Uma ação criminosa que vira e mexe volta a ocorrer em Governador Valadares fez nova vítima no dia 21 de junho. Trata-se de um esquema que aproveita a fragilidade emocional de parentes de pacientes internados em hospitais da cidade para aplicar golpes e extorquir dinheiro.
Foi o que aconteceu no mês de junho com uma servidora pública que preferiu manter o nome no anonimato. O pai dela foi internado às pressas na manhã de quinta-feira, 20 de junho, e por volta das 21 horas foi transferido para o Hospital São Lucas, no Centro da cidade.
O quadro era de hemorragia intestinal, mas apesar dos vários exames, os médicos não conseguiram identificar a origem do sangramento. O tratamento, então, começou a ser feito à base de medicamentos.
O paciente foi levado para a UTI e por volta das 17h30 de sexta-feira (21), a servidora recebeu um telefonema de uma pessoa que se identificou como Dr. Rafael Menezes. O suposto médico iniciou a conversa falando que a situação havia se agravado.
A servidora conta que a explanação foi feita de forma técnica e bastante detalhada pelo ‘médico’ do hospital São Lucas. Ela falou também que a pessoa que estava do outro lado da linha mostrava segurança e total conhecimento do quadro clínico do seu pai.
Na conversa, o suposto médico disse para a filha que um exame de sangue apontava uma evolução para leucemia, que poderia ter sido provocada pela própria hemorragia intestinal que havia acometido seu pai, ou por um fator genético.
Nesse ponto da conversa, ele chegou a perguntar se havia outros casos de leucemia na família.
Depois de expor toda a situação, ‘Dr. Rafael’ falou da necessidade de submeter o paciente a outros procedimentos de forma a conter a evolução de células cancerígenas.
Porém, explicou que devido ao prolongamento do feriado (Corpus Christi), o padrão estabelecido pelo plano de saúde ao qual seu pai estava vinculado era que o próprio paciente fizesse o pagamento para posteriormente ser estornado.
A servidora conta ainda que chegou a perguntar para o ‘Dr. Rafael’ se poderia ir ao hospital conversar pessoalmente. Mas ouviu dele que não teria disponibilidade de tempo, já que estaria envolvido em assistência a outros pacientes.
O suposto médico passou os dados de uma conta bancária. Sem duvidar, em nenhum momento, que estava sendo vítima de um golpe, a servidora fez a transferência. O valor: R$ 6.200,00.
Só no sábado de manhã, quando foi ao hospital saber se o procedimento havia dado certo, é que se deu conta que havia caído em um golpe. Também nesse dia, ela recebeu a notícia do falecimento do seu pai.
“Imagino que alguém lá de dentro esteja envolvido nisso, já que a pessoa que ligou tinha todos os dados da condição do meu pai”, disse ela, que registrou um boletim de ocorrência.
Golpistas já vitimaram outras famílias
Este não é um fato isolado em Valadares. No final de 2015, o engenheiro de telecomunicações Dirceu Santi, 44, passou algumas semanas internado por conta de um problema cardíaco. Ele precisou se submeter a uma cirurgia e, antes disso acontecer, os golpistas agiram.
Uma pessoa ligou para a mãe de Dirceu, se identificando como funcionária do Hospital Bom Samaritano, onde ele estava internado. O golpista disse a ela que, para realizar a cirurgia, era preciso pagar R$ 1.500. Ela chegou a depositar o dinheiro e, ao chegar ao hospital, descobriu que tinha sido vítima de um estelionatário.
Em agosto de 2016, a aposentada Vangeli Monteiro, 61, perdeu a filha, Karina Nairma Monteiro Prates, 30, que morreu depois de passar dias internada na UTI com lúpus, e ainda teve que lidar com a ação de golpistas.
Dona Vanja, como é conhecida, acabara de chegar do Hospital Bom Samaritano, depois de visitar a filha, quando recebeu uma ligação de uma pessoa que teria se identificado como médico.
Ele disse a ela que o estado da paciente piorou e que a filha precisaria passar por um procedimento que não era coberto pelo SUS. O golpista pediu o depósito de R$ 4.800 para a realização do procedimento.
“Eu ainda questionei porque havia acabado de chegar do hospital e o médico não tinha me dito nada”, lembrou a aposentada.
