Levanto da cama. Abro a cortina. Observo por alguns segundos a luz da manhã se agigantar por detrás da Ibituruna. “São mais de trezentos e trinta mil brasileiros mortos”. Respiro fundo diante da vista a minha frente. Meus pulmões se enchem de angústia.
Visto uma roupa para ir trabalhar. Coloco a PFF2/N95. Esguicho boa quantidade de álcool em gel nas mãos. “Mais de três mil óbitos em 24 horas no Brasil”. Abro a porta de casa. Inalo a melancolia de mais um dia.
É bem cedo quando saio pra rua. Vejo muitas pessoas transitarem pela Minas Gerais, no instante em que ganho a avenida a caminho do escritório. “Quase oitocentos mortos em Valadares”. Apresso o passo. Respiro a agonia de uma simples ida ao trabalho.
Digo palavrões em voz baixa, vendo os transeuntes que não usam qualquer proteção. Os xingamentos são abafados pela máscara, já repleta do meu próprio gás carbônico. “Mais de dez valadarenses mortos em um único dia”. A indignação me sufoca a cada expiração.
Filas lotadas em frente às agências bancárias. Idosos aglomerados. Atravesso a avenida. Chego à Praça Serra Lima. “O presidente insiste na cloroquina”. Tento correr. Fugir. A realidade me paralisa.
Chego ao prédio onde trabalho. Pego um elevador com o Seu Wilson. Ele me pergunta se estou bem. Minto. Pergunto se foi ele mesmo quem nomeou a galeria. “O prefeito anuncia tratamento precoce”. Seu Wilson me diz que foi ele mesmo quem escolheu. Ele confessa ser vaidoso com seu nome.
Sento na cadeira do escritório. Busco algum foco para tarefas acumuladas. Minha mente cria rimas descompassadas. “Infectados aglomerados. Internados amontoados. Mortos empilhados”. O dia passa e um novo recorde é anunciado.
Chego em casa. Tento escrever uma crônica pro O Olhar. Há mais de um mês não consigo pensar em algo criativo. Quero um texto cômico. Uma coisinha boba. Um diário, talvez. Mas, sei lá… tá f*da!