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Crônica da Vida

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crônica da vida
Imagem: Internet

A existência é fantástica. De repente nascemos, choramos é verdade, porém, pouco a pouco, começamos a engatinhar, balbuciar alguns gemidos e expressões, arrancando sorrisos de nossos pais, e de quem nos vê. O alimento nos agrada, não agrada, aprendemos palavras, tentamos construir frases, fazendo-se entender. Vamos para escola, conhecemos nossos amigos, lemos livros, e começamos a contar números, histórias e fábulas. Apaixonamos, vivemos um tanto de tempo, nos ocupamos profissionalmente e, um dia, cansamos de tudo e voltamos para casa. Tudo é muito rápido, como uma bolha de sabão.

O modo de vida que temos hoje no mundo é impositivo. Tem uma linha própria, um caminho, e quase não refletimos a respeito dele. Sete dias na semana, oito dias de trabalho. Vinte e quatro horas tem o dia, mas os compromissos tem 72 horas. Uma hora tem a volta de sessenta minutos. Uma hora você não está lá. As horas passam rápido, como as correntezas de um rio, na direção de um destino, um oceano que absorve tudo. Um dia voltamos para o mar. Um dia voltamos para casa.

Na vida, eu gosto de comer, confesso. Os alimentos, além de nutrir, dão um prazer. Eu sei, não estou sendo politicamente correto agora. Logo surgirão as dietas, regimes, totalitários ou não, de como eu devo comer. Muitas regras sobre os carboidratos, nenhuma para a alface, liberdade total para a berinjela. A gordurinha da picanha é proibida e, há pouco tempo na história política brasileira, nem conhecida era. Mas agora dá para sentir aquele gosto de novo. É gostoso, companheira e companheiro. Eu gosto de tudo, aprecio bem uma boa comida, especialmente a mineira, aquela de fim de tarde, no friozinho do inverno. Eu gosto de bem viver a mesa posta, a celebração com os amigos e a família, reunidos todos ao meu redor e eu ao entorno deles. Não fico muito preocupado com os níveis de açúcar do doce de leite, ou se, aquilo está no index dos alimentos proibidos pelos nutricionistas. Só friso minha testa quando a festa acaba, ninguém mais fala, pois, todos foram embora para a casa. Pois eu sei que um dia todos irão embora. Eles irão.

Mas fiquem sabendo, nessa prosa que estou tendo com vocês, que também gosto de futebol. Ah, eu amo aquele esporte sem sentido. Um campo verde, dois retângulos em lados opostos, quatro linhas, 11 pessoas de cada lado, e uma bola. A meta é o gol, tentar levar a esfera para o retângulo oposto, aquele que não é seu. São noventa minutos, mas este tempo não existe, especialmente se o juiz (sim, eles estão em todos os lugares), acrescentar tempo aos noventa minutos. “E o juiz dá 10 minutos de acréscimo”, disse o narrador, um verdadeiro poeta deste conto bretão. Aqueles minutos a mais podem ser de agonia ou felicidade, a depender de como anda a partida. Se seu time está vencendo, por um placar apertado, dez minutos são uma época, quase uma era do gelo, de tanto medo que dá do jogo empatar. Agora, se o seu time está perdendo, dez minutos transformam-se em dez segundos, de tão rápido que passa, porque a esfera do seu time não alcança a meta adversária. Quantas vezes vi meu Galo fazendo isso. Quantas vezes eu sofri. Acaba o jogo, as luzes se apagam, as pessoas saem do estádio, do sofá, do lugar onde estão. Antes era uma festa, uma magia, uma empolgação. Depois de tudo acontecer, o time ganhar, empatar ou perder, todos vão embora para casa. Uns dirão que venceram. Outros confessarão que não. Muitos lamentarão que nem jogaram. Porém, todos vão embora para casa. Todos se dispersam na multidão, que, assim, acaba então.

