No dia 29 de janeiro deste ano, o Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos dos servidores efetivos de Governador Valadares completou 10 anos. Implantado pela então prefeita Elisa Costa (PT), por meio da Lei Complemantar 170/2014, ele representa uma conquista histórica para o funcionalismo público municipal.
Os motivos são vários. Mas o que mais importa para o servidor é a valorização profissional, por meio de melhores salários, como forma de reconhecer seu esforço e dedicação ao longo do tempo. É exatamente isso que o Plano de Carreiras, ao fazer aniversário de 10 anos, passou a proporcionar: uma promoção a três níveis da atual classe do servidor, que significa um reajuste salarial de cerca de 9% – para quem tem direito.
Para regulamentar a concessão da promoção funcional, conforme determinam os artigos 25 e 26 da LC 170/2024, o Executivo publicou, no Diário Oficial do Município (DOM), o Decreto Nº 11.973/2024. Alguns trechos do ato normativo, no entanto, foram considerados ilegais e, portanto, sem validade, pelo advogado valadarense Pedro Henrique Souza, que publicou um vídeo, ontem (11), abordando o assunto.
Ilegalidades
O artigo 25 da Lei Complementar 170/2014 define que promoção funcional é a elevação do servidor efetivo a três níveis imediatamente superiores de sua respectiva classe. Para ter direito ao benefício, o servidor tem que ter cumprido todos os requisitos previstos no artigo 26 da mesma legislação:
I – Encontrar-se em efetivo exercício do cargo, cuja investidura se deu por concurso público, durante 10 anos consecutivos:
a) O tempo de que trata este inciso será computado a partir da publicação desta Lei.
I – Ter sido aprovado em todas as Avaliações de Desempenho que se efetivarem durante o período indicado no inciso I;
II – Ter ascendido na carreira pelo menos três níveis horizontalmente, através da Progressão por Qualificação Profissional.
A publicação do decreto, no dia 8 de março, regulamentando a concessão da promoção funcional, deveria atender os dispostos nos artigos 25 e 26 da LC 170/2024.
Porém, não se sabe se por má-fé ou por descuido, o decreto não só acrescenta palavras no texto da LC 170, impondo maior rigor para os que se candidatarem à promoção funcional, como também possibilita interpretações equivocadas e ilegais em relação ao que estabelece o Plano de Cargos e Carreiras.
De acordo com o advogado Pedro Souza, o decreto 11.973/2024 teria quatro ilegalidades:
- A primeira delas estaria no inciso III do artigo 1º do decreto:
Art. 1º – O servidor municipal investido em cargo de provimento efetivo, para requerer a promoção funcional de que tratam os arts. 121 e 122 da Lei Complementar nº 204/2015, bem como os arts. 25 e 26 da Lei Complementar nº 170/2014, deverá atender aos seguintes requisitos:
III – ter ascendido na carreira, dentro do referido período, pelo menos três níveis horizontalmente, por meio de progressão por qualificação profissional.
O trecho em negrito foi acrescentado pela administração, dando a entender que qualquer progressão por qualificação anterior à lei 170/2014 estaria descartada, violando o que, de fato, estabelece o inciso II do artigo 25 do Plano de Carreiras:
II – Ter ascendido na carreira pelo menos três níveis horizontalmente, através da Progressão por Qualificação Profissional.
- Ainda no artigo 1º do decreto, outra ilegalidade estaria presente no parágrafo 3º, que faz referência aos servidores licenciados para atividade política (em mandato de vereador, deputado) e desempenho de mandato classista (em sindicatos, por exemplo). O decreto estabelece que servidores nessa situação, somente após retornarem as suas atividades no município e se submeterem a avaliação por desempenho, terão direito à promoção funcional.
Na avaliação do advogado, a LC 170 não estipula nenhuma forma de avaliação desses servidores licenciados. Assim como não prevê avaliação retroativa sobre um período em que o servidor não estava no efetivo exercício do cargo, ou seja, sem desempenho do cargo, não haveria avaliação real.
- No parágrafo 1º do artigo 2º do decreto, nova ilegalidade:
§1º Nos termos do art. 165 da Lei Complementar nº 204/2015, o direito de requerer a promoção funcional de que trata este decreto prescreve em cinco anos, a contar da data do atendimento integral dos seus requisitos pelo servidor.
A criação do prazo prescricional de cinco anos também não encontraria previsão em lei. Para Pedro Souza, a concessão do direito à promoção deveria ser feita de forma automática, assim como acontece com outros benefícios, como o quinquênio, por exemplo. De outra forma, a administração pública estaria “incorrendo em omissão ilegal, e, nesse caso, se aplicaria o prazo prescricional de cinco anos apenas às parcelas vencidas anteriores aos últimos cinco anos, e não sobre o direito em si, conforme entendimento da súmula 85 do STJ”, ressalta.
- A quarta ilegalidade – parágrafo 2º, artigo 2º – refere-se à tentativa do Executivo de limitar os efeitos retroativos de promoção à data do requerimento do servidor:
§2º O servidor que atender aos requisitos previstos neste decreto fará jus à promoção funcional e a seus efeitos financeiros a partir da data do requerimento, data essa em que se inicia a contagem de novo ciclo decenal.
Conforme previsto no Estatuto do Servidor Municipal, explica o advogado, o requerimento administrativo serve apenas para comunicar autoridade administrativa de que certo direito foi adquirido. Assim, o direito do servidor surgeria a partir do momento em que ele cumpre todos os requisitos legais, devendo, esta data, ser a referência para o pagamento dos retroativos.
Plano de Carreira
O Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos do servidor público municipal é, no mínimo, uma ferramenta que garante segurança e previsibilidade à categoria. Com seus critérios baseados em tempo de serviço, qualificação e desempenho, deixa muito claro a progressão de quem passou no concurso público.
Dessa forma, o servidor efetivo pode traçar sua trajetória no município, calcular até onde pode ou quer ascender na carreira no decorrer dos anos, decidir se é ou não vantajoso fazer uma faculdade, uma especialização, um doutorado, ou até mesmo pesar se é satisfatório ou não seguir como servidor do município.
Em abril do ano passado, o Plano de Cargos correu risco de ser extinto. O prefeito André Merlo (União Brasil) ajuizou uma ação (5010409-83.2023.8.13.0105) pedindo a nulidade e inconstitucionalidade dos efeitos da LC 170/2014, sob pena, segundo o governo, “de causar maiores prejuízos ao erário”, e ainda por “violar frontalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal”.
O Sindicato dos Servidores Municipais (Sinsem-GV) conseguiu, na Justiça, barrar a iniciativa do prefeito, que foi considerada pela entidade como uma forma de não efetivar ou adiar o pagamento de direitos garantidos na LC 170/2014, e já determinados judicialmente, como o reajuste das tabelas salariais, e agora, a promoção funcional dos 10 anos do Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos.