É Mais Bonito Assim

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é mais bonito assim
Imagem: Reprodução/Internet

Viver é perigoso, já diziam as palavras da grandiosa obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Acrescentaria ao escritor e criador de Riobaldo que viver é misterioso, como já havia dito em outros textos meus, sejam eles de crônicas, contos ou romance. E o motivo de acrescentar tal termo diz respeito, talvez, a minha capacidade, mesmo que não tão forte assim, de me admirar e espantar com as coisas. Não me permitir ao banal, não considerar tudo que nos cerca como algo comum, já visto, não possibilitando mais pensar a respeito. Eu ainda consigo me admirar de muitas coisas, confesso. E uma delas é a vida.

Ainda na infância imaginava que teria a resposta sobre isso em Deus. No primeiro livro da bíblia, em Gênesis, essa resposta seria mais clara, pois, como o nome diz, ali está a origem de tudo. Só não considerei que Deus não tivesse, digamos assim, a didática de explicar literalmente, deixando seus alunos mais confusos do que certos, coisas da filosofia. Sim, Deus deve ser filósofo, anotei isso no meu caderno com meu lápis HB.

Mas quando cheguei a essa conclusão ali pelos meus sete anos, com menos luz e algum firmamento, tive a descoberta de outras coisas da vida, o fim dela para ser mais preciso. Quando cheguei a essa constatação, fiquei ainda mais admirado, perplexo, entre pipocas, canetas azuis da escola e filmes da Sessão da Tarde. Lembro perfeitamente da notícia do Fantástico, aquele semanário da TV Globo, dizendo que alguém havia falecido, morrido, deixando de ser. Perguntei ao meu pai o que aquilo significava e não obtive resposta. Logo meu pai, a quem eu devotava o refúgio de sabedoria, dessas que não se obtém títulos, porém, com muito mais valor, ele, apesar disso, não me disse. Retirei a categoria de filósofo de Deus e o coloquei como um roteirista de filme de suspense. Da Sessão das Dez ou da Sessão Coruja, ou qualquer exibição de noite e mais tarde. Assustador.

Andei um pouco mais pela vida, envelheci, mais estava no auge da adolescência. Nesse momento, as amizades ficaram mais reais e proveitosas, e deixei de lado a ideia da morte para curtir o propósito da vida. Então, ao me ver rindo gratuitamente, sem qualquer sentido, em volta de amigos, logo percebi: Deus deve ser um parça! Claro, como não pensei nisso antes. Por isso quando Jesus veio aqui habitar ele logo se fez amigo de muita gente. Parça melhor não há, não é? Talvez a idade média, as vítimas das cruzadas e os assustados diante do negacionismo, não concordem com isso. Admito, fica difícil de concordar com estes contextos. Mas podemos dizer que não foi bem Ele quem fez tais coisas. Nem aqui estava! Foi em nome Dele, é verdade. Mas não existe documento histórico que aponte para uma procuração cristã dada a estes adoradores do caos. Não li isso em nenhum versículo. Então, conclui: Deus é parça. Os outros que fizeram aquilo que não entenderam a brincadeira.

Mas este conceito deixou de ser quando eu conheci você. Sim, aquilo mudou profundamente minha alma. Viver já não era mais perigoso, Deus não era mais uma filosofia, uma amizade, um cavaleiro templário e, tampouco, um terraplanista apaixonando por cloroquina. Quando compreendi a metafísica por trás da casca humana, do corpo que anda, daquilo que se reflete na imagem do espelho, pude entender que sim, a vida é amar. Ah, como é lindo descrever em poesia a sua forma de ser. Ouvir essas palavras das vozes a quem se dedica a arte do Cupido, do Eros, qualquer Deus romântico por aí, é uma música que conforta as sensações. Sim, essa conclusão foi demasiadamente perigosa aqui, sinto minha garganta saboreando a lâmina das redes sociais, ao me inquirir e condenar nessa heresia. Olha para vocês verem e refletirem: eu disse que Deus é amor. Não o amor ao dízimo ou as ofertas, mas ao próximo mesmo. Sim, Deus é um poeta. Ah, se eu falasse a língua dos anjos, se eu falasse a língua dos homens, sem amor eu nada seria.

E não foram por sete dias, na cosmogonia hebraica, que fiquei a refletir sobre esse assunto. Aquela imagem diante de mim foi forte o suficiente para uma transcendência. Uma metafísica sutil que arrepiaria até Platão. Porque, ao que parece, a engenharia divina nos construiu para sentir aquilo que ele guardou a sete chaves. Toda ciência fica sem explicação, um segundo sol pode surgir, um evento cósmico pode ocorrer, porque quando um sentimento assim toma posse da nossa alma, não existe mais eixo gravitacional a nos reposicionar e prender, no que derrubo Newton e elejo Goethe como um paladino do romantismo ímpeto e tempestuoso de amar alguém. Uma impetuosidade da vida que aponta ser que o mais importante é você. Deus é foda e é da literatura.

A vida é um mistério e perigoso é admitir a verdade de muitas coisas. Eu me admiro com os dias que se vão, o tempo que se esgota, a música que repete em meus ouvidos. No final o importante não era saber a natureza de Deus, a filosofia ensinada, as amizades que se fez, e tudo que se viveu. O essencial da vida era apenas viver, sem liturgia e orações, cânones e promessas, pérolas de pedra ou madeira, a desenhar um terço que se forme. A vida é misteriosa, perigosa, mas além disso, ela é breve. Ao invés de perguntar, diga. No lugar de prestar seus tributos ao oculto, revele-se. Ao orar, cante a alguém. Ao escolher um Deus, escolha o próximo. Ao ser você, seja. Ao descobrir essa poesia, corra. Corra, porque não há nada mais bonito na vida do que um último verso cujo significado seja você. Esse deve ser o sentido. Se não for, fica sendo. É mais bonito assim.

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