Um dia eu me apaixonei. Isto me aconteceu quando mais desprevenido estava. Não anotei na minha agenda esse encontro, aquele do destino, o qual te leva ao mais puro sentimento, que é de amar alguém. Você acorda, toma seu banho, escova seus dentes, e sai de casa, preocupado com as contas a pagar, as provas da faculdade, e a partida de botão com seu avô. Tudo isso é, metodicamente, planejado e feito. Outras atividades são mecânicas, espontâneas, nem precisando anotar, pois, sabemos como faremos aquilo ou outra coisa. Supermercado, farmácia, padaria, estes lugares que visitamos um milhão de vezes no existir. Porém, em algum destes minutos da vida, você se encontra com uma pessoa, e a imagem dela jamais sai da sua cabeça. O mundo começa a ficar mais bonito, tudo parece ter um sentido, e uma coragem, que antes não tinha, começa a habitar você. Aquela sensação gostosa de borboletas no estômago, dias frios para ficar juntos, um filme qualquer que fica mais bonito quando é com aquela pessoa, passa a ser importante e nunca entediante. Como é bom viver assim, daqui até o fim, momento este que ninguém quer que acabe. A paixão fortuita, aquela que te rouba a razão, transforma-se no amor real. As lembranças da juventude, são momentos do agora, a cumplicidade a dois, o amadurecimento daquilo que é verdadeiro. Dois são um, um novo ser é. Mas todos, um dia, voltarão para casa. Todos irão embora.

Um ponto que merece aqui uma reflexão é: estou envelhecendo. Sinto isso em mim. Meu corpo ainda espelha uma jovialidade, mas os médicos insistem em seus exames. Muitos diagnósticos, visitas periódicas, até o dia em que você se torna íntimo deles, das pessoas que trabalham na recepção das clínicas, conhecendo até mesmo seu apelido, nível de intimidade para poucos. No início você assusta, aquele branco todo em tudo, uma luz que até parece de outro mundo, dando sinais que, só de ver, arrepia a pele. Contudo, de tanto ir e vir, você se acostuma com aquilo, já decora os exames, decifra a letra do médico, esta criptograficamente escrita. Até que um dia, de tanto esperar por um resultado, um laudo médico, a infinita fila no consultório, você se cansa e volta para casa. Muitos não entendem, outros não lembram de que você estava ali. Mas os mais próximos, os amigos, a família e os amores, admoestam você, dizendo que chegou em casa cedo demais, e determinam que volte para a fila de espera de novo. Porém, o cansaço vem, e o sentimento de descanso também. Um dia voltamos para casa. Um dia voltamos, amém.

Viajei para a praia e fui ver o mar, coisa de mineiro que eu não canso de fazer. Fui sozinho para a areia, caminhando nesta para sentir o calor penetrar em meu corpo, e olhei para o céu e vi onde ele não termina. Sentei naquelas areias, senti as ondas do mar, irem e voltarem, sempre no mesmo ciclo harmônico. Do meu lado esquerdo, havia um jovem casal com um bebê, um recém-nascido. Estavam felizes com aquele dia de sol. Do meu lado direito, havia um casal, comemorando seus cinquenta anos de casados, não sabendo eu o símbolo desta comemoração. À esquerda, estavam celebrando o início da família. À direita, estavam comemorando a plenitude desta. À minha frente, as águas do mar eram calmas. Ao longe, as ondas eram mais fortes. Eu respirava e inspirava, indo e vindo, na jornada de ser. Um dia fui bebê, no colo de minha mãe. Depois fui um adulto, levando em meu colo as dores do mundo. Um dia eu sai do ventre materno, daquelas ondas que me aqueciam. Hoje estou aqui nessas areias, recebendo o calor da vida, vendo o calor da vida acontecer. Eu gosto de ver. Eu vivo o ser.

Vejo tudo isso, do início ao fim, e aprecio todos os momentos do percurso, durante o trajeto do itinerário, compreendendo cada fragmento da existência e a beleza por trás disso. Há uma beleza nisso, posso ver. Porém, toda viagem, um dia, chega ao fim. Enquanto passageiros, estamos envolvidos no passeio, na diversão, vendo crianças sendo crianças, pessoas comendo pra lá de montão. Outras tantas amando e se apaixonando, feitos loucos, como uma torcida de um time de futebol gritando gol. Curtir esta jornada deve se dar da mesma maneira como se aproveita um doce até o fundo do pote, ou como se beija na despedida, sabendo da saudade que será. Cada instante deve ser vivido da maior e melhor maneira possível. A vida merece ser vivida intensamente, gostosamente, loucamente, a “mente” que queira e gosta. Disto não se pode duvidar. Isto é a crônica da vida. E ela é para ser e estar.

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