Moradores de rua ficam fora da 1ª fase da vacinação e quatro já morreram

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população de rua ainda não recebeu vacinação e quatro já morreram
Cerca de mil pessoas vivem nas ruas de Valadares. Foto: Walter Andrade

 

Não há informações concretas, em Governador Valadares, de quantos moradores de rua já foram infectados pelo novo coronavírus, mas até meados do mês passado, de acordo com o Consultório de Rua, apenas 10 deles haviam sido vacinados. Quatro foram a óbito em decorrência das complicações da covid-19.

Embora considerada como grupo prioritário para ser vacinada, e esteja classificada como “Grupo com Elevada Vulnerabilidade Social”, pelo Plano Nacional de Imunização (PNI), a população em situação de rua parece ser invisível para o governo municipal.

O número de pessoas que vive nessas condições, no município, não é pequeno. São cerca de 500 moradores de rua que recebem atendimento regular de entidades como o Creas Pop (Centro de Referência Especializado de Assistência Social em População de Rua) e o programa Consultório de Rua.

Outros 500, aproximadamente, são andarilhos que de tempos em tempos fazem das ruas e praças da cidade locais temporários de moradia: ficam um pouco, vão embora, depois retornam, mas não se estabelecem aqui.

Socorro

No dia 15 de abril, Florenir Vicente, a Leninha, 59 anos, só foi socorrida após passar mal durante três dias, com fortes dores no estômago. Ela se abrigava na marquise da Estação Rodoviária, na rua Marechal Floriano, próximo a pontos de táxi e mototáxi.

Marcos Cunha Souza, mototaxista, presenciou o sofrimento de Leninha. “Todo dia vejo ela aqui. Passou muito mal. Estava com vômito e tremendo. Mas o atendimento demorou a chegar”, disse.

Dois dias depois, vendo que a saúde de Leninha piorava, taxistas entraram em contato com a Pastoral de Rua, que, por sua vez, acionou o Consultório de Rua. Mas, por ser final de expediente, a abordagem só aconteceu na manhã do dia seguinte – mesmo com o estado de sofrimento da moradora de rua.

 

quatro moradores de rua morreram em gv
Florenir Vicente, a Leninha, aceitou morar com uma das filhas, após 30 anos nas ruas. Foto: Walter Andrade

A equipe de saúde que esteve no local medicou Leninha, que também foi submetida ao teste rápido para Covid-19. Deu negativo. A suspeita dela ter contraído a doença era grande, pois seu companheiro, Joselino Marques, o Baiano, 58 anos, foi infectado pelo vírus e morreu uma semana antes dela adoecer.

Roseane Pires dos Santos, uma das filhas dela, acompanhou a mãe e a convenceu a se abrigar na casa de outra filha, no bairro Turmalina. Leninha estava há 30 anos nas ruas e a perda do companheiro a deixou ainda mais vulnerável.

Vítimas

Quem não teve a mesma sorte de Florenir Vicente foi Maria da Glória Lopes de Abreu, 60 anos, conhecida na cidade pelo apelido de “Xuxa”. Ela foi a primeira moradora de rua vítima do coronavirus.

Xuxa foi diagnosticada com câncer e estava aguardando o  início do tratamento. Depois que testou positivo para a Covid-19, ficou internada no Hospital Municipal, onde morreu no dia 13 de julho do ano passado.

Também perdeu a luta para a doença Ricardo Domingos Ferreira, 41 anos. Ele morreu no início de abril, ao dar entrada na Estratégia de Saúde da Família (ESF) que atende moradores dos bairros Novo Horizonte e Vitória.

Morador de rua, alcoólatra e usuário de drogas, Ricardo Ferreira chegou ao local com dor no peito e falta de ar, mas foi a óbito antes da chegada do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência).

Em fevereiro deste ano, Anderson da Silva Lima, 42 anos, foi outra vítima da covid-19. Ele contraiu o vírus e descobriu que tinha problemas cardíacos. O corpo ficou debilitado e foi preciso usar cadeira de rodas para se locomover.

