Plantão Noturno

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plantão noturno
Imagem: Vecteezy

Coluna Sorrindo o Leite Derramado

Chegar atrasada no plantão já era uma rotina. Não que ela achasse isso certo, mas num contexto em que a maioria dos plantonistas trabalhavam em regime de plantão em mais de dois locais, isso era quase que rotina. Naquela noite, por exemplo, ela saiu da emergência do São Leopoldo para o plantão da maternidade do hospital público. O primeiro plantão terminava às 19 horas e o segundo se iniciava às 19 horas também! Ou seja, teria que estar em dois locais, para a passagem de plantão, ao mesmo tempo. A colega que a rendeu na maternidade, também iria para outro plantão no hospital da Unimoderna… Vigia então um pacto, onde todos toleravam o atraso de todos e nem se comentava o fato.

Olívia chegou e arrumou suas coisas na cama ao lado da cama do plantonista. O quarto de plantão do pediatra contava com duas camas (ambas velhas e barulhentas, com colchões que deveriam ter uns cem anos), isso porque, durante o dia, tinham sempre mais de dois plantonistas (dois da equipe da sala de parto, um residente e um interno). Mas, à noite, somente um plantonista. Então a segunda cama servia sempre de apoio para quem ficasse no quarto. Olívia colocava tudo que não iria utilizar na segunda cama. Arrumava a cama em que iria se deitar. Isso era necessário, porque na maternidade do hospital público, naquela gestão, era comum não ter equipe de limpeza nos quartos de plantonistas à noite e, por vezes, a roupa de cama ficava mais de 24 horas sem ser trocada… Ela não suportava essa prática e trazia lençóis e fronhas de casa…

Quase sempre a equipe anterior colaborava para o caos. Era comum encontrar máscaras usadas penduradas em todos os cantos, assim como toucas do centro cirúrgico também. Restos de comida, copos sujos, roupas do centro cirúrgico… O quarto de plantão parecia um quarto de adolescente mal educado… Isso sem contar com a bagunça no pequeno frigobar do quarto de plantão: pedaços de pizza, latas de refrigerante abertas, tupperweres com refeições de anteontem…Olivia demorava sempre meia hora (no mínimo) para arrumar seu ambiente, antes de partir para a unidade de recebimento, local onde conferia as pacientes que já estavam internadas para dar à luz, e para avaliar os bebês que, eventualmente, a equipe anterior havia deixado em observação.

Revisou as fichas das parturientes e conversou com uma mulher que havia sido internada há poucos minutos, quando a enfermeira do bloco a chamou: “Doutora, a mulher já foi anestesiada!”… aquela era a senha para ela se dirigir ao centro cirúrgico, pois uma cesariana já havia sido iniciada. Aquela frase a irritava profundamente, afinal, sendo ela parte da equipe de plantão, por que não foi avisada antes da paciente ir para o bloco cirúrgico?

Felizmente o bebê nasceu muito bem e ela ainda ajudou a enfermeira do centro cirúrgico a tirar umas fotos fofas coma nova mamãe e o pai desajeitado… Chegando ao recebimento, teve a notícia de que, enquanto estava no centro cirúrgico, nasceram dois bebês de parto normal e os dois estavam bem… Terminou de examinar os dois apressadinhos e prescrever todo mundo… e, quando achou que iria dar uma pausa, a técnica de enfermagem avisou: “doutora, o SAMU está trazendo uma mulher já parindo e eu acho que é prematuro!”.

Claro que era prematuro! Uma menininha de 750 g, cuja mãe, moradora de Sardoá, não fez mais que duas consultas de pré-natal e não tinha nenhum exame laboratorial.. .Ainda bem que havia vaga na UTI Neonatal. Após estabilizar a prematura e transferi-la para a UTI, Olívia pensou: “agora dá pra parar e tomar água”… Qual o quê! Enquanto transferia a pequena para UTI, nasceram mais dois! Avaliou os bebês, prescreveu, conversou com as mães e olhou no relógio: Quase meia-noite! Conseguiu parar para lanchar e, depois que escovou os dentes, a técnica de enfermagem entrou no quarto e disse a frase conhecida: “Dra. a mulher já está anestesiada!”.

No centro cirúrgico soube que era uma cesariana de urgência: sofrimento fetal e mecônio. Preparou seu berço aquecido, laringoscópio, tubos, sonda… e se concentrou para a ação… felizmente o bebê nasceu vigoroso! Fotos fofas com os pais, e alívio geral na sala, virou-se para a residente e disse: “Parabéns Emília, cesariana bem indicada!”.

Quando se deitou, não demorou nem um minuto para dormir. Mas a madrugada não foi generosa! Foi acordada três vezes: duas da manhã o SAMU trouxe uma usuária de crack, já em período expulsivo, felizmente o bebê à termo e saudável; três e meia, nasceram gêmeos, lindos! E, às cinco horas, nasceu uma pequena bebê de 2k, que fez uma hipoglicemia, controlada com um copinho de fórmula…

A sucessora chegou às sete e meia, vinda do plantão da UTI pediátrica. Olívia não teve forças para reclamar… Só foi embora feliz por não estar de plantão e poder dormir naquela manhã!

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