Ah, mineiro danado, gosta de água demais sô. Veja bem, do lado di cá tem mar não. Bobeia a gente de descer a serra, subir a ladeira, para tomar liquido salgado na boca. Praia da mais de boa, a refrescar suor na testa, farofa que leva, festa pra animar. Danço feito pião, na mente e no coração, vendo a patroa se arrumar. Menino vai também. É só comemorar.
Porto Seguro, Guriri, para mais onde ir, sei não seu moço. Coloco a mala onde for, apronto pra mais que dor, e sento o pé para cedo chegar, porque sou besta não. Tempo urge, trabalho não falta, patrão que cobra, compromisso que deixo na agenda pra não perder. Nem trem a gente perde, Menina. A mais que vinha de reclamar, deixei a loucura de trabaiar pra lá. Pão de queijo é bão com café na tarde. Mas agora quero ver o mar, a cor dos olhos dela.
E na viagem que se chega, aconchega de se apressar para ver aquele oceano de tantão. Meu Deus, cume é que é que pode, fazer desse jeito assim, tanta água pra mim, salgar a vida de saborear de ver. Queijo quente do vendedor que anda, guaraná para a patroa que chama, criança que vem logo para não se perder. É lonjura para mais dever, horizonte a se perder, tão bonito como Beagá. Claro que o Galo vai cantar, aqui e lá, vendo a praia desse jeito. Mineiro é bobo mesmo, coisa que aprecio como arte para viver. Para ser, seu moço. Anota de vez.
Mas coisa di cá da gente tem também a prosa escutar. E gosto de caminhar, nas areias que esquenta os pés, deixando mormente o corpo de nós, para não ficar parado de sedentar. Barriguinha que aparece, depois dos quarenta, oh pobre da gente, que trabaia e fica sem exercitar. Esquece isso moço, digo pra mim mesmo, vendo o mar e a população, que se diverte nessa imensidão, que testemunha a vida acontecer. No meu percorrer vejo duas gerações, e um menino e um outro mais de vivência, conversando por sapiência, diálogo que pertei de ouvir. Era mais um aprendizado que vi. Uma história que passo a contar.
Sentei debaixo do pé de coco, ajustei o corpo, e deitei para assistir o Menino e o Velho pra compreender. Diziam aqueles dois, um na juventude e o outro muito tempo depois, sobre como deve ser isso de viver. Tratava daquele assunto, que acomete a todo mundo, o medo de amar. Pelo que escutei, sem que desse na nota de ver, que o Menino queria dizer o que o coração gritava. O senhor, avô dele pelo que apercebi, disse para o garoto que coração é assim mesmo, teimoso de dó, a dizer verdades sem pronunciar palavras. O Menino não entendeu, eu fiquei com aquele receio, de outras águas salgadas virem também além do mar. Mas o moço mais experiente, com um sorriso de muitos dentes, disse para o menino que era só esperar. “Hoje não disse, mas amanhã virá o declarar”, disse o senhor que olhou para mim e eu fiz despistar. Besta, sô, podem continuar.
Mas o Menino era inquieto, e paixão era o decreto, de dizer logo aquilo que bambeia as pernas. O avô dele entendeu, disse que não tem erro, de um dia não acontecer. “No outro há de ser, Menino, palavra de Vô e amigo”, disse o Velho olhando para o Mar. E eu fiquei a verificar, no horizonte a neblinar, a marejada dos olhos dele. Do senhor que veio, uma pequena tempestade, que não era miragem, no que o Menino também avistou. “Vô, tá com areia nos olhos também?”, coisa besta de homem que não admite chorar. Mas o senhor disse que não, que grão não orbitava nos olhos não, mas sim a saudade do que a pergunta do garoto despertou nele. “Eu também tive um não”, disse o Velho, voltando à juventude, alma que sabe eternizar. Ah, fiquei tão danado de apaixonado, lembrando de quando nós dois éramos namorados, sentados no banco da faculdade, vendo o tempo passar. Sê besta, era o tempo que eu via não. Boba patroa, era coisa do coração. Continua a prosa, então. Ela vai suspirar!
O Menino estendeu seus dedos, passando ao redor dos veios, os olhos secando na ponta da inocência. Duas crianças e dois homens, compartilhando seus recordes, de quantas vezes não foi dito, e um dito que valeu a vida e a pena. Ainda que sem poema, porque poeta nessas horas não vem, depois de quem, lê a poesia no mais tardar. Ela só queria namorar, segredou pra mim. O Menino e o Velho também. E o Mar sempre vem, a namorar, porém, todos que aqui se dirigem para admirar. É tanta água salgada vinda de onde? De Rios que correm longe na esperança de amanhã uma emoção acontecer. Essa foi para você. Tais palavras não deixei de anotar.
“Pra mim, Vô”, perguntou o Menino. Claro, nino, é para você sim, para um dia, enfim, dizer para ela o que narra dentro de ti. Eu fiz desse modo sim, no dia pra valer, no banco a entender, de que a vida passava diante dos meus olhos, como o vento no mar. Depois do que disse, nada mais foi mesmice, porque chave a mim foi entregue, da família que ela deu a nós. Ela é a sua avó, que logo ali vem, acompanhada sabe de quem, filha minha que mãe sua é. As mulheres, garoto, é dizer o todo sincero do tanto que temos dentro de nós. É dizer a verdade, a qualquer idade, porque isso preguiça não pode ter. Deve ser homem pra valer, para admirar a beleza da vida encontrar, no amor que tem para pertencer. Eu tive na vida, como na tua também, um medo de não seguir. Mas no por vir, no destino das coisas, um dia se afoita, de se desnudar o menino que temos dentro de nós. É soletrar letras, palavras que não se sossega, de dizer bonito o coração da gente. Eu te amo, simplesmente. E assim você, por ela enfim, a vida que somente elas tem a prover. É o que eu deixo para você. É o que irá de encorajar. Namorar. Reverenciar a Mulher, filho, enfim.
Sê besta, moço, deixou-me assim sem ação. Eu vendo aquilo, o neto, o avô e o apaixonar, duas mulheres a encontrar, a verdade no fim da tarde. Ainda bem que não foi saudade, a prosa que ouvi, pois, testemunhei ali, o que deve ser. Assuntando tudo isso, vejo que preciso correr, a ver de namorar, a patroa que deixei perto do mar e dentro de mim. Coco para trás, lições de gerações tenaz, e tempo que eterno há de perecer, antes que patrão chame para na firma aparecer. Apresso pra ser memória na existência dela que urge de ter. Filosofia isso de dizer? Sim, sabedoria que o Menino levantou na praia, diante do vento e das águas, escutando, rindo, o Velho e o Mar.