A crise financeira pela qual passa o país e o anúncio de economia nos cofres da Câmara Municipal feito pelo presidente Paulinho Costa (PDT), assim que assumiu as rédeas da Casa Legislativa, em janeiro do ano passado, não foram empecilhos para os vereadores gastarem ‘quase’ R$ 90.000,00 com diárias de viagens, de março a novembro de 2017.
‘Quase’, porque não foi possível confirmar com exatidão os valores, já que a Câmara Municipal enviou dados diferentes, para mais e para menos, dos apurados pelo O Olhar no Portal da Transparência do Legislativo. Mais de 15 dias após o pedido de retificação, a Câmara não deu nenhum retorno até a publicação desta matéria.
Além disso, a Câmara ainda não fechou as despesas do mês de dezembro, apesar de estarmos em março de 2018. E mais: nesta quinta-feira (8) retirou do Portal da Transparência o relatório das diárias de viagens referente ao ano passado. O motivo não foi informado pela assessoria de comunicação da Casa.
Viagens
Ao contrário do que ocorre em outras câmaras municipais, a principal justificativa para as viagens não foram os cursos de aperfeiçoamento, mas sim as visitas a órgãos públicos ou a deputados. O valor total até que não foi muito alto, quando comparado com outros legislativos.
Mas o que causa estranheza é a frequência com que alguns vereadores viajam e o tempo que permanecem fora de Valadares, o que pode levantar suspeita de que as diárias são usadas como complemento de renda. Também não existe rigor na comprovação dos deslocamentos e das despesas realizadas.
Pela apuração do O Olhar (conforme o Portal da Transparência da Câmara), quem mais recebeu para viajar foi o vereador Regino Cruz (PTB): R$ 9.360,00. O destino principal foi a capital mineira, Belo Horizonte, onde ele esteve nos meses de março, junho, julho, agosto, setembro e outubro.
Ao todo foram 26 diárias e a justificativa padrão foi “visitar vários deputados e secretarias” ou resolver “assuntos de interesse do município”. Em três ocasiões, ele permaneceu de segunda a sexta-feira em Belo Horizonte. Em uma das viagens, utilizou motorista da Câmara, que recebeu diária de R$ 1.150,00.
O vice-campeão de diárias foi o vereador Rildo do Hospital (PSC). Ele gastou, dos cofres da Câmara, R$ 8.416,92 para viajar nos meses de abril, maio, julho, agosto, outubro e novembro. Em outubro, também ficou uma semana inteira (dias úteis) em Belo Horizonte, em reuniões para tratar de ‘assunto de interesse da municipalidade’. A cada dia, ele foi indenizado em R$ 360,00.
O presidente da Câmara, Paulinho Costa, não ficou muito atrás. Gastou R$ 8.271,15 com suas viagens e pelo menos mais R$ 7.000,00 com despesas com motoristas e assessores que receberam para acompanhá-lo. O vereador se ausentou do município em sete meses para audiências em diversos órgãos públicos na capital mineira e para tratar de ‘assuntos de interesse da municipalidade’. Ao todo, consumiu 20 diárias.
Já os gastos de R$ 5.896,92 do vereador Júlio Avelar (PV), líder de Governo na Câmara, o deixaram na 5ª posição. Uma de suas viagens, porém, chama a atenção por ter sido feita no final de semana. Ele recebeu verba pública para resolver ‘assuntos de interesse da municipalidade’, inclusive no sábado e domingo, quando todos os órgãos públicos encontram-se fechados. Avelar viajou entre os dias 26 a 29 de agosto (sábado a terça), quando esteve em Belo Horizonte e na cidade histórica de Ouro Preto.
Por outro lado, os parlamentares Marcílio Alves (PMDB) e Waldecy Barcellos (PP) não solicitaram nenhuma diária de viagem em 2017.
Marcílio Alves justificou que não houve necessidade de sair da cidade. Ele disse que resolve interesses do município junto à deputada Celise Laviola (PMDB), que todo final de semana está em Valadares, onde mora. O vereador Barcellos, que está em seu primeiro mandato, contou que preferiu não viajar em 2017, e que as demandas que chegaram até ele foram tratadas aqui mesmo no município. “Deixei o primeiro ano para pegar experiência como parlamentar”, explicou.
