O fuxico

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“Um país em que o Hino Nacional começa com um fuxico, não pode ser sério”.

Postei essa frase no Facebook dia desses e foi o bastante para receber as manifestações espontâneas dos amigos daquela rede social. Faço questão de adicionar apenas quem eu conheço e tenho contato. Portanto, sei a personalidade e orientação política de cada um e cada uma adicionado naquele perfil.

Evidente que eu estava fazendo uma alusão ao fato de o hino começar com o pretérito perfeito “ouviram”. Longe de tentar denegrir um dos quatro símbolos oficiais da República Federativa do Brasil, minha questão é semântica e irônica.

A grande maioria entendeu e aplaudiu. Duas amigas não entenderam e outra, que foi vizinha de infância e adolescência, que quando jovem se mudou para os Estados Unidos, demonstrou ser extremamente agressiva diante da postagem. Passou a falar sobre política, governos e até foi verborrágica citando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Para quem não entendeu eu expliquei: O uso do verbo ouvir no pretérito perfeito (ouviram) transforma o sujeito em sujeito indeterminado, embora não tenha na frase objeto direto. Ou seja: Quem ouviu? Quem estava lá? Quem foi que contou? Sendo assim, pode-se dizer que se trata de um grande fuxico.

Um dito que, baseado em inverdades, é disseminado com o intuito de prejudicar alguém: mexerico, fofoca ou intriga. Não ouso contestar a arte de Pedro Américo, denominada “”O grito do Ipiranga”, fruto da escola romântica e que aliás foi pintada em Florença, na Itália, onde vivia o artista.

Mas a atmosfera militar e ufanista do quadro já foi fruto de diversas pesquisas e o fato é que vários elementos ali retratados não correspondem à realidade.

A repercussão da minha postagem no Facebook nos remete ao fato de que o mito da generosidade do povo brasileiro se desfaz cada dia mais. Uma grande ofensiva conservadora obriga a sociedade a debater direitos fundamentais como a liberdade e igualdade.

Parece que o termo garantias constitucionais é apenas uma metáfora e isso leva as pessoas, muitas ignorantes, a questionar esses direitos. A liberdade de opinião é um desses direitos, por exemplo.

Mas o que cabe ressaltar nesse texto é simplesmente que a manifestação do livre pensamento pode resultar em uma ação de conflito involuntária ou pior: incentivada. Uma espécie de túnel do tempo capaz de nos transportar para 1964.

Nasci seis anos depois, porém lúcido, aplaudi aquele 15 de janeiro de 1985, embora o processo de eleições indiretas não fosse ideal. Estudante secundarista em Brasília, militante da União Nacional dos Estudantes (Une), colhi os louros do movimento Diretas Já e enfim, em 1988, vi a Constituição Cidadã ser promulgada pelo saudoso Ulysses Guimarães. Fruto de uma luta que durou mais do que os 18 anos que eu tinha na época.

Por isso e por muitas outras questões que julgo, por ora, desnecessário contextualizar, não consigo imaginar qual o rumo desse país. A saúde acometida por um vírus sem precedentes e as pessoas nas redes discutindo a origem da vacina.  Pior: se vão ou não se vacinar. Pessoas questionando e banalizando a ciência da mesma forma que o fazem com a filosofia e as artes.

Vou me ater às minhas redes sociais, entendendo que lá, pelo menos lá, terei a faculdade de manter ou não meus adicionados. Por ora, pelo menos lá, ainda tenho o domínio do que vou ou não publicar.

** Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do O Olhar.

 

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