O caso só foi se agravando até que Anderson não resistiu e morreu. O teste confirmou a causa da doença.

sem vacinação, morador de rua começa a morrer em valadares
Joselino Marques, o Baiano, 58 anos, foi infectado pelo vírus e morreu no mês passado. Imagem: Divulgação

À espera de um milagre

Mesmo acostumada a viver à margem da sociedade, com pouco acesso ao sistema de saúde, o sentimento da população de rua, com relação à pandemia, é de pessimismo.

“Não estamos na lista de prioridade”, lamenta Nilcinéia Amâncio Silva, a Dandara, que até pouco tempo participava de um projeto social jogando capoeira, mas precisou parar por problemas de saúde.

Ela, que está nas ruas há 15 anos, esteve muito doente, precisou ficar internada, mas testou negativo pra Covid-19. “Eu convivi com o Baiano e ele pegou covid, eu achei que também estava. Graças a Deus não foi dessa vez”, comemora.

José Lúcio de Oliveira Lima Lemes, 62 anos, está há dois anos vivendo nas ruas. Tem problema de artrose. “Não tenho receio de pegar covid. A população de rua é vulnerável, mas estou nas mãos de Deus. Adoecer todos adoece, mas só morre quando Deus quer”, acredita.

Agora, na pandemia, um dos braços de apoio dessa população, o Centro Pop, teve o atendimento reduzido, conforme disse a assistente social do programa, Amanda Silva Brito.

Ainda assim, segundo ela, houve casos de pessoas que deixaram as ruas, recentemente, e passaram a ser acompanhadas pelas equipes técnicas no processo de pós-saída das ruas.

Foram 26 que retornaram ao lar familiar e 23 iniciaram o processo de acolhimento em instituições para tratamento de dependência química.

Imunização

A população de rua vive em condições de vulnerabilidade e normalmente teve os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados. Daí a necessidade de maior amparo e proteção por meio do poder público.

Além disso, a maior parte dos moradores nessa situação transita diariamente de um lado ao outro da cidade, muitos sem o uso de máscaras e com pouco acesso à higienização, como lavagem de mãos e álcool gel.

Priorizar a vacinação para esse grupo seria uma forma de proteger não só o morador de rua, mas também a população como um todo, diminuindo a disseminação do vírus.

Mas de acordo com Vânia Cristina Gonçalves da Silva, Assistente Social do programa Consultório de Rua, a população de rua está inserida nos mesmos critérios da vacinação geral. Ou seja: acima de 62 anos.

Ela explica que os trabalhos de vacinação foram iniciados nos dois abrigos da cidade (um no São Cristóvão e outro no Caic, no Vila Bretas) e afirma que as abordagens continuam sendo feitas nas ruas. “O atendimento passa a ser preferencial mediante a necessidade e sintomas detectados pelas equipes”, comenta.

A assistente social reconhece que o número de vacinados, 10 no total, está muito aquém do necessário. Pondera também que é mais difícil pessoas acima de 62 anos permanecerem nas ruas em função de comorbidades.

“A testagem é feita à medida em que a pessoa apresenta sintoma, no local em que ela se encontra. A Florenir, por exemplo, foi testada e o resultado foi negativo”, lembra.

Para a médica e coordenadora da vacinação no município, Márcia Cordeiro, o ritmo da imunização na cidade ocorre como o esperado.

Ela confirmou que a população de rua também é prioridade, entretanto, nessa primeira fase, idosos com idade acima de 60 anos e profissionais de saúde têm preferência na imunização.

“A população de rua que está cadastrada nos abrigos e que tem a idade adequada já está sendo vacinada. Os demais serão encaixados em uma nova etapa de vacinação”, assegura.

Reintegração

O coordenador da Missão Vida – entidade que atua na recuperação e reintegração de moradores de rua -, missionário Cláudio Gomes da Conceição, disse que já procurou a Secretaria Municipal de Saúde para conseguir vacinar cerca de 40 internos.

Ele destaca que a instituição já chegou a atender 80 pessoas, mas devido à pandemia, o acolhimento foi reduzido pela metade. “Perdemos dentistas, médicos, enfermeiros, palestrantes e outras pessoas que prestavam serviços voluntários”, lamenta o missionário.

 

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