Viva La Revolución!

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Viva La Revolución!
Imagem: Reporodução/Internet

As pessoas estranharão o título da crônica de hoje. Alguns irão ver e deixarão de lado, outros tantos nem compartilharão, pelo receio de ser algo revolucionário. Porém, muitos continuarão, levados pela curiosidade, pelo que está escondido por trás das palavras, essa busca incessante que temos pelo conhecimento. Muitos destes que leram, não irão adiante na prática do que foi escrito e lido. E aos poucos que chegarem ao fim da linha, do propósito, do destino então, se surpreenderão. O texto e a prática acabaram. Mas existem muito mais coisas além disso. Confiem.

Confesso que comecei escrever este texto há muitos e muitos anos. E me inspirava para o fazê-lo, jogar as letras no caderno, no notebook, na tela do meu editor de texto, para ver se, em algum momento, elas se combinariam entre si. A magia da escrita tem esse poder e, sempre me surpreendo com algo aleatório transformando-se em um texto que passa uma mensagem.

O aleatório foi ouvir um solo de guitarra nos meus quinze anos, que me despertou para o texto que comecei lá atrás e concluí agora. Um solo longo, de um rock progressivo, de três guitarras, em um arranjo digno de maestro, foi o meu estímulo para redigir. Alguém sorrirá quando ler isso, penso eu. Mas penso que escrevi sobre a rebeldia. E eu a amo, incondicionalmente.

Uma vez uma amiga me disse que eu era do contra. Fiquei pensando nisso, se de fato eu era do contra, e procurei saber do que ela era constituída, para saber qual substância eu não tinha, a qual pudesse inserir-me na taxonomia da contrariedade. Fui para o básico, só para começar, uma nota lá menor, para compreender. Então pensei: ela respira, eu respiro. Somos iguais. Ela anda, e eu também. Sem distinção também. Ela está na mesma cidade que eu e eu, óbvio, assim resido. Não vejo diferença. Ela tem medo do desconhecido, e eu não duvido do meu sentimento sobre isso. Irmãos gêmeos somos neste ponto. Eu não penso que as pessoas são do contra. Ela pensou que sim, são. Aqui a distinção. Ouvi uma música e escrevi sobre. A loucura minha fez a diferença. Do contra sou, não me oponho a isso.

Apesar de ser do contra, como me acusaram, nunca duvidei da forma do planeta Terra, da vacina como elemento médico a contribuir, do abraço como conforto, e do perdão como remédio. Sou bem conservador neste ponto. Mas sou uma oposição ferrenha nas dores do mundo, no suplício para se ter paz, nas longas jornadas de trabalho com um salário-mínimo, e no amor platônico que nunca desce da perfeição. Prefiro um amor imperfeito que seja eterno enquanto dure, do que uma saudade perfeita que nunca volta. Isso é ser do contra? Pergunte aos poetas o que eles pensam sobre o assunto.

Minhas ilações ainda não ficaram satisfeitas para fechar a conclusão sobre a rebeldia. Ainda ouvia o som das três guitarras da minha adolescência, e estava determinado a fechar a ideia sobre a rebeldia. Sendo assim, recorri-me aos livros, estes seres revolucionários que dizem muito e ficam calados, em uma eloquência invejável. Fui para a história e encontrei muita gente boa. Gente do contra, pensei.

Para começar, falo do ateniense Sócrates, pensador grego. Mais rebelde que esse, é difícil dizer. Sustentou sua filosofia, mudando os paradigmas do conhecimento, afirmando que não sabia de nada. A sabedoria socrática, e rebelde, era ter consciência da própria ignorância (isso ajudaria muito nesses tempos extremos e mitológicos). Foi tão do contra, que preferiu a morte a ter que mudar de opinião. Atenas não se compadeceu e, assim, testemunhamos a morte do filósofo. Um pensador do contra!

