
Governador Valadares ocupa a desconfortável posição de quinta cidade com maior número de pessoas em situação de rua em Minas Gerais: 438 cidadãos em condições de extrema vulnerabilidade, espalhados por praças do centro e bairros da cidade.
Os dados são do CadÚnico e foram divulgados pela Prefeitura em junho de 2024. Apesar da gravidade do cenário, a administração do ex-prefeito André Merlo (União) teria sido omissa, promovendo práticas que mostram, segundo a Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), descaso e hostilidade ao invés de assistência e acolhimento.
Entre as denúncias apuradas pelo órgão desde 2023, figuram métodos construtivos hostis, como a instalação de barreiras para afastar pessoas em situação de rua; a ausência de banheiros públicos e bebedouros; ações agressivas como lançamento de jatos d’água em locais de pernoite e remoção forçada de pertences pessoais, inclusive documentos.
Para o governo Coronel Sandro, essas medidas comprometem os princípios de dignidade e respeito aos direitos humanos. “Essas ações são incompatíveis com a construção de políticas públicas inclusivas e sustentáveis; buscaremos implementar abordagens que priorizem o diálogo, a inclusão e o respeito à condição de vulnerabilidade dessas pessoas”, afirmou, por meio de nota, a administração municipal.
Além da adoção de práticas hostis, a Defensoria apontou precariedades nos serviços do Centro Pop (Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua), do Consultório da População de Rua e no espaço onde funciona o Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias (antigo albergue), que, de acordo com o órgão, evidenciam uma política de negação de direitos.
Práticas de maus-tratos
A DPMG instaurou, ainda em 2023, um procedimento administrativo de tutela coletiva para investigar essas práticas e defender a população em situação de rua. A iniciativa incluiu reuniões com representantes dos vulneráveis, organizações sociais, Ministério Público e órgãos do Executivo municipal, além de inspeções no albergue. O diagnóstico apontou omissões incompatíveis com determinações do Supremo Tribunal Federal (STF), como a observância obrigatória da Política Nacional Para a População em Situação de Rua.
Foram expedidos sucessivos ofícios solicitando explicações sobre a interrupção do fornecimento de água em diversas praças e a ausência de oferta de passagens rodoviárias para migrantes, um direito garantido por lei. Além disso, a Defensoria Pública recomendou a adoção de medidas urgentes e estruturantes. Contudo, as respostas fornecidas pelo governo à época teriam sido parciais e genéricas, “limitando-se a apresentar um panorama superficial da rede de assistência existente, sem abordar de forma efetiva as questões levantadas”.

Ações prioritárias
Com a posse do novo prefeito, Coronel Sandro (PL), a DPMG expediu, no último dia 15, uma recomendação reforçando a necessidade de mudanças urgentes. O documento detalha ações prioritárias, como a criação de um Comitê Intersetorial para a formulação de políticas específicas, capacitação contínua de servidores públicos, oferta de bebedouros e banheiros públicos acessíveis e a ampliação das vagas de acolhimento institucional para adultos.
Entre as medidas apontadas, destacam-se também a necessidade de critérios claros para ações de limpeza em locais ocupados, resolução das precariedades estruturais no abrigo noturno e a presença de agentes de saúde e assistência social durante grandes intervenções urbanas.
O atual governo ressaltou, por meio de nota, que reconhece a importância das recomendações emitidas pela Defensoria Pública. Disse ainda que pretende trabalhar para implementar as ações necessárias, considerando os recursos disponíveis e a complexidade das demandas. “O objetivo é garantir que as políticas públicas voltadas à população em situação de rua sejam fortalecidas e promovam a dignidade, a inclusão e o acesso aos direitos fundamentais”, diz a nota.
De acordo com o documento da DPMG, a gestão André Merlo teria imposto as pessoas em situação de rua à marginalização, reforçando o fracasso em políticas sociais que deveriam priorizar os direitos humanos. O novo prefeito, no entanto, tem declarado que está disposto a quebrar este ciclo de abandono e garantir dignidade àqueles que mais precisam.
O que mais diz a prefeitura
O Olhar – Quais medidas concretas a atual gestão pretende adotar para corrigir as omissões identificadas pela Defensoria Pública no atendimento à população em situação de rua, especialmente em relação às fragilidades nos serviços do Centro Pop e do Serviço de Acolhimento?
Prefeitura – A gestão está comprometida em:
-
Reestruturar o Centro Pop, ampliando sua capacidade de atendimento e adequando-o às demandas locais;
-
Reavaliar e melhorar as condições do Serviço de Acolhimento Institucional de Adultos e Famílias (antigo abrigo noturno), garantindo que ele seja um espaço acolhedor e adequado às necessidades da população atendida;
-
Fortalecer parcerias com entidades da sociedade civil e ampliar as equipes técnicas para garantir um atendimento humanizado e contínuo;
-
Promover capacitações periódicas para os profissionais que atuam diretamente com a população em situação de rua, abordando temas como direitos humanos e práticas de inclusão social.
O Olhar – Já há um cronograma definido para a implementação de banheiros públicos, bebedouros e lavanderias sociais em Governador Valadares, conforme recomendado pela Defensoria Pública? Caso não, qual é o prazo previsto?
Prefeitura – No momento, a administração está em fase de estudo técnico e orçamentário para a implementação de banheiros públicos, bebedouros e lavanderias sociais. A previsão é que o cronograma detalhado seja apresentado no primeiro trimestre do ano, com um prazo inicial para início das obras ainda no primeiro semestre. Faz-se importante ressaltar que no Centro Pop e no Serviço de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias (antigo albergue), no atendimento diário e acompanhamento da população em situação de rua que aderiu aos serviços ofertados pelos dois equipamentos, são oferecidas estruturas para higiene pessoal (como banho e uso sanitário) e para que possam lavar suas roupas. O Centro Pop funciona das 7h às 18h, de segunda a sexta-feira. O Serviço de Acolhimento funciona 24h, todos os dias da semana.
O Olhar – A prefeitura está desenvolvendo ou pretende apresentar um plano de ação detalhado, com metas e prazos, para enfrentar o problema da população em situação de rua, atendendo às determinações da ADPF 976 e às recomendações da Defensoria Pública?
Prefeitura – Sim, a prefeitura está desenvolvendo um plano de ação detalhado que contemplará metas específicas, prazos e indicadores de resultados, alinhado às diretrizes da ADPF 976 e às recomendações da Defensoria Pública. Esse plano será apresentado em consulta pública para garantir a participação social no processo e estará integrado às políticas intersetoriais do município.