O Último Tango em Paris (ou em Doha)

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O Último Tango em Paris (ou em Doha)
Foto: Instagram/@fifaworldcup

O último tango certamente não foi em Paris, mas em Doha.

O compasso dessa música e dessa cadência, em jogo épico deste domingo, uma verdadeira epopeia até parecendo um dos contos das mil e uma noites de Sherazade, só terminou quando um raio de luz em campo chamado Lionel Messi conquistou o triunfo para a Argentina de Carlos Gardel.

Se Sherazade conseguiu driblar o sultão Shariar evitando sua execução – destino até então reservado a todas as esposas do califa -, os pés mágicos de Messi conseguiram superar os franceses e seu talento em campo acionou a guilhotina para liquidar os competidores numa partida que mais parecia as batalhas estratégicas de Napoleão Bonaparte.

O domingo, 18 de dezembro, fica gravado na história como o “El dia em que mi quieras” ou dos acordes do “Mano a Mano” de Carlos Gardel:

“Mientras tanto, que tus triunfos, pobres triunfos pasajeros/ Enquanto isso, que seus triunfos, pobres triunfos temporários/ Se dio el juego de remanye cuando vos, pobre percanta / O jogo ocorreu quando você, pobre perdedor”.

A grande final da Copa do Qatar, ao contrário da aparente personificação do tango – sinônimo de paixão, melancolia e tristeza – na verdade consagrou mundialmente o futebol argentino, a exemplo da verdadeira essência do tango: um pensamento triste que se pode dançar.

Nos pés de Messi o futebol ganha um ritmo compassado, curto, certeiro e mortífero como o bandoneon de Astor Piazzolla.

E a aparente melancolia daquele olhar do craque perdido no horizonte, na verdade revela o matador frio da presa, mas sem perder a ternura do profissional que tem foco, raça na defesa de sua seleção e que não esnoba um fanático torcedor que invade o campo ou a criança que pretende tirar uma selfie ao lado do ídolo, sempre blindado por seguranças.

Humildade na vitória e indulgência na adversidade. Esse é o Lionel Messi que conquista sua primeira Copa do Mundo e tem seu nome colocado no Panteon dos grandes craques de todos os tempos, como Pelé e seu compatriota Maradona.

O último tango em Doha não teve a melancolia e a tristeza das canções de Carlos Gardel.

Os lances memoráveis de Messi, a jovialidade de Enzo Fernandez e a cidadela invencível do goleiro Dibu Martínez, coadjuvados pela força centrífuga de Di Maria, protagonizaram em campo aquela explosão de ritmos que o tango herdou das distintas experiências musicais.

E assim a mais empolgante e fatalista das finais das Copas de todos os tempos teve uns acordes de polca europeia, de havaneira cubana, de candombe uruguaio e de milonga espanhola, ritmos do caldeirão musical que firmaram o nascimento do tango argentino.

Lionel Messi maravilhou o mundo do futebol, e ao estilo do tango argentino, transformou a final da Copa numa dança sensual e ao mesmo tempo trágica, elegante e performática, em que a emoção prevaleceu em todos os segundos e minutos da partida, do início ao fim, com o rival francês Mbappe, i iluminado no palco do gramado pelas luzes da ribalta.

O último tango em Doha foi a última esperança de Paris. A Avenida Champs Elissés acabou esvaziada na capital francesa, ao passo que Buenos Aires fervilhou e explodiu como o  vulcão Cerro Tronador de Bariloche.

No filme de Bernardo Bertolucci, os acontecimentos iam fugindo do controle dos dois personagens centrais, Paul, vivido por Marlon Brando e Jeannie, estrelada por Maria Schneider, e a relação de ambos numa casa de tango em Paris termina em tragédia.

Mas no Estádio Nacional de Lusail, neste último domingo, por conta do futebol fantástico de Messi – que parece ter um imã na ponta da chuteira ligado por um fio invisível que não deixa a bolar sair de seus pés -, o último tango em Doha não terminou em tragédia, mas sim em explosão de entusiasmo e alegria para o mundo do futebol.

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