, e do aumento da pobreza, fazem da população marginalizada, bode expiatório, ao atribuir-lhe culpa pelas consequências de uma política econômica da qual eles próprios foram partidários (perdoem a generalização).

Nesse contexto, simpatizam com a militarização do espaço como suposta fórmula mágica para guinar as vendas. Pouco importa se a clientela está vendendo o almoço para comprar a janta, contando que os principais espaços de consumo estejam “limpos” e “seguros” durante o horário comercial:

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Inauguração da Base Setor Hipercentro em 2016. Foto: Divulgação/UFJF-GV

Se a ausência de “segurança e tranquilidade” torna-se insuportável para “o shopping, a praça, o comércio da região, além da própria Universidade”, ainda assim, essa conta não fecha.

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São duas as formas de uma loja aumentar sua receita bruta. Elevando os preços, desde que não tenha perda substancial no volume de vendas, ou, sem necessariamente alterar o preço das mercadorias, fazer com que cresça a quantidade vendida.

Nestes tempos de crise, a condição para o sucesso da primeira estratégia a torna menos desejada. Ao menos quando se trata do varejo, esse tipo de comercialização que lida diretamente com a capacidade que temos de comprar mercadorias enquanto consumidores finais.

Em tais circunstâncias, subir os preços como forma de obter maiores receitas, costuma implicar redução do volume de vendas, quando não, perda de clientes para a concorrência.

Como se não bastasse a pressão das grandes redes, e-commerce, bancos com suas taxas exorbitantes, enfim – tudo isso que em nada favorece um lojista –, da parte do governo, a opção é por negar à população uma condição de vida que doa menos no bolso.

Tudo está muito caro. E com mais peso em gastos básicos, “na hora de reajustá-los, roupas, alimentação fora do lar, viagens, entretenimento e eletrodomésticos acabam sendo eliminados”.

Por essas e outras, este termo linguístico bem-sucedido na comunicação de sua mensagem, diz muito sobre a piora de nossas condições de vida, mas também do desespero de muitos lojistas que comercializam bolsas, sapados, e outros, nos metros mais caros do centro da cidade:

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Foto: Divulgação/Reuters

Infelizmente, não há medidas voltadas ao reaquecimento do varejo de loja, englobando outros segmentos para além dos supermercados, farmácias e setor funerário, trio de exceções que tiveram um ótimo desempenho durante a pandemia.

Em outras palavras, propiciar poder de compra às pessoas. Medidas como aumento real do salário-mínimo, facilitação do acesso a crédito, maiores investimentos públicos: nada disso se faz presente nos discursos daqueles que nos governam.

Pelo contrário, a conduta do ministro da economia tem a marca dos interesses da classe que ilumina sua consciência. Há pouco mais de um ano, naquela fatídica reunião de 22 de abril de 2020, Paulo Guedes, sem nenhum pudor, expressaria seu desprezo pelas empresas de pequeno porte, justo as que mais geram emprego com carteira assinada no país:

| Nós vamos botar dinheiro, e vai dar certo e nós vamos ganhar dinheiro. Nós vamos ganhar dinheiro usando recursos públicos pra salvar grandes companhias. Agora, nós vamos perder dinheiro salvando empresas pequenininhas. Paulo Guedes. |

Dito e feito. Enquanto mais de R$ 1,216 trilhão foi destinado à recomposição das carteiras de ações de bancos e do sistema financeiro, pequenas e microempresas agonizam, e muitas até fecham as portas com dificuldades em acessar linhas de crédito. O que torna esse quadro ainda mais grave:

| O fechamento das empresas reflete nos problemas de renda nas famílias. Isto é, torna-se uma cadeia negativa no fluxo de renda da economia. A crise afeta mais intensamente as empresas pequenas, que não têm muito capital de giro. Luiz Rabi, econ. Serasa. |

De tão recente, como esquecer o veto de Bolsonaro, endossado pelo referido ministro, em relação à entrada do município na zona de abrangência da Sudene?

Foram, mais uma vez, fiéis à ideologia liberal, e avessos a tal forma de intervenção estatal, que teria por finalidade amenizar os graves problemas socioeconômicas dos quais padece a microrregião de Governador Valadares.

No fim das contas, vetaram foi a inclusão do setor produtivo local no grupo dos que são beneficiados pelos recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste, o principal instrumento financeiro da Política Nacional de Desenvolvimento Regional na zona de atuação da referida superintendência.

Torna-se evidente, portanto, um conflito de interesses entre o pato e a galinha. Nesse sentido, cabe perguntar, já que fazê-lo não ofende. Ainda mais uma pergunta antiga, cuja autoria é de terceiros, mas que, no entanto, faz mais sentido aqui e agora: “até quando o comércio local vai suportar isso”?

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