Para afastar moradores de rua, prefeitura de Valadares começa a cercar prédio

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Gradis de malha depositados na frente do prédio da prefeitura de Valadares. Foto: Divulgação/Redes sociais

O plano da Prefeitura de Governador Valadares para afastar moradores de rua de seu entorno começou a ser executado nesta quarta-feira (14).

Os gradis de malha que vão cercar os prédios da prefeitura e Câmara Municipal estão, desde ontem (13), espalhados na calçada em frente aos órgãos públicos. O serviço vai custar R$ 125 mil aos cofres públicos, segundo o edital de licitação 68/2022.

A finalidade, de acordo com o secretário de Administração, Filipe Rigo Diniz, seria afastar a população de rua dos arredores. “Os moradores de rua têm crescido muito na cidade e o prédio da prefeitura virou ponto de dormitório”, alegou ele em entrevista à rede Inter TV.

 

A fala do secretário deixa claro a prática de aporofobia – que é a aversão, medo e desprezo aos pobres e desfavorecidos financeiramente – patrocinada pelo poder público municipal. É o que constata a Pastoral do Povo em Situação de Rua de Valadares.

“O que vão fazer em volta da prefeitura é aporofobia escancarada e a velha ideia de que a cerca resolve tudo. Em vez de cercarem em volta do prédio, porque não encaram as questões sociais em sua raiz? Ficam investindo apenas em soluções paliativas e excludentes”, critica a entidade.

Ou seja, a iniciativa do prefeito André Merlo (PSDB) é o mesmo que querer tapar o sol com a peneira: não diminui o número de moradores de ruas e nem melhora o acolhimento à essa população. Serve apenas para apontar a fragilidade da gestão da assistência social no município.

“Há quem argumente que oferecer lugar para banho e necessidades fisiológicas é incentivar o aumento das pessoas nas ruas; há a ideia de que ‘se dermos conforto’ elas nunca sairão das ruas, mas não se faz investimento amplo para dar condições àqueles que desejam reconstruir suas vidas fora das ruas”, ressalta a pastoral.

A coordenação da Pastoral de Rua também refuta as alegações de que o abrigo e o Centro Pop atendem a população de rua. “É um equívoco, pois se todas as pessoas em situação de rua resolvessem realmente ir para esses locais, os espaços não comportariam. Portanto, isso é apenas querer justificar o tamanho do erro e injustiça que querem cometer, sem ao menos consultar a população. Cercar os prédios é realmente um absurdo e inversão de prioridades”, reforça a entidade.

Autoritarismo

Na opinião do ativista de controle social e advogado Guilherme Jacob, a instalação de grades ao redor da Prefeitura seria mais um ato que reforça as prioridades dos atuais gestores municipais. “Através das grades, prioriza-se a expulsão definitiva da população em situação de rua das portas da prefeitura para não gerar mal-estar nos gestores pela sua incapacidade de solucionar, através de políticas públicas de assistência social, a indução de um modelo de desenvolvimento econômico inclusivo”.

Para ele, as grades reforçam, ainda, “o autoritarismo da administração pública, que além de controlar os cidadãos que compõem o Conselho Municipal de Transparência e Controle Social, agora também quer controlar quem pode entrar no espaço público. Para quem acha que o coronelismo é coisa do século passado, estão aí os fatos que mostram a sua atualidade”, condena o ativista.

Segurança

Outro motivo alegado pelo secretário de Administração Filipe Rigo para cercar a prefeitura e Câmara seria dar segurança aos vigias, demais servidores e zelar pelo patrimônios público, embora não se tenha ocorrência de atos de agressão a funcionários e vandalismo nos citados prédios públicos.

Serão quatro portões de entrada e a licitação prevê ainda que haverá “controle de acesso” ao prédio da prefeitura.

O que dizem as Cebs

As Comunidades Eclesiais de Base (Cebs), que são grupos de base da Igreja Católica, lamentam a falta de discussão transparente e pública, por meio de audiência pública, para que a sociedade valadarense pudesse ter mais conhecimento sobre o projeto.

“O prefeito não pode agir simplesmente por ‘achar ser melhor’. Muda o prefeito e um seu sucessor poderá pensar diferente e retirar o gradil. Sendo o dinheiro público, avaliamos que merece uma discussão mais ampla, que vá além da vontade do Executivo”, comentam as Cebs.

Da mesma forma, a entidade frisa que “o argumento de garantir mais segurança aos usuários e servidores municipais deveria contar com a opinião dos mesmos e não com uma suposição do Executivo”.

As Cebs entendem ainda que há outras prioridades no município, principalmente para os excluídos, como os que dormem, para se proteger, embaixo das estruturas físicas do prédio da prefeitura.

“Temos conhecimento de que, no Brasil, são raros os prédios públicos cercados por gradil para garantir a segurança dos usuários e servidores. A estrutura atual do prédio da prefeitura permite um controle de entradas e a garantia da segurança de seus funcionários e usuários, sem a necessidade de cercamento. Portanto, a medida é desnecessária, pois apenas aparentará a necessidade de proteção a possíveis ameaças que virão de um povo pacífico, que não tem a prática de depredação”, avalia o grupo da Igreja Católica.

Por fim, as Cebs lembram que “a cidade de Governador Valadares é composta por uma população ordeira e que nesses 84 anos de vida não tem histórico de depredação das estruturas do prédio da Prefeitura e Câmara Municipal”.

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A área está sendo preparada para receber o conjunto de grades que será o divisor de quem pode ou não acessar os órgãos públicos. Foto: Divulgação

Opinião do Conselho de Lojas Maçônicas

Para o Conselho de Lojas Maçônicas de Governador Valadares (CLM-GV) “não há qualquer óbice legal quanto à aquisição de gradil para garantir segurança a todas as pessoas que frequentam e trabalham na sede da prefeitura e Câmara Municipal, visto que é medida de caráter preventivo, muito comum em bens públicos como prefeituras, fóruns e etc”.

Com relação às pessoas em situação de rua que frequentam o espaço público, o presidente do CLM, Arilson Ribeiro, ressalta que seria necessário, antes da instalação do gradil, que o governo municipal iniciasse “um processo de conscientização permanente e eficaz desta população quanto à necessidade de se dirigem para as casas de acolhimento do município, considerando que terão um melhor ambiente para pernoitar e se instalarem”, sugere ele.

Sem resposta

A reportagem do O Olhar também tentou ouvir a manifestação do bispo da Diocese de Governador Valadares, Dom Antônio Carlos Félix, e do presidente da 43ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GV), Adílson Domiciano, mas até a publicação da matéria não houve retorno. Caso a resposta seja enviada, a publicação será atualizada.

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