Trabalhadores da cultura em Valadares vão perder R$ 1,4 mi ou há luz no fim do túnel?

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mesmo com dinheiro na conta, prefeitura não consegue transferir recursos para trabalhadores da cultura em gv
Coletivo Deck foi um dos prejudicados pela burocracia do governo local. Foto: Divulgação

 

O setor cultural de Governador Valadares, que contribui de forma acentuada na movimentação da economia local, tem sido um dos mais prejudicados desde o início da pandemia da Covid-19.

A suspensão de apresentações culturais em teatros e praças, e em especial em bares e restaurantes da cidade, impactou a rotina de inúmeros profissionais que  tiveram suas fontes de renda duramente comprometidas.

A luz no fim do túnel seria os recursos da Lei Aldir Blanc (LAB), cujos repasses deveriam ser transferidos à cultura para auxiliar a classe artística durante a vigência das medidas de isolamento, que acabam por reduzir os postos de trabalho.

Em setembro do ano passado, o município recebeu R$ 1.837.548,74. Porém, a Secretaria Municipal de Cultura, Esporte, Lazer e Turismo (SMCELT) destinou apenas R$ 432 mil a somente 74 artistas ou grupos culturais.

Isso representa menos de 2% dos quase 4 mil artistas e produtores culturais de Valadares. E o mais grave: o restante da verba, de R$ 1.405,548.74, não foi empenhado dentro do exercício 2020 e pode ter que ser devolvido pela prefeitura.

Para impedir que a verba seja perdida, o Comitê Local de Fiscalização da Lei Aldir Blanc, instituído durante a Conferência Popular de Cultura, em setembro do ano passado, formalizou uma denúncia na 13ª Promotoria de Justiça para que seja apurada suposta omissão do governo André Merlo (PSDB).

O Comitê também solicitou a intervenção do MP no acompanhamento e utilização dos recursos repassados pelo Governo federal, já que o novo Conselho Municipal de Cultura, que deveria cumprir esse papel, ainda não foi eleito.

Esclarecimentos

A Promotoria de Defesa do Patrimônio Público instaurou, em janeiro, a NF nº MPMG-0105.21.000109-2, e estabeleceu prazo de 20 dias para a prefeitura de Valadares prestar informações. O prazo venceu, sem que o município desse qualquer resposta.

No dia 4 de março, o promotor Leonardo Valadares Cabral reiterou o pedido, concedendo mais 20 dias para os esclarecimentos. Em resposta, a Secretaria de Cultura afirmou que as ações foram feitas levando em consideração a Lei de Licitação (8.666/99).

Justificou ainda que os artistas e agentes culturais não contemplados pelo benefício, não teriam atendido às exigências dos editais. De acordo com o documento encaminhado à promotoria, 288 empresas ou coletivos realizaram o cadastrado, mas somente 74 teriam preenchido os requisitos estabelecidos pelo chamamento público 18/2020.

Com relação aos recursos que estão parados na conta do município, a Secretaria explicou que aguarda parecer do Governo Federal sobre a possibilidade de a prefeitura ainda poder utilizar essa verba.

O secretário da SMCELT, Kevin Nilton Santos Figueiredo, também argumentou que a prefeitura não reconhece a formação do Comitê Local de Fiscalização da Lei Aldir Blanc, sem citar os motivos.

O que pensam os agentes culturais

Ontem (28), os membros do Comitê voltaram a se reunir e decidiram cobrar do atual governo a publicação de um novo edital e um novo plano de trabalho para contemplar os artistas que ficaram de fora na primeira etapa.

Eles acreditam que há possibilidade de utilização do restante dos recursos, uma vez que o Congresso Nacional prorrogou os prazos da Lei Aldir Blanc. Para o comitê, o único impedimento estaria no fato da verba de R$ 1.405,548.74 não ter sido empenhada pela administração ainda em 2020, conforme exigia a lei.

“Os governantes reclamam que falta recurso e quando chega o recurso não conseguem acessar. Isso é lamentável”, critica a produtora cultural Letícia Firmato. Ela também criticou o número inexpressivo de profissionais da cultura beneficiados com os repasses da Lei Aldir Blanc em Valadares.

“Nesse momento de pandemia, caso mais artistas tivessem sido contemplados na primeira etapa, os recursos tinham movimentado a economia local. Seriam Mais R$ 1,4 milhão injetado na economia, no comércio local”, constata o produtor Robson Santos.

“A classe artística não detém o domínio das tecnologias e conhece pouco sobre a parte burocrática. O que faltou foi a prefeitura facilitar esse acesso e auxiliar a classe na fase de habilitação para diminuir a burocracia”, comenta Fernanda Oliveira, do Coletivo Deck.

