Na última sexta-feira (9), o cidadão Marlon Nunes de Assis esteve na Câmara Municipal de Governador Valadares, acompanhado por membros da Asugov (Associação dos Surdos de Governador Valadares), para relatar um episódio que, segundo ele, evidencia a falta de inclusão e acessibilidade para pessoas surdas em serviços públicos de saúde da cidade.
Durante a sessão, a vereadora Fernanda Braz (DC) exibiu um vídeo em que Marlon narra o ocorrido na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Vila Isa, onde buscou atendimento na semana anterior. De acordo com ele, apesar de ter informado à recepção sobre sua surdez e solicitado que fosse chamado por meio da Língua Brasileira de Sinais (Libras), esperou por horas sem ser atendido.
“Expliquei que era surdo e precisava ser chamado na minha língua, a Libras. Fiz a ficha e fiquei esperando. Voltei à recepção para reclamar da demora, e a atendente disse que já havia me chamado várias vezes. Mas como eu iria ouvir se sou surdo? Vi todos os ouvintes sendo atendidos, e eu não. Fui à médica e expliquei tudo de novo”, contou ele.
Marlon também destacou a dificuldade de garantir um intérprete por conta própria e cobrou do poder público mais compromisso com a acessibilidade: “Existem leis que garantem esse direito. Falta empatia. É perigoso até o médico receitar um remédio errado por falta de comunicação”, alertou.
A fala dele faz referência a legislações importantes, como a Lei nº 10.436/2002, que reconhece a Libras como meio legal de comunicação e expressão da comunidade surda, e a Lei Federal nº 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que determina, entre outros pontos, o dever de órgãos públicos garantirem atendimento adequado em Libras.
Confira o vídeo

O que diz a UPA
Procurada pela reportagem do O Olhar, a Beneficência Social Bom Samaritano (BSBS), responsável pela administração da UPA do Vila Isa, enviou nota com esclarecimentos sobre o caso. A íntegra do posicionamento pode ser lida ao final desta matéria. Segundo a instituição, o paciente deu entrada na unidade no dia 8 de maio, às 11h42; passou pela triagem às 12h42; foi atendido por um médico às 15h34; e recebeu alta às 16h14, tudo no mesmo dia.
Ainda conforme a nota, Marlon foi classificado como “verde” pelo Protocolo de Manchester, o que indica um caso não grave e com tempo de espera estimado em pelo menos duas horas. A BSBS também explicou que, em unidades de urgência e emergência, os pacientes com classificação amarela ou vermelha são atendidos com prioridade, o que pode ampliar o tempo de espera para os demais.
A direção ressaltou que vem realizando investimentos em acessibilidade: “Entendemos a importância de garantir autonomia aos pacientes. Já instalamos corrimãos e elaboramos um protocolo específico para atendimento a pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Além disso, está em andamento um projeto de inclusão de Libras na unidade”, disse a instituição, sem informar prazo para a implementação do serviço, como determina a legislação federal.
Apelo
O caso levanta um debate sobre o preparo das unidades de saúde pública para acolher, com dignidade e eficácia, pacientes com deficiência auditiva. A presença de um intérprete de Libras ou o treinamento básico dos profissionais para situações como essa pode ser a diferença entre um atendimento humanizado e uma experiência de exclusão.
Marlon encerrou sua fala, no vídeo exibido na Câmara, com um apelo: “Peço às autoridades que olhem para a comunidade surda em Valadares e nos auxiliem. Existem cursos gratuitos de Libras na cidade. Falta de respeito é chegar num lugar e não ser atendido por falta de alguém que fale a nossa língua”.
Braz apresenta projeto
Para a vereadora Fernanda Braz (DC), a situação vivida por Marlon não é exceção, mas apenas mais uma evidência de que os serviços de saúde ainda não estão preparados para acolher a todos com o devido respeito.
Ela informou que apresentou um projeto de lei para reforçar, no município, as legislações federais, tornando obrigatório o atendimento em Libras nas unidades de saúde do SUS em Governador Valadares. “Essa proposta nasce do cotidiano de pessoas com deficiência auditiva que, ao tentarem acessar um direito básico, como o atendimento em saúde, enfrentam barreiras que comprometem a dignidade e a autonomia”.
O projeto, segundo ela, trata ainda de medidas possíveis e necessárias: capacitação básica de servidores, uso de tecnologia assistiva e parcerias com entidades da sociedade civil. “Mais do que viável, é urgente. Porque ser atendido com respeito e compreensão não é gentileza, é justiça”, afirmou.
Libras na Câmara
Por requerimento da vereadora Sandra Perpétuo (PT), a Câmara Municipal passará a contar com um intérprete de Libras durante as sessões do plenário, ampliando o acesso ao público com deficiência auditiva.
Veja, na íntegra, a nota da BSBS
– Sobre a queixa do paciente Marlon Nunes Assis –
A Beneficência Social Bom Samaritano (BSBS), responsável pela administração da UPA, esclarece que o paciente deu entrada na UPA dia 8/5 às 11h42 quando fez a ficha. As 12h42 passou pela triagem e as 15h34 foi atendido pelo médico, recebendo alta as 16h14 após a medicação, tudo no mesmo dia, o que significa que o paciente foi atendido e todas as suas necessidades médicas também, sem comprometimento.
O paciente foi classificado como verde pelo Protocolo de Manchester, o que significa que não era grave, com previsão de espera de pelo menos duas horas. Mas, como se trata de uma unidade de urgência e emergência esse tempo de atendimento pode ser maior, porque os pacientes classificados como amarelo e vermelho serão atendidos com prioridade.
A BSBS atende o artigo 22 da Lei 13.146 que prevê que “à pessoa com deficiência internada ou em observação tem assegurado o direito a acompanhante ou a atendente pessoal, devendo o órgão ou a instituição de saúde proporcionar condições adequadas para sua permanência em tempo integral”, o que foi garantido ao paciente. Ele chegou sozinho, mas já no atendimento médico tinha um acompanhante ao seu lado.
A BSBS está investindo em acessibilidade porque entende a importância de garantir autonomia aos seus pacientes. Atualmente já foram instalados corrimões da portaria até o acesso superior para melhor acessibilidade dos pacientes. Além disso, já elaborou e colocou em prática um protocolo do Transtorno do Espectro Autista (TEA), sobre como deve ser o atendimento para este paciente e está em andamento o projeto de inclusão de libras.