Amando sobre os jornais (como na música do Chico)

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Coluna sorrindo o leite derramado

Já estávamos há dois dias naquele apartamento. Laura nunca se queixava… Que garota! Presa num apartamento num fim de mundo, com as luzes apagadas, cheio de mosquitos e um calor infernal e só queria saber de amar! Espalhava sua risada engraçada pelo apartamento.

Maldita entrevista! Eu fui muito burro de falar ao jornal sobre a extorsão no bairro! Só porque sou estudante de direito ou até por isso! Eu devia ser mais esperto… Sim aquele maldito grupo de milicianos explora todo mundo no nosso bairro e quando alguém se mete a falar alto… O Teixeira ano passado quis brigar por causa do preço do gás… Dois tiros na testa! Deixou viúva e dois filhos…, mas eu, metido a universitário! Fui dar entrevista dizendo que os comerciantes não aguentavam mais aquela extorsão e que ninguém ia votar no vereador Tonho…

Agora estou aqui, escondido num buraco da Baixada Fluminense! Não fosse o meu tio Hermes eu acho que já estava morto…E a doidinha da Laura quis vir comigo!

A gente namora desde que ela tinha 15 anos, agora está com 17, fazendo segundo ano do ensino médio… A doidinha não tinha nada que vir comigo…, mas, se não fosse ela, eu enlouqueceria nesse criadouro de mosquitos!

Aqui parece uma fazenda de muriçocas! Laurinha já está toda picada… Também só anda pelada…

Nem cama temos! Estamos dormindo numa pilha de jornais! Na cozinha tem um fogareiro a querosene e um frigobar. Na sala, mais jornais. O banheiro mofado não tem água quente. As paredes imundas e o chão com tacos soltando. Caprichosamente na sala tem um cartaz pregado na parede com a foto do prefeito miliciano (Tio Hermes e suas preferências…). Laura já pintou chifres na cabeça dele com caneta Bic…

Meu tio fez uma super compra e deixou aqui. Recomendou que a gente evite as janelas e que só ligue a luz a noite se precisar. Ele acha que depois de umas duas semanas ele pode negociar com os milicianos e, quem sabe, eles tiram a ordem de me matar…

 

Tomamos banho gelado sem grande sofrimento, naquele calor de Saara. Voltamos para nossa cama de jornais.

Nos beijamos com voracidade e eu percorri aquele lindo corpo com a boca, parando no seu sexo num beijo prolongado. Ela quase desfaleceu num orgasmo demorado.

Voltamos a nos amar com mais vagar e terminamos suados.

Quando me levantei, Laura disparou sua melhor gargalhada e apontou para minhas costas.

As notícias sobre o Fluminense na última rodada do Campeonato Brasileiro de Futebol estavam impressas em meu corpo! Eu a levantei e consegui ler em seus lindos peitos as notícias sobre a enchente em Barra Mansa. Nossos corpos estavam retintos de notícias!

Voltamos ao banheiro mofado e nos ensaboamos morrendo de rir.

Quando o banho acabou, o desejo já estava desperto e voltamos para os jornais. Dessa vez transamos em cima das notícias políticas e ao fim do ato, a fotografia do vereador Tonho estava impressa na linda bunda de Laura! Ela deu uma daquelas gostosas gargalhadas quando viu que, em minha barriga, estava impressa a praia de Copacabana, onde ia ter um torneio de vôlei de praia!

Apagamos todas as luzes e fomos nus para a janela.

O edifício ficava num bairro afastado de Nilópolis. Meu tio Hermes usava o apartamento, quando era solteiro para fazer festas e, depois de casado, para suas escapadas… Coitada da tia Maria… A portaria não tinha porteiro e o velho portão de ferro fazia um rangido horrível, todas as vezes que era aberto.

Em frente ao prédio tinha uma praça, que quando inaugurou devia ser bem bonita. Mas agora o mato havia tomado conta, a iluminação era precária e dois cavalos pastavam tranquilamente, onde já devia ter sido um pequeno campo de futebol. Num dos bancos da praça três garotos fumavam um baseado. E, do outro lado da praça um casal se pegava no banco.

Laura viu a cena e riu. Eu penso que, se não estivéssemos saciados, voltaríamos para os jornais e lambuzaríamos as páginas da coluna social…

Fomos a cozinha, fizemos pão com ovo e matamos nossa fome.

Laurinha disse que não gostaria de estar em outro lugar.

Eu fico pensando que talvez fosse verdade. A casa dela era um caos: Três irmãos pequenos, a avó materna e o padrasto violento, que não podia beber que já ameaçava bater em todo mundo… O sonho dela era terminar o ensino médio e sair dali…, mas por que veio se arriscar comigo? Quem era eu? Um universitário idiota, jurado de morte pela milícia…

Tomamos um outro banho para tirar as notícias do corpo e fomos nos deitar. O ventilador direcionado para nossos corpos, menos para espantar o calor, mais para afastar os malditos mosquitos!

Cansados de tanto sexo, dormimos pesado. Logo comecei a sonhar: Laura e eu num quarto de hotel luxuoso, bebendo vinho estrangeiro e comendo camarão, depois de uma trepada fenomenal. Mas, mesmo estando deitados sobre lençóis egípcios, ao fim da transa estamos cobertos de notícias e morrendo de rir.

O dia já estava amanhecendo e Laura me acordou assustada: “Acorda amor! Eu tive um pesadelo agora! Sonhei que tinha gente lá fora mexendo no portão!

Levantei-me e fui a janela.

Eram três caras…

Estavam armados até os dentes e, do outro lado da praça, estava estacionada um Van preta, com pelo menos mais dois sujeitos.

Nos vestimos em silêncio e fomos para o corredor sem fazer barulho. A ideia era sair pelos fundos do prédio. Começamos a descer a escada, ouvindo o elevador barulhento ser acionado. Quando chegamos ao térreo passamos agachados pela garagem, nos protegendo atrás dos carros. Conseguimos chegar à rua e nos beijamos nervosamente. Ao nos separarmos, eu vi o clarão da arma.

O primeiro tiro atravessou o peito de Laura. O segundo me pegou na cabeça.

 

Acordei no hospital, os monitores faziam um barulho infernal. A enfermeira bonitinha disse:

– Seu tio Hermes acabou de sair daqui! A cirurgia te salvou, mas vai viver com a bala na cabeça…

Dormi de novo.

Saí dois meses depois do hospital. Tio Hermes me levou pra Campo Grande, Mato Grosso do Sul, na casa do meu primo. Moro aqui no estado até hoje, mudei-me para Dourados e consegui me formar. Tenho a visão diminuída à direita e manco um pouco, quase ninguém percebe. Hoje sou casado e tenho três filhos.

Às vezes, à noite, ouço a risada de Laurinha e sonho com as notícias impressas em seu corpo. Quando sonho acordado, sonho com o fim da violência no nosso país…

 

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