Grite!

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GRITE
Imagem: Reprodução/Internet

A todos os lados encontramos à ferros. Correntes de metal, de coleira, moral, religiosa e a do vizinho, são algumas das espécies enumeradas. Família, muitas das vezes, ao querer proteger, acolher, acaba por aprisionar, criando outra tipologia de amarração. O espírito humano, feito da substância liberdade, logo em seus primeiros instantes chora, e, em uma existência contínua, pode ser privada de algo caro: ir e vir, ser feliz.

A filosofia passa a história tentando compreender o senso de justiça, essa necessidade humana de estabelecer o que é certo ou errado. Normas são escritas, muitas vezes ditadas por poucos e seguidas por muitos, sem alguma reflexão a respeito. Não comer fora de hora, da mesa, não colocar os braços sobre ela. Não rir em reza coletiva, não tirar meleca do nariz, manga com leite. Dizer que ama, não ama, terra plana (aqui foge aos limites), são convenções ensinadas, cativadas, domesticadas. Regras ditadas, anotadas e não refletidas. Um fordismo da etiqueta social. Escondo a meleca no braço da cadeira, confesso. É a minha rebeldia.

E o que é a liberdade? É ir contra o outro ou sua dignidade? É simplesmente quebrar o templo, virando as cadeiras, e derrubando altares (aqui fiquei com alguma nostalgia e empolgado)? É ir na grama verde ao lado e pisar, senti-la, para entender que não é tão verde assim? Onde reside o paradigma da liberdade? Quem tem a legitimidade para dizer o que deve ou não ser feito?

Perguntar não ofende, muito ao contrário. Duvidar é salutar ao pensamento. Uma vida sem questionamentos é uma existência vazia, mal compreendida. E indagar a respeito da liberdade é essencial para o nosso conhece-te a ti mesmo diário, que é sofrido, é verdade, mas necessário. É ingrediente para a coragem que, muitas vezes surge, após desatar esses nós que não tecemos. É a nota da guitarra no solo solitário do músico, da música, que explica mais que o teorema de Pitágoras. Só não explica melhor do que aquela foto na praia ao entardecer. Poesia que se escreve.

Liberdade, assim, encontra, claro, seus limites. As fronteiras são estabelecidas nos marcos da felicidade, cercas da plenitude, divisão que multiplica. A eudaimonia aristotélica ou, simplesmente, a realização plena do ser, a busca pela felicidade, é o imperativo categórico que limita toda a ação do ser. Ao compreender que o outro também busca a si mesmo, sua fronteira, seu limite, esbarra no tráfego da direção do semelhante. Antes que uma baliza moral, mero capricho dos puritanos (aqui um dissabor instalará, é possível), os limites da liberdade são demarcados pela felicidade do outro.

Pode, naturalmente, enfiar o dedo no nariz e colar na mesa da escola. Ninguém sabia que o menino tentava impressionar a garota de 7 anos. Evidente que podemos derrubar o templo e virar as cadeiras e o altar. Foram poucos os chamados a ver a divindade, que não é de pedra, madeira ou metal, por mais que eu grite isso. É permitido ir na grama do vizinho, até porque a grama ao lado é uma convenção chamada de propriedade privada, direito fundamental erigido pela burguesia, durante as revoluções liberais no Século XVIII. Aqui sinto a lâmina da guilhotina virtual tangenciar meu pescoço. Pode ir, é verde mesmo. Eu cuido do meu pescoço.

O ser humano precisa aprender a gritar. Não em lives, porque isso é até um pouco brega, desinformativo (essa palavra talvez não exista, como também inexistiu o governo passado) e fere a felicidade do outro, de muitos. O grito deve sair da alma, lá no fundo, aprisionada há tempos diante de tantos grilhões que nos prendem desde o nascimento. Ser existência, e não essência, é o essencial. Gritar por justiça, não essa dos códigos e das autoridades, mas dos pobres, famintos, dos desabrigados e perseguidos, muito mais legítima que a letra da lei, é preciso. Levantar da mesa, sair da sala, seja ela qual for, e viver, desobedecendo os regimentos e seguindo a regência sagrada do mistério, é o digno.

Revolucionar a si mesmo, depois os passos e seguir no mundo, enquanto gira, é o grito de liberdade, de felicidade, da alma, divino. Viver é preciso, coragem é instrumento, chorar é depurador. Os ponteiros do relógio são implacáveis aos que, simplesmente, não seguem o ritmo do coração. Há um ritmo, um tempo, um propósito. Há um mundo lá fora para ser descortinado, aproveitado, vivido. As convenções são ilusões. Esqueça. Há uma vida. Então, tire sua meleca do nariz, coloque-a no altar e o derrube na grama. Escreva sua própria regra, sua liberdade, catalogue a própria vida. Viva. Esse é o paradigma da liberdade e da felicidade. É o paradigma do Grito. Então, grite.

Grite!

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