HUMANO – SOBRE O CONFLITO, O PERDÃO E A PAZ

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humano - sobre o conflito, o perdão e a paz
Marco Aurélio, imperador romano. Imagem: Divulgação/Internet

“Com ele aprendi apaziguar-me com facilidade, reconciliando-me prontamente com aqueles que me desagradassem ou ofendessem, assim que estivessem dispostos a fazer a paz. ” Na compilação das reflexões do imperador Marco Aurélio, logo na primeira parte da obra, nos deparamos com essa postura desafiadora. Ora, acredito que, em qualquer tempo, seja muito difícil suprimir o rancor contra aqueles que nos causaram algum dano. Talvez seja até razoável pensar que “ok, é melhor deixar para lá”, mas sentar novamente à mesa com um desafeto e torná-lo um aliado é proeza para poucos e exige rara sinceridade de todas as partes.

Em um texto posterior, pretendo discorrer sobre o estoicismo, linha filosófica que tem como uma de suas grandes referências a citada obra, Reflexões de Marco Aurélio. Hoje, a reflexão está no perdão. Pois bem, se o pensamento estoico nos leva a compreender, em linhas gerais, que o foco deve estar em tudo aquilo que pode ser controlado pelo indivíduo, perdoar é uma ação que está sujeita ao nosso controle e conhecimento.

Primeiramente, é importante aceitar que eu e você, que me lê agora, também infringimos sofrimento e que, portanto, ainda que não percebamos, devemos alguns pedidos de perdão por aí. Não é segredo que a atual dinâmica social pode proporcionar mais conflitos do que aquela realidade vivenciada pelo imperador no século II a.C., Marco Aurélio, mesmo tendo que lidar com o perigoso jogo de poder romano, não tinha discussões pelo WhatsApp, não fazia comentários políticos agressivos na rede social dos conhecidos e desconhecidos, tampouco estava disposto a convencer todos a seu redor a pensar exatamente como ele.

Nesta terceira década do século XXI as coisas se mostram mais complicadas, pelo menos neste aspecto.  As possibilidades e ferramentas para ofendermos e sermos ofendidos parecem ser infinitas, bem como a nossa pré-disposição em assumir uma postura hostil a tudo aquilo que não nos convém. Não precisamos ser iguais, mas é necessário emanar pelo menos alguma bondade. Novamente, eu e você, que permanece lendo até aqui, não podemos nos colocar como modelos de conduta e comportamento. A provocação vale para todos.

Mas uma coisa é certa, nesse mundo com grande potencial para fazer o mal, chego a estremecer quando me falam que é para ter paciência, pois “no fundo fulano é bom”.   Precisamos nos esforçar para ser bons desde a superfície, pois a degradação das relações humanas no mundo contemporâneo exige de nós uma ruptura com essa obsessão pelo conflito. Se existem pesquisas que indicam que a felicidade está ligada à qualidade das nossas interações sociais, estamos investindo grande parte dos nossos recursos na infelicidade. Os frutos podemos enxergar em qualquer lugar, estão sendo cultivados há anos, décadas, séculos.

Não se trata de ser tolo ou de se fechar os olhos para tudo. O enfrentamento, não raras vezes, é um instrumento legítimo de luta, contudo, a energia deve ser investida naquilo que de fato é importante. Também não é sobre estar sempre de mãos dadas com quem recorrentemente causa estragos aos outros. Jesus disse que devemos perdoar um irmão até setenta vezes sete e, é claro, ele não estava brincando.

A mensagem é atemporal, porém, no mundo de hoje, diferente do de Marco Aurélio, o perdão, muitas vezes, não exige o sentar à mesa, mas preza pelo discernimento de deixar a outra pessoa ir, sem ter nada o que provar, sem a necessidade de sofrer ou fazer sofrer. Se voltamos para a vida de alguém que ofendemos ou se deixamos alguém voltar, ótimo, se não, ótimo também, pois perdoar não garante a transformação de nenhum ator envolvido na trama da vida, mas mostra que há esperança em criarmos um mundo menos estúpido.

O imperador se dispôs sempre a fazer a paz, esta não exige de ninguém uma compadrice doentia, mas a liberdade de se conviver com quem quisermos. Perdoar é, antes de tudo, gesto de amor à frágil humanidade, para mais, também é um ato de amor próprio.

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