Antes docê partir desse vale de lágrimas, as coisas por aqui já não iam muito bem, não é mesmo? Afinal, a vitória de 22 mudou só o tom da crítica. Saímos de um melodrama apocalíptico pra cair num remake da velha pornochanchada democrática. Pelo menos é este meu resumo das poucas notícias que me chegam do Planalto Central.
Também ando meio por fora das fofocas do Bar do Dilo. Seu desfalque comprometeu minhas visitas semanais ao nosso ponto de encontro. Sei que ocê reprovaria, mas meu luto entrou numa nóia de abstinência alcóolica. A cerveja gelada ainda não faz sentido sem nossa prosinha, que pulava da crise da esquerda mundial às desilusões amorosas de dois latino-americanos, num intervalo de sete cervejas, e dois bolinhos de carne enquanto o torresmo das seis não saía.
Triste mesmo tá o clima na Chavejaria, viu? Sem nosso camisa dez, o samba de sábado tá quase virando adventista do sétimo dia. Fora um e outro bamba que encontro por aí, bebendo o choro guardado, a última vez que vi o time completo foi no seu enterro. Um baita enterro, diga-se de passagem. Inclusive, fiz questão de anotar o nome de cada um que rejeitou um copo de cerveja. A lista tá comigo, caso queira assombrar alguém na madrugada.
Não é minha intenção trazer turbulências desnecessárias pro descanso da sua alma, mas não seria seu amigo se escondesse docê essa melancólica novidade: tão gourmetizando o Beco das Hortaliças do Mercado Municipal! Cê acredita? Num sábado desses aí fui almoçar no Bar do Ica e dei de cara com a inauguração de uma budeguinha instagramável que vende porção em embalagem descartável. A Dona Socorro servia meu prato quando vi dois manés pedindo pra usar o banheiro e foi aí que notei: a birosca nem privada tem. Se bobear, faz parte da caricatura que tão tentando vender nessa “imersão popular”.
Cê sabe que essas coisas me afetam mais que a alta do dólar e a reforma fiscal, né? Meu amor pelas miudezas do dia a dia, meu interesse pelas ideias daquele marxista francês, minha devoção à simplicidade como sofisticação estética… Enfim, tudo isso me faz ser nada menos que um chato que reclama dessa classe média clichê e complexada.
Contudo, guardei pro final as boas notícias. Lembra daquele livro de contos que eu vivia te falando? Pois é, começou a ir pro papel. Aconteceu depois que desapertei o nó da gravata e chutei o balde da caretice pra bem longe de mim. Te explico melhor essas metáforas no próximo correio da saudade. Porém, em respeito a nossa amizade, te adianto parte da fofoca… Peguei umas aulas de sociologia no Nelson de Sena e posso garantir procê: a base vem forte! Embora a molecada tenha sérios conflitos com essa “pós-modernidade-líquida-volátil-digital”, o pouco contato com eles reascendeu minha esperança.
E por falar nela, preciso te confessar: além daquele otimismo ingênuo, tolo e idealista, abandonei também o pessimismo chato, soberbo e amargurado; que vinham ofuscando meu jeitinho particular de olhar o mundo e as gentes. Agora, sou um devoto do realismo-mágico-esperançoso. Misturei Ariano Suassuna com Borges e Cortázar… Coisa de artista, cê sabe como é… De qualquer forma, te dou mais detalhes quando for explicar sobre a gravata afrouxada e o balde que chutei.
No mais, se não morrermos numa hecatombe nuclear e se sobrevivermos ao colapso ambiental, as coisas talvez melhorem por aqui.