Crônica de agosto

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    crônica de agosto
    Ilustração: André Dahmer

    Embora se proponha como citadina, dessas que abordam lugares e temas da cidade, esta crônica não fala de determinada praça, de alguma rua específica ou do beco das hortaliças do mercado municipal. Nem mesmo se refere ao frio que sentimos na madrugada, depois de uma tarde inteira de calor; sequer reclama dos motoristas atarantados que não usam a seta no trânsito caótico de fim de tarde.

    Do mesmo modo, não é pretensão desta crônica maldizer os habilidosos gestores que deram três sentidos diferentes ao cruzamento da Peçanha com a Prudente de Morais; muito menos afirmar que a gambiarra urbanística quis apenas favorecer o acesso dos automóveis ao mais novo drive-thru da cidade.

    Ainda que não fuja da teimosa narrativa em primeira pessoa, esta crônica nada diz do olhar desfocado de quem anda por aí a observar a cidade, negando com alguma sinceridade os pedidos de esmola que se amontoam a cada esquina.

    Inclusive, não vai ficar aqui a politizar a fome, como faz o presidente e seu auxílio até dezembro, também não quer expor os apoiadores convictos desse estelionato eleitoral, como no caso do parlamentar valadarense, que vai lucrar boa parte dos seiscentos e dos consignados, divididos em mais vezes do que os meses de benefício.

    Apesar (e com o pesar) da campanha eleitoral, iniciada há alguns dias, esta crônica ignora a pobreza de opções que a cidade apresenta à Assembleia e à Câmara, se emudece ante a falta de novidade.

    Como se não bastasse, também faz vista grossa diante dos candidatos que trocam de legenda, mas não mudam o discurso falsamente “renovado”. “Novas embalagens para antigos interesses”, cantaria o repper Criolo – caso fosse citá-lo nesta crônica.

    Além disso, não será feita aqui uma crítica social, pois não é elegante dizer que o policial militar que faz a guarda do Fórum e sempre me cumprimenta quando vou de terno para o trabalho, me ignora totalmente quando visto meu jeans.

    Por total desconhecimento, esta crônica não tenta explicar o motivo, ou elucidar o singelo mistério, de tantos garotos seguirem o trenzinho da alegria montados em suas bicicletas – enquanto o Goku, sem virar Super Saiyajin, faz seus passinhos de dança pelas calçadas da cidade ao lado do Ben 10.

    Diferente do mês de agosto, esta crônica chega ao seu fim, contudo, sem contar qualquer coisa relevante a respeito do Seu Wanderlei; senhor de fala mansa e sotaque caboclo, que sempre respondeu com um, “Uôpa”, ao meu, “Aô, Seu Wanderley”, toda vez que nos encontrávamos – às vezes, levantando seu chapéu de palha, denunciando seus poucos fios grisalhos e a testa molhada de suor do seu ofício.

    Grande conhecedor das árvores e praças da cidade, reclamava com humor da trabalheira que cada espécie lhe dava para juntar as folhas caídas de seus galhos, pautando sua preferência botânica por este justo critério.

    Mineiro de Itanhomi e funcionário da prefeitura, Seu Wanderlei costumava cuidar da Praça Vereador Mário Rocha e da Praça do Vigésimo, como se elas fossem o seu próprio quintal. Há tempos não o vejo, para jogarmos alguns minutos de conversa fora, mas esta crônica não fala de saudade.

    2 COMENTÁRIOS

    1. Embora eu tenha chegado ao final da leitura com o desejo de continuar lendo algumas linhas que não buscassem explicar – mas apontariam- de forma sabiamente irônica e cáustica nossos não tão lindos dias na capital mundial do caos livre, eu diria que fiquei demasiadamente desapontada por não saber um pouco mais sobre a saudade do Seu Wanderlei, mas também não vou discorrer sobre expectativas. 🥲
      Parabéns pela crônica!

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