Tu o dizes

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tu o dizes
Imagem: Divulgação/Internet

Existe uma reflexão antiga na vida de que é dando que se recebe. Atrás dessa também tem outra que é a referente ao doar, o dar, entregar-se incondicionalmente. A frase popular não lembro por inteiro, porém, sei que ela guarda em si uma essência: maior que receber é doar.

Em uma sociedade materialista como a que vivemos, saímos contando quanto o que  recebemos na vida. Presentes, empregos, elogios e amores. Tudo é enumerado para se contabilizar o sucesso. Quem tem mais é mais bem sucedido. A moeda tem por capitalização o receber. O doar não. Isso deve ser sandice de outro regime.

A despeito disso, de coletar moedas para o pódio, temos no ocidente a influência do  cristianismo. E aqui coloco o ismo para abarcar todos os espectros daquilo que entenderam da palavra de Jesus. Novamente destaco o personagem histórico, como em um bom exercício filosófico, para compreender que existe distinções, assunto para outro momento.

Enfim, temos a influência do cristianismo. Como dialogar o materialismo frio do dia a dia com o calor de doar tão presente em Jesus? Esses dias fiquei tão feliz de ouvir de uma pessoa tão próxima a mim que ela ficou com o coração “amolecido” porque doou. Não quis demonstrar minha tempestade ali, porque sabe como é, mimetismo das emoções somos. Não demonstrei, mas fiquei alegre como um menino ao ouvir – “eu amoleci ao ver aquilo e doei”. O amolecimento vem ao coração, alma que se comunica. Eis que estou aqui sempre assim relatando a vida, meu Mestre. Sempre.

Doar é magnifico. É extraordinário. É se libertar, seja das convenções, da moral puritana, do corpo, da vida que nos ensinaram ser a real. Não é. Quando se doa, experimenta-se o nirvana do hinduísmo, o lótus espiritual, o minuto de reflexão no templo, a sensação de ouvir “eu te amo” de quem se espera ouvir. O grito de Galoooooooo, para quem conhece essa maravilha. Aqui eu me doei completamente e fiquei vulnerável. E passo a próxima camada da liberdade. Vem comigo.

Ao doar você dá o primeiro passo para a transcendência. É como se seu ser estivesse em letargia, ainda no casulo cósmico da existência, aguardando o toque mágico da vida para o despertar. Este vem de dentro, como em uma decisão forte e corajosa, para dizer sim, sou seu. Ao abrir-se de seu casulo, quebrar as amarras que te aprisionam, uma lágrima de dor pode acusar cair, mas esta logo se transforma em alegria: em outro estado está. Você tem asas agora. Você voa! Eis a liberdade.

Doar é ser livre. Dar um presente, um chocolate, um sorriso, um abraço, uma palavra, seja o que for, é o primeiro passo. Está quebrando o casulo. Mas o doar verdadeiro vem depois. Resistir a injustiça é doar. Gritar contra as autoridades frias, é entregar-se. Ter o posicionamento adverso quando o absurdo se tornou regra, é doar. Dizer não é doar, quando o não encerra a dor. O Doar a vida para se ter a vida, é fantástico. Mágico. Pois é dando que se recebe, não é meu amigo Chico? Como gosto de suas sandálias…

Acho que deveríamos mudar o mundo agora. Esperamos demais para algo que sabemos que deve ser feito nesse instante. Esperamos receber da vida o momento, quando na verdade o momento quem faz somos nós, quando nos entregamos. É muito bom dia e boa tarde, em eternas segundas-feiras de sofrimento. Poderia ser: que se dane a segunda, vem comigo e abandone isto. Vou lhe dar o melhor de mim. Sabe por que? Porque deve ser isso que Deus deve ter pensado ao desenhar você. Esse ato de rebeldia é a alquimia para se libertar dessa gritaria dentro de nós que deseja ser viver. O mundo é redondo. Não pode ser a chatice da terra plana.

Não tenho as respostas da vida. Tenho as perguntas, caso as queira, lhe dou de coração. Mas uma resposta venho escrevendo desde minha infância. Sim, penso nisso há muito tempo. A resposta é que a vida existe a partir do ato de doar. O milagre nunca foi um fenômeno sobrenatural. Não. Ele é muito natural. Eu doei uma semente para ser plantada e ela floresce. Foi um livro que dei para um amigo. Eu entrego o germe para que um acontecimento seja. Foi quando eu disse para você vá mesmo desejando que ficasse. Eu colho uma begônia de um jardim que espero encontrar novamente e lhe entrego a flor com o pólen. Ela floresce. É o perdão que cria novos perdões. Eu recebo o desentendimento e os guardo comigo, transformando-o em paciência. É amor que doei, este eterno enquanto dure. Eu escrevo a poesia que se autopoiese, gerando novas formas de amar a partir de uma que um dia idealizei. É um pedaço de mim que deixei em letras. Eu doei uma esmola no dia a dia, mesmo ouvindo que não deveria, mas minhas pernas atrasaram a passada, me deram a jornada de entender que a razão de não ser pode vir depois. Quem espera, espera algo há muito tempo, é o que ensina a gramática da vida. Voltei e dei. Eu dei o último olhar, em diversos muitos olhares, por muitos outros olhares, para que um dia eu o visse de novo. Vi em meus sonhos. Era o meu pai. Ele me doou. Estou aqui.

O doar é libertador, então. Muitos me acusarão de ser comunista, de ser um desses vermelhos da vida, alguém sem sentido e sem explicação. E sou. Compartilho o que não tenho, e o que tenho já não os possuo mais. Quem pode afirmar agora se somos detentores de algo quando o tempo diz que tudo é dele? Como areia no vento somos, ponteiros do relógio que nos leva, fragmentando nosso ser. Porém, se vou no fluxo cósmico, entendendo que sim, deve se doar, entregar o que não tem e abrir mão do que não possui, ser nada significará ser alguém. Não pertencer será pertencimento. Primeiro será último, e este o primeiro. A partilha é o segredo de muitos outros segredos, os quais dividiremos daqui até o fim. A vida é assim. Se partilharmos, teremos abundância. Se doarmos, seremos. Se entregarmos a vida a teremos em plenitude. Isso eu aprendi há muito tempo. Há muito e muito tempo, não é meu amigo. Meu Mestre.

Sim, Tu o dizes!

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