Exatamente hoje, dia 2 de março, completa um ano da inauguração da nova captação de água em Governador Valadares. A adutora, construída pela Fundação Renova em reparação ao crime ambiental praticado pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, em 2015, ainda não cumpre sua função de fornecer água limpa a parte da população. Aliás, não fornece água nenhuma.
Um fato que deveria ser investigado urgentemente pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG): servidores do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) afirmam que nem uma gota de água teria chegado, até o momento, na Estação de Tratamento de Água (ETA Central) que fica dentro da autarquia. Para eles, durante a inauguração das obras, as imagens que mostraram, em tempo real, a água captada no Rio Corrente chegando à ETA não teriam passado de “pura encenação”, ou seja, uma farsa.
O que aconteceu
O prefeito de Governador Valadares, André Merlo (União Brasil), esteve na solenidade de inauguração da nova captação de água, onde fez fotos, deu entrevista, falou para os presentes, participou da contagem regressiva [vídeo abaixo] e apertou o botão que simulava o início da operação da adutora. Do local, imagens foram transmitidas mostrando a água chegando pela primeira vez na Eta Central do Saae, um momento bastante comemorado pelo prefeito, que acreditava estar gravando seu nome naquele que seria “um dia divisor de águas para o desenvolvimento de Valadares“, conforme suas próprias palavras.
Um ano depois, no entanto, o prefeito reconhece publicamente que a cidade ainda capta do rio Doce 100% da água distribuída para a população valadarense. “Foi construído [adutora], segundo a Renova está pronto, mas não entrega com funcionalidade a obra”, discursou André Merlo durante o Fórum Permanente dos Prefeitos da Bacia do Rio Doce, no último dia 21.
As declarações do prefeito vão em direção contrária ao que afirma a Fundação Renova. Procurada pela reportagem, a empresa que representa a Vale/Samarco/BHP informou, por nota, o seguinte: As obras da nova adutora de Governador Valadares foram concluídas, incluindo a interligação das Estações de Tratamento de Água (ETA): Central, Vila Isa e Santa Rita. Atualmente a nova captação está funcionando em fase de operação assistida, coordenada pela Fundação Renova e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE).
Servidores do Saae, que terão seus nomes preservados, também negam o posicionamento da Renova e afirmam que até a última sexta-feira (1) a nova adutora não operava de forma assistida e conjunta.
- A construção da adutora no rio Corrente Grande começou em julho de 2018.
- A previsão para entrega do serviço era março de 2021.
- As obras da adutora foram paralisadas mais de uma vez e durante a pandemia tudo ficou mais lento.
- Seis anos depois, as informações da Fundação Renova não batem com as do governo municipal.
- Um ano após inaugurar a nova captação de água, prefeito André Merlo passa a criticar a fundação e diz que sistema não funciona.
- A construção da captação alternativa em Valadares, como reparação aos danos causados ao município, foi uma exigência da ex-prefeita Elisa Costa. O anúncio foi feito no dia 2 de outubro de 2016.
Como começou
O crime ambiental ocorrido em novembro de 2015, resultado do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, MG, além das várias mortes que provocou, deixou as águas do rio Doce contaminadas e sem vida, comprometendo a principal fonte de captação de água de Governador Valadares e de outros municípios.
Em fevereiro de 2016, a então prefeita Elisa Costa (PT) apresentou para a cidade e região um balanço dos reflexos no município, com estimava inicial de prejuízo público de R$ 153 milhões – não incluídos danos ambientais e recursos para pagamentos de indenizações. A maior parte dizia respeito ao abastecimento de água, adaptação da alimentação escolar, assistência médica e despesas da prefeitura para auxiliar a população que ficou sem água tratada nas torneiras por uma semana.
Na lista de compensações exigidas pela prefeita para amenizar os impactos do acidente, estava a construção de uma adutora alternativa no rio Suaçuí Grande, que traria água para a Eta Central num percurso de 22 km. Em outubro de 2016, a fonte de captação foi confirmada oficialmente pela Prefeitura e Fundação Renova. Elisa Costa disse, na ocasião, que a escolha foi determinada após estudos da Agência Nacional das Águas (ANA).
A adutora teria investimentos de R$ 150 milhões, cerca de 22 km de extensão e vazão de 900 litros por segundo, garantindo 100% da capacidade da ETA. Uma vez em operação, a captação representaria cerca de 70% de redução da dependência do abastecimento pelo rio Doce. Com isso, a cidade teria uma capacidade hídrica de 170% para atender a população. O acordo previa prazo de três anos para conclusão da obra.
Mudança de rio
Já em 2017, quando o prefeito André Merlo assumiu pela primeira vez a prefeitura de Governador Valadares, foi pedido por ele, em setembro, que o local da instalação da adutora fosse mudado do rio Suaçuí para o rio Corrente Grande. O governo alegou que estudos feitos pela própria administração apontavam que o novo local daria agilidade à obra e evitaria custos com desapropriações de áreas.
Definida a nova fonte, o percurso passou a ser de 38 km. A obra começou em julho de 2018, como medida de compensação dos rejeitos de minério despejados no rio Doce. Em ritmo lento, as tubulações começaram a ser implementadas e sete ruas dos bairros Santa Rita, Vila Bretas, São Paulo, Santa Terezinha receberam mais de 5 mil tubos. Tubulações também passam em parte da área central da cidade.
O Saae capta do rio Doce, hoje, entre 900 a 1200 litros de água por segundo. A promessa é a nova adutora retirar do rio Corrente Grande 900 l/s e enviar para tratamento nas estações Central, do Vila Isa e do Santa Rita.
Enquanto o sistema não entra, de fato, em funcionamento, os moradores de diversos bairros do município continuam a sofrer com a escassez de água potável e a dependência de caminhões-pipa – insuficientes para a grande demanda na cidade – para suprir suas necessidades básicas.
A aparente ineficácia na resolução do problema, por parte da Fundação Renova e do atual governo, demonstra a necessidade de uma investigação rigorosa para apurar as razões por trás do atraso na operação da nova captação e garantir que a população de Valadares tenha acesso a um direito básico e fundamental: água limpa e segura.
Outro lado
A Prefeitura de Governador Valadares também foi procurada para comentar o assunto, mas não deu retorno.