Doulas em Valadares falam sobre violência obstétrica

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doulas falam sobre violência obstétrica em valadares
As doulas oferecem suporte físico e emocional às gestantes. Foto: Divulgação

 

Uma a cada quatro mulheres sofre violência obstétrica durante o parto no Brasil, de acordo com o estudo “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizado em 2010 pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o Serviço Social do Comércio (Sesc).

Governador Valadares não está fora dessa realidade e, por aqui, cerca de 10 gestantes sofrem essa experiência todos os dias, segundo alertou uma enfermeira da rede privada.

A violência, diz o estudo, pode ser física, verbal, psicológica ou moral. Há casos em que os braços da gest

ante são amarrados e abertos durante o procedimento, outras sofrem preconceito, são humilhadas e xingadas.

A pior situação seria a utilização da manobra de Kristeller, que apesar de não ter comprovação de eficácia, é usada em 100% dos partos. Outra medida adotada é a episiotomia: um corte realizado na região do períneo, que é o músculo entre a vagina e o ânus, para ampliar o canal do parto.

Também há registros de violência na hora da sutura da cesariana e até na retirada dos pontos. Vários relatos dão conta que os pontos internos nem são retirados e a mulher passa a sentir dor e sensibilidade naquela região o resto da vida.

Desabafo de quem sofreu

Algumas mulheres ficam com traumas permanentes após passar por gestações e partos dolorosos e se recusam a engravidar novamente. Outras dão a volta por cima e se tornam doulas.

Esse é o caso da enfermeira pós-graduada em obstetrícia, Kássia Daniela de Oliveira Braga, mãe de quatro filhas, que afirma ter sofrido muito nos dois partos.

Ela relata que, no segundo parto, foi vítima da episiotomia e da manobra de Kristeller – uma medida que consiste na pressão sobre o útero da mulher com o objetivo de diminuir o período de expulsão do bebê.

Kássia conta que foi muito cedo para o hospital e o trabalho de parto demorou 10 horas. Devido ao bloqueio de dilatação, integrantes da equipe usaram o joelho em sua barriga para pressionar e acelerar o trabalho de parto.

Contudo, ainda não há consenso sobre a prática e nível de força aplicada com relação a essa técnica. Ainda assim, também nas maternidades em Valadares, há casos de profissionais que continuam utilizando braços, cotovelos e até joelhos como forma de abreviar o parto, o que aumenta a chance de complicações.

A ação pode resultar em fratura da costela, risco de hemorragias, lacerações graves no períneo – que é a região que sustenta os órgãos pélvicos -, deslocamento da placenta, dor abdominal após o parto e a possibilidade de ruptura de alguns órgãos, como baço, fígado e útero.

“Muitas mulheres apresentam esses problemas e até passam a sofrer de depressão pós-parto sem saber que foi vítima de violência obstétrica”, ressalta Kássia Braga, que também é instrutora do curso para formação de Doulas.

A fisioterapeuta e Doula Camilla Luiz Chompré Verneque é outra vítima de violência obstétrica em Valadares. Ela afirma que foi xingada, humilhada e amarrada durante o parto em um hospital particular.

“Era o meu primeiro filho. Tentei um parto normal, fui cedo para o hospital. Não fui instruída e me senti sozinha. Meu marido foi proibido de me acompanhar. O médico me mandou calar a boca e, quando me anestesiou, bateu no meu ombro e disse: depois que parir esse, você faz uma dieta porque foi bem difícil te anestesiar”, relembra.

Ela comenta ainda que fez um único pedido: “olhar para meu filho assim que nascesse, mas fui a última a ver a criança”, lamenta.

Camilla Chompré disse também que essa experiência fez com que ela assumisse um compromisso de não permitir que outras mulheres sofram como ela.

“Esses profissionais são pessoas que atuam na área da saúde e deveriam acolher e ajudar, mas infelizmente provocam traumas para a vida toda”, enfatiza a doula, acrescentando que seu parto se deu em um hospital particular em Valadares.

Embora não tenha filhos ainda, outra valadarense, a estudante de enfermagem Luiza de Oliveira Viana também concluiu o curso e atua como doula. Ela abandonou a faculdade de Direito e resolveu fazer Enfermagem.

Luiza Viana falou que já tinha pesquisado sobre a profissão, mas não sabia que existia o curso de Doula na cidade. Ela explica que viu uma publicação nas redes sociais e decidiu se inscrever.

“A princípio minha intenção era acumular conhecimento, mas os índices de violência obstétrica sofrida pelas mulheres me marcaram muito e coloquei na cabeça que eu também posso combater essa violência e evitar que mais mulheres passem por isso”, enfatiza.

O que é e o que faz uma Doula

Doula é uma assistente sem formação médica, que acompanha a gestante desde o pré-natal, até os primeiros meses após o parto, com foco no bem estar da mulher e da criança.

O papel das Doulas é explicar todo o processo que a mãe vai passar e dar apoio emocional. No trabalho de parto, ela ajuda a mulher a encontrar as posições mais favoráveis durante as contrações, faz massagens e compressas para aliviar a dor, ajuda o parceiro a se envolver e participar ativamente do parto e informa o casal sobre todos os procedimentos que estão sendo realizados.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (MS), por meio de portarias, reconhecem e recomendam a atuação dessas profissionais, que prestam suporte durante essa fase da vida da mulher.

Elas não substituem a presença do médico ou do profissional responsável pelo parto, apenas oferecem apoio à mulher e à família. Mas com a supervisão de uma Doula, o parto tende a evoluir com maior tranquilidade e rapidez, e com menos dor e complicações, tanto maternas como fetais.

Associação

doulas falam sobre violência no parto em valadares
Doulas que concluíram o último curso realizado em Valadares. Foto: Divulgação

Em Governador Valadares atuam cerca de 25 doulas. No momento, elas estão se organizando para criar uma associação e também pretendem brigar para que a profissão seja regulamentada.

Um movimento nacional iniciado em São Paulo também atua junto ao Congresso Nacional com esse mesmo objetivo. Apesar da quantidade de relatos de violência obstétrica, na Delegacia de Mulheres de Governador Valadares não consta nenhuma denúncia dessa natureza.

Na avaliação da enfermeira Kássia de Oliveira Braga as mulheres ou têm medo ou não conseguem identificar o que é uma violência obstétrica, que pode ser cometida pelo obstetra homem ou mulher.

“Pra fugir dessa violência, a gestante precisa pagar cerca de R$ 5 mil reais pela chamada do seu médico particular”, frisa.

Lei garante a presença da doula em hospitais

Em Governador Valadares, a Lei 6.829/2017 regulamenta a presença de Doulas nas maternidades e hospitais durante todo o período de trabalho de parto e pós-parto, sempre que solicitado pela gestante.

A Lei é de autoria da ex-vereadora Iracy de Matos e autoriza a presença da Doula como acompanhante na sala de parto, sem prejuízo da presença do acompanhante familiar.

No Brasil, desde 2005 a Lei Federal 11.108 garante à parturiente o direito de ter um acompanhante de sua livre escolha na hora do parto e pós parto. A escolha é da mulher, que pode optar pelo marido, por uma irmã, pela mãe ou qualquer outra pessoa de sua confiança.

A presença de acompanhante é fundamental para evitar a violência obstétrica, garantindo acolhimento e segurança à mulher no momento do parto.

Luiza Viana, que também é enfermeira em um hospital de Valadares, esclarece que a violência não parte apenas do médico obstetra, podendo ser cometida por toda a equipe de saúde, desde recepcionistas até o corpo administrativo do hospital.

 

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