“O que aconteceu foi exatamente o contrário. O município dificultou enquanto pode o acesso e por isso um número alto de artistas ficou de fora dos recursos. Nós do Coletivo Deck, por exemplo, cumprimos todas as exigências e encaminhamos todos os documentos solicitados, mas como não teve protocolo na entrega da documentação, fica a nossa palavra contra a deles”, lamenta o gestor cultural Danilo Nunes Fernandes.

Entenda o caso

Após a sanção e promulgação da Lei 14.017/2020 – Lei Aldir Blanc (LAB) -, a prefeitura de Governador Valadares iniciou os trabalhos de habilitação para receber o montante de R$ 1.837.548,74. Durante o processo, a Secretaria de Cultura (SMCELT) se reuniu com alguns grupos da cidade para apresentar o conteúdo da lei.

O plano de ação municipal foi incluído na Plataforma Mais Brasil, com o código 07208420200002-000790, e a seguinte descrição: Plano de ação apresentado pelo Município de Governador Valadares para o recebimento dos recursos da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/2020) para oferecer subsídio aos espaços culturais cadastrados no município e para a realização de editais, chamadas públicas e prêmios ao setor econômico da Cultura municipal.

Em setembro de 2020, foi realizada a Conferência Popular de Cultura, onde representantes do campo cultural se reuniram virtualmente. Os participantes solicitaram a presença de um representante do poder público para esclarecer sobre a aplicação da lei e também outras pautas sobre a política municipal de cultura.

Apesar de não pertencer mais aos quadros da prefeitura, à época, o então ex-diretor de Cultura, Kevin Figueiredo (hoje secretário de Cultura), foi chamado para apresentar a proposta definida pela SMCELT, de destinar a maior parte dos recursos para a manutenção de espaços artístico e culturais (inciso II da LAB). No entanto, os agentes culturais discordaram.

Eles defenderam que, para a comunidade artística local, o ideal seria uma parcela maior da verba ser aplicada em editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural (inciso II da LAB. Ainda assim, venceu a proposta do governo.

Ainda em setembro de 2020, a prefeitura fez o primeiro chamamento público para habilitar propostas para o cumprimento do inciso III da Lei Aldir Blanc, através do Decreto 11.243.

O chamamento solicitava a comprovação de atuação e atividades das diversas áreas da cadeia produtiva da cultura, abrangendo vários segmentos. Porém, na entrega da documentação, “o setor responsável pelo processo não forneceu nenhum protocolo de recebimento, deixando os proponentes inseguros”, alegam os produtores culturais.

O processo, que era para ser um benefício emergencial, de direito e com contrapartida dos artistas, produtores e empresários da área, acabou comprometido pela burocracia e questionamentos do governo sobre a legitimidade dos artistas, em vez de reconhecer o trabalho dos profissionais de Valadares.

De acordo com a Plataforma Mais Brasil, o município destinou R$ 1.470.000,00 para o cumprimento do inciso II (manutenção de espaços artísticos e culturais), mas, no decreto municipal 11.252/202, é mencionado o valor de R$ 1.305.000,00, porém, teria sido executado somente R$ 432 mil.

Entre os inúmeros problemas identificados durante o processo de habilitação dos proponentes, a classe artística local cita a exclusão do Coletivo Deck, que pegou de surpresa os movimentos culturais da cidade.

Segundo os agentes de cultura, o Coletivo Deck “tem grande legitimidade e atuação notória na cidade”. Mesmo com o encaminhamento do recurso dentro do prazo, o coletivo  teve seu direito negado pela prefeitura.

Diálogo

Após várias tentativas de diálogo com a administração, por diferentes frentes, foi realizada uma reunião emergencial, no final de dezembro, onde a categoria voltou a apresentar insatisfação pelo método de trabalho adotado pelo poder público.

Já o chamamento público 24/2020, lançado em 18 de dezembro, para atender o inciso III da Lei Aldir Blanc (editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural), teve prazo de inscrição até o dia 19 de janeiro deste ano.

A proposta causou “grande aflição junto à classe artística”, uma vez que o prazo para a execução do recurso terminaria em 31 de dezembro de 2020.

Preocupados com a proximidade da data-limite, os trabalhadores da cultura tentaram, mais uma vez, conversar com o governo para garantir que os recursos fossem empenhados dentro do limite previsto em lei – já que o empenho, uma vez  feito em 2020, poderia ser executado até 31 de dezembro de 2021.

O prazo terminou e a resposta do governo para a classe artística é que os recursos não foram empenhados. Dessa forma, se não houver alteração na Lei Aldir Blanc, Governador Valadares terá que devolver a verba de R$ 1.405,548.74.

Ou seja, mesmo com o dinheiro em caixa, a prefeitura não conseguiu possibilitar que uma parcela grande de trabalhadores da cultura tivesse acesso à renda emergencial destinada pelo governo federal.

Agora, com a luz no fim do túnel apagada pela falta de gestão do órgão oficial de cultura da cidade, a classe artística deverá continuar amargando dificuldades financeiras  durante a pandemia.

**Colaborou Andréa Costa. 

 

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