Dona Vanja contou ao genro e eles foram até o hospital, onde procuraram pelo nome do médico dado pelo golpista. Foi aí que ela descobriu que havia sido vítima de uma tentativa de golpe.
“Eles falaram o nome da minha filha e o bloco em que ela estava internada. Até hoje eu não superei a morte da minha filha e ainda tive que passar por isso. Minha filha lá, entubada, e eles me procurando para tirar dinheiro. É uma situação complicada porque se me pedissem a vida por ela, eu dava. Fiquei péssima com o fato de não respeitarem a minha fragilidade, a vida de minha filha”, lembrou a aposentada emocionada.
O que dizem os hospitais
O Hospital São Lucas disse à reportagem do O Olhar que tinha conhecimento do caso ocorrido com a servidora e que não foi a primeira vez que algum familiar cai em um golpe parecido.
Por causa disso, para prevenir familiares e pacientes, funcionários do hospital são orientados a informar que nenhum pedido de depósito é feito por telefone. Para não restar dúvidas, o responsável pelo paciente também assina um termo em que reconhece que está ciente dos procedimentos.
De acordo com o jurídico do Hospital São Lucas, os funcionários com acesso ao prontuário do paciente são considerados de confiança pela instituição.
“São funcionários antigos e não existe nenhuma conduta que os desabonem”, explicou a advogada Deise Machado Rios.
Ela disse que as informações sobre o paciente possivelmente são obtidas por criminosos digitais que invadem o prontuário eletrônico, apesar dos dispositivos de segurança. “É um golpe que acontece em hospitais em várias cidades no Brasil”, pondera.
A gerente de Qualidade do Hospital Bom Samaritano, Samilly Lima Januth, falou que todas as hipóteses sobre o golpe foram levantadas e discutidas, mas nada foi comprovado.
“Eles aproveitam o momento de fragilidade da família”, lembrou Januth, acrescentando que o Samaritano tem placas informativas nas recepções de internação, da UTI e Centro Cirúrgico.
O hospital também mantém a equipe treinada para orientar o paciente e familiares no momento da internação, com reforço redobrado na UTI, onde os golpes costumam ocorrer com mais frequência.
“Vamos agora disponibilizar essa informação no Manual do Paciente/Acompanhante. Todos são comunicados que nenhuma informação relacionada ao paciente é solicitada ou fornecida por telefone e que nenhum tipo de depósito é combinado por esse meio, somente pessoalmente”, alertou Samilly.
O que diz a polícia
A delegada Dulcilaine Alcântara Gonçalves, da Delegacia Patrimonial em Governador Valadares, disse que não dá para afirmar que se trata de ação de uma quadrilha, sendo necessário analisar cada caso para a tipificação legal, podendo ser crime de estelionato, corrupção, prevaricação e outros
“Em todo caso, também é necessário investigar possível participação de próprio funcionário do hospital, uma vez que se trata de dados sigilosos dos pacientes, que se comprovada, o hospital se torna corresponsável pelos danos patrimoniais eventualmente sofridos pela família da vítima”, argumenta.
A orientação da PCMG para os familiares é que não façam qualquer depósito bancário sem antes checar a veracidade da informação diretamente no hospital.
“Orientamos, também, que se evite postar fotos e informações nas redes sociais noticiando a situação, para evitar o acesso de estelionatários que possam hackear os dados da vítima e contatar a família”, frisa Dulcilaine.
Ela alerta que criminosos estão se aproveitando da fragilidade e do drama vivido por familiares e amigos de pacientes internados em hospitais em todo o país para conseguir dinheiro fácil, no chamado “Golpe do hospital”.
“Este tipo de criminoso se aproveita do momento delicado que a pessoa passa, cita nomes e a urgência de algum procedimento. Na agonia, os parentes acabam fazendo o pagamento e só depois se dão conta de que foram enganados”, salientou.
A delegada ressaltou ainda que a vítima deve procurar uma Delegacia de Polícia Civil mais próxima para fazer a denúncia, mesmo quando não houver o pagamento da quantia solicitada. A informação também pode ser repassada por meio do serviço 181, Disque-Denúncia. A ligação é sigilosa e anônima.
O crime de estelionato prevê pena de 1 a 5 anos de reclusão e a punição é aplicada em dobro se o delito for cometido contra pessoa idosa.