Outro que a história lista como rebelde é Jesus. Sim, Cristo era rebelde. Ora, pensem bem, antes que desistam de continuar a ler a crônica, se não foi Jesus quem quebrou o templo porque nele era praticado negócios? Ele, na pureza da rebeldia, não se conformou com aquilo e agiu contra os interesses daqueles que estavam a frente do Templo. Os senhores do poder não gostaram disso. E, assim, a rebeldia de Jesus teve um preço alto. Mais um que se foi. A história é testemunha disso. Ser rebelde, é perigoso, parafraseando Guimarães Rosa. Crucificado foi o Nazareno, um filho de Deus.

Rebelde também são as mulheres. Claro, elas são. Veja o que disse Simone de Beauvior, quando afirmou que a mulher não nasce mulher e, sim, torna-se mulher. Que absurdo, muitos disseram. “Essa é do contra mesmo”, outros vociferaram, como depois a história registrou. Mas Beauvior gritou ao mundo a liberdade do feminino, enclausurado, historicamente, nas correntes do preconceito, do patriarcado, do machismo estrutural presente no passado e, agora, nestes tempos também.

A luta continua, companheira, pensei. Beauvior lançou um sol sustenido e fez-se ouvir a todo o mundo sua guitarra mais rebelde. Provocou reflexões de A a Z, em todas as escalas musicais, que letras já não foram suficientes, pois, o ser humano, como a música, é uma infinita possibilidade rebelde de ser. Um lá bemol outra pensadora, tempos depois, lançou. E mais música foi ouvida assim. Um gênero? Não, revolucionariamente, não. Vários, só para começar e ser do contra. Rebeldia da alma que faz bem. A música e a humanidade agradecem a harmonia e o colorido das notas.

E é sobre essa categoria que chego aqui para fechar minha descoberta do século. Nirvana era rebelde? Sim, era, mas não é sobre isso que quero falar. Eu quero dizer que rebelde é a alma, essa coisa que fica dentro da gente. A alma, o espírito, nossa psichê, a deusa da leveza e da vida, bate suas asas dentro de nós, causando sensações corpóreas para que tais sejam traduzidas como encorajamento.

Empoderamento. Sim, dentro de nós reside a rebeldia, como há na guitarra todos os acordes que nos despertam e arrepiam nossa pele, naquele solo bem feito. Tanto o corpo como a guitarra sentem a rebeldia, expressam essa arte, e faz acontecer. Mas a alma e a música não são vistas. São invisíveis. Porém, essa invisibilidade manifesta, sai pelo nosso sangue, pelas narinas, por todos os nossos poros, pelos suores da luta, quando se vislumbra algo que não é justo, ético, digno de ser. Essa morte em vida é que não podemos permitir ser. Precisamos ser do contra. Este é o recado e minha amiga tem razão sobre mim. Ei, amiga, vai ser gauche na vida!

A invisibilidade da alma é interior, inquieta, e não se deixa passar, como uma boa combinação de notas musicais não deixa de tocar, ao inquieto dedilhado do músico. A rebeldia é o elemento vital que temos, o fundamento da mudança, o instrumento para chegarmos longe na construção que desejamos ser: a edificação de um ser livre. O corpo pode ter suas limitações, como o instrumento musical também o tem. Mas quem sabe tocar, consegue arranjar as notas bem ordenadas para que uma música seja muito e, gostosamente, bem ouvida.

Quem sabe tocar sua alma, a própria substância de si mesmo, de uma maneira ordenada, legítima, lógica, pura, encantadora, mágica, bela, feliz, amorosa, calorosa, sedutora, intensa, eu e você, uma humanidade a se manifestar e libertar, consegue exprimir o melhor de nós ao mundo. Uma rebeldia para ser melhor, para ser humano, um ser liberto, pleno, completo e feliz. Essa é a letra da música. É a mensagem ao fim do texto.

Viva La Revolución! Foi o que eu ouvi naquele dia.

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