Coluna Sorrindo o leite derramado
Até lá demoramos quatro horas e meia. Distância suficiente para sentir a mudança do clima – muito mais fresco e agradável. Muda também a paisagem, os cafezais em florada encantam os olhos.
Chegamos em Alto Jequitibá! O nome imponente e poético insinua uma cidade poderosa e gigante… Como os nomes enganam! Na verdade, é uma cidade pequena e simpática, com o nome bem poético.
O povo daqui teve a sabedoria de lutar contra a mudança do nome. Sim, quiseram colocar o nome de Presidente Soares, em homenagem a um ex-presidente da província, mas não vingou! Alto jequitibá é muito melhor! Podia servir de exemplo pra galera de Governador Valadares, não?
A cidade não mudou nada! Da última vez que viemos estava do mesmo jeitinho. Mas as memórias que esse lugar nos traz são muito alegres e afetivas. Nem importa muito as casas marcadas com manifestações em favor de um certo candidato retrógado…
Viemos numa comemoração muito especial. A tia de Stela – Tia Zizi, está completando 101 anos! Isso mesmo, mais de um século de existência! Não é extraordinário? Quantas vezes na vida podemos ir a uma comemoração assim?
Lembro-me de ter vindo a uma festa em que Zizi comemorava jubileu de ouro (eu acho…) de seu magistério! Foi uma data muito bonita porque o ofício de professor exercido com tanta perseverança e esperança é para ser comemorado mesmo!
O que esperar de um ancião centenário? Fomos para lá imaginando uma velhinha frágil, esquecida e claudicante. Talvez usando bengala ou até cadeira de rodas.
Qual o quê! Zizi está uma potência! A veterana mestra ainda está batendo um bolão!
Espevitada, se locomove sem ajuda pela casa toda. Claro já não faz mais tarefas que possam colocar em risco sua integridade: “Não faço loucuras, meu filho!”.
Até meio exibida! Porque gosta de mostrar como a memória está funcionando! Lembra de detalhes de nossas visitas: “Daquela vez o carro do Darlan quebrou…”. E eu nem lembrava disso! Meu cunhado Élvio provoca e pede detalhes de momentos históricos: Como foi o ambiente na cidade na época da guerrilha do Caparaó? Ela não se inibe e conta com detalhes do vizinho que tinha um filho… Da professora que era casada com um militar… e assim vai fazendo um panorama histórico e dando um show!
Se a gente pensar, ela viu a velha república ruir, a ditadura do Getúlio, o suicídio também! Depois a ditadura Militar, a retomada da Democracia… ela viu todos os cinco títulos da Copa do Mundo do Brasil! Viu Surgir a TV e agora está vivendo na época do 5G! Viu o homem pisar na lua, acompanhou o reinado da Rainha Elizabeth inteiro! A carreira dos Beatles, do Elvis Presley, do Michael Jakson… Viu as feministas queimarem sutiãs, as mulheres conquistarem o voto, a inauguração do Cristo Redentor!
Tia Zizi é testemunha da história, mas seu maior mérito é ser referência da sua família e até da sua cidade. Pois ser uma professora centenária, que ainda se orgulha do seu ofício, é maravilhoso e nos enche de esperança!
Ah! E ela é progressista! Não suporta fascismo! Claro, Zizi viveu duas ditaduras!
Foi uma viagem inesquecível e carregada de simbolismos!
Já combinei com Zizi que no aniversário de 110 anos vamos fazer um Podcast sobre a história do Brasil! Tenho que me cuidar pra chegar até lá!
