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Com conivência do MP, pontos de ônibus em GV podem levar 125 anos para serem acessíveis

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Os poucos 'abrigos' de parada de ônibus não atendem à legislação de acessibilidade, concentram-se no centro da cidade e estão depredados e emporcalhados; quase todos os bairros contam mesmo é com apenas uma placa indicativa em um poste. Foto: O Olhar

Após denúncia no Ministério Público Estadual (MPE), a Prefeitura de Governador Valadares terá que adaptar os pontos de parada de ônibus para que sejam acessíveis a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, além de implantar abrigos para as pessoas que fazem uso do transporte coletivo, conforme determinam leis e decretos estaduais e federais, incluindo o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Embora a notícia pareça boa, o acordo firmado entre a 15ª Promotoria de Justiça e o Executivo Municipal, por meio do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), nada mais é que uma gota no oceano de descaso do poder público para com os direitos de quem possui alguma deficiência ou redução da mobilidade.

Ao invés de priorizar a população valadarense que usa o serviço de transporte coletivo, a 15ª Promotoria optou em premiar a prefeitura com a obrigatoriedade de tornar acessíveis e implantar abrigos em minguados 50 pontos de parada e ainda em um prazo de quatro anos – até 25 pontos em dezembro de 2024 e a mesma quantidade até dezembro de 2026. O número contempla apenas 3,1% do total de pontos de ônibus existentes hoje na cidade.

A elasticidade do prazo é tamanha que, a permanecer esse ritmo, serão necessários 125 anos para que todos os 1.569 pontos de espera de ônibus coletivos urbanos no município se tornem aptos ao acesso e uso das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.

Denúncia

Ainda que o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência venha sendo escancaradamente violado em Governador Valadares, a iniciativa de denunciar o município visando assegurar um serviço acessível a todos não partiu do Ministério Público Estadual. Ou seja, o promotor responsável não se dispôs a ‘agir de ofício’ (por iniciativa própria), como fiscal da lei e protetor da sociedade.

A denúncia de irregularidades na execução da política urbana e na garantia da  acessibilidade foi feita em abril do ano passado pelo advogado e ativista de controle social Guilherme Jacob de Oliveira, membro do Conselho Municipal de Transparência e Controle Social (CMTCS).

Na representação protocolada no MP, o advogado denunciou a omissão do município quanto à elaboração do plano de rotas acessíveis, previsto no Estatuto da Cidade – que obriga a construção e reconstrução de calçadas pelo Poder Público -, e a não implantação de semáforos sonorizados, conforme estabelece a lei federal n.º 10.098/2000, além da inexistência de acessibilidade nos pontos de parada de ônibus, entre outros.

Após a assinatura do TAC firmado entre o MP e a Prefeitura de Valadares, o promotor da 15ª, Randal Bianchini Marins, arquivou o Inquérito Civil instaurado para apurar eventuais irregularidades denunciadas por Guilherme Jacob, alegando que “não há fundamento para a propositura de ação civil pública e tampouco interesse-utilidade na tramitação deste feito”.

Jacob discorda. No último dia nove de dezembro, ele entrou com recurso no Conselho Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais solicitando a rejeição do arquivamento do inquérito e a retificação do Termo de Ajustamento de Conduta, com a participação da 10ª Promotoria de Justiça e a inclusão de representantes do Legislativo Municipal.

O advogado pede ainda que a implantação de abrigos seguros e acessíveis seja ampliada para todos os 1.569 pontos de espera da cidade, já que, de acordo com ele, o quantitativo pactuado e os prazos estabelecidos para o cumprimento são incompatíveis com as normas que “impõem, com prioridade, a garantia da acessibilidade no sistema de transporte coletivo, violando os direitos fundamentais à vida digna e ao transporte das pessoas com deficiência e mobilidade reduzida”.

O conselheiro do CMTCS diz reconhecer a impossibilidade de se implantar, de forma imediata, centenas de abrigos acessíveis ao redor da cidade, porém, destaca que “o direito à acessibilidade ficou desprotegido com os atuais termos do TAC”.

Por isso propõe, como solução, que a Prefeitura também se comprometa, no TAC, “a elaborar e implementar política pública específica que fixe, de forma objetiva, metas e cronograma para a gradativa implantação e contínua manutenção ao longo dos anos de todo o mobiliário necessário para tornar o sistema de transporte coletivo acessível”.

Jacob lembra ainda que há mais de 20 anos a legislação impõe o dever de garantir, com prioridade, a acessibilidade de todo o sistema de transporte e do mobiliário urbano. Apesar disso, o panorama encontrado na cidade de Valadares é de  “absoluto desrespeito”, não apenas às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mas, na opinião de Jacob, “contra todos os usuários do serviço público de transporte coletivo”.

“Raros são os pontos de parada dotados de abrigos, e, quando existentes, são precários ou improvisados, não suportando a demanda, deixando a maior parte dos usuários esperando em pé, totalmente exposta aos aspectos climáticos, com iluminação nos pontos insuficiente ou inexistente para torná-los seguros no período noturno”, aponta.

Discriminação

Depredada e suja, além de não garantir acessibilidade, a parada de ônibus na rua Arthur Bernardes, Centro, até hoje conhecida como ‘ponto final’ da concessionária, é apenas mais uma em situação de abandono no município. Foto: O Olhar

O ativista afirma ainda que o TAC pactuado entre o MP e a Prefeitura “constitui verdadeira discriminação entre os próprios habitantes com deficiência e mobilidade reduzida que moram em diferentes pontos da cidade e entre estes e pessoas sem deficiência, visto que a implantação de meros 50 abrigos inevitavelmente privilegiará determinados locais e bairros da cidade em detrimento de outras regiões”.

Isso resultaria, de acordo com Jacob, “uma situação em que apenas um grupo de pessoas, especialmente pessoas sem deficiência, terão o pleno direito ao transporte e à mobilidade urbana, contrariando frontalmente o sistema normativo de proteção àquelas”, finaliza.

O que diz o MP

Por meio de e-mail, a reportagem do O Olhar entrou em contato com o Ministério Público para que o promotor da 15ª Promotoria de Justiça pudesse esclarecer sobre o número reduzido de pontos de parada acordado no TAC, bem como o arquivamento do inquérito. No entanto, o órgão se limitou a responder que “o MPMG não irá se manifestar sobre o caso”.

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