Nos relatórios disponibilizados no Portal da Transparência da Câmara de Vereadores, não há detalhes sobre o conteúdo das reuniões e visitas dos vereadores a outras cidades, nem o resultado delas para o município.
Gastos dos vereadores com diárias (março a novembro) em 2017
Autorização
A Resolução nº 634/2017 é que regulamenta a autorização de viagens e a concessão de diárias para vereadores e servidores da Câmara Municipal. O valor da diária saltou de R$ 360,00, em outubro, para R$ 574,23, em novembro. Um aumento de 59,4% aprovado pelos parlamentares.
Cada um dos 21 vereadores tem direito a 30 diárias anuais, ou seja, R$ 17.226,90 para viajar durante o ano, ou o equivalente a R$ 1.435,57 ao mês.
A comprovação das viagens, segundo a resolução, deve ser feita por meio de relatório assinado pelo vereador, relatando data, local e motivo da viagem. Simples assim. Não é exigida nota fiscal das despesas com restaurante ou hotel. Para justificar o procedimento, a Câmara alega que “a diária é de caráter indenizatório”. Resumindo: basta o vereador dizer que viajou e está tudo certo.
Além da diária, o vereador também recebe um tipo de ‘auxílio combustível’ quando viaja com o veículo oficial do Legislativo. Nesse caso, ele recebe o tanque cheio e mais uma verba indenizatória de R$ 250,00. Mas aqui é exigida a nota fiscal. Se o vereador optar em fazer o deslocamento de ônibus, também é indenizado no valor das passagens.
A diária de quase R$ 600,00 reais sai praticamente livre para o vereador. Se ele preferir pernoitar na casa de algum parente, por exemplo, não tem problema. Não é obrigatório devolver o recurso.
Custo
O Olhar fez uma pesquisa na internet para averiguar o custo médio de um dia em Belo Horizonte.
Tomou como exemplo um ótimo hotel para se hospedar, com todo o conforto que um vereador de Valadares merece: o Royal Center Hotel. Ele está localizado na rua Rio Grande do Sul, no Lourdes, segundo bairro mais caro de Belo Horizonte.
Segundo a atendente, o hotel fica apenas quatro quadras da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) – principal rota dos vereadores – ou no máximo R$ 10,00, se preferir ir de táxi. A diária custa R$ 160,00, em um quarto standard com cama de casal, com direito a café da manhã, ar condicionado, tv a cabo, piscina, fitness, sala de jogos e etc.
Fazendo as contas: o vereador se hospedou nesse hotel, pagou uma diária de R$ 160,00; após o café da manhã, se dirigiu à Alemg, pagou R$ 10,00 de táxi. Almoçou em um bom restaurante, pagou R$ 70,00. À tarde fez um lanche, pagou R$ 30,00. Voltou para o hotel, pagou mais R$ 10,00 de táxi. No jantar, desembolsou mais 60,00.
Ao fim do dia, o parlamentar contabilizou uma despesa de R$ 340,00. Lembrando que esse vereador não utilizou veículo oficial da Câmara, então ele ainda deverá gastar cerca de R$ 30,00 de táxi para chegar até a estação rodoviária e voltar para Valadares. Ainda assim, restam R$ 200,00. Que não precisam ser devolvidos aos cofres públicos.
Agora feche os olhos e imagine que esse mesmo vereador viajou no carro da Câmara e se hospedou na casa de parentes ou amigos e comeu um big PF no almoço e na janta.
E a gastança não para. Em 2018 teremos mais diárias de viagens liberadas, mais gastos dos recursos públicos em ações cujos benefícios pouco alcançam os cidadãos valadarenses.
Já em fevereiro, nas primeiras reuniões ordinárias do ano, os vereadores Geremias Brito (PSL) e Jacob do Salão (PSB) aprovaram suas primeiras diárias do ano. E as justificativas não mudaram: ‘tratar de assunto de interesse da municipalidade’.