Parece que inventaram um medidor pra Felicidade, acredita? Não, não é uma máquina com plugues e fios, estilo ficção científica. Tá mais praquele negócio de estatística mesmo. Coisa de números, variáveis e tal…
“Com pandemia, Brasil fica na 41ª posição em ranking global de felicidade” – dizia uma manchete da semana passada. Os dados coletados pra pesquisa são de um tal de ‘Relatório Mundial da Felicidade’, que, com esse nome, parece mais um trabalho de repartição pública, onde querubins, lá de cima, tentam entender o que está acontecendo aqui embaixo.
No site oficial (canaldafelicidade.com.br), o tópico cinco da home page destaca “as 6 variáveis da Felicidade”, usadas pra medir o nível de Felicidade de um país. Algumas mais objetivas, outras nem tanto. Vejamos.
No topo da lista, o PIB PER CAPITA. Pra cada pessoa que vê o dinheiro como algo secundário na vida, existe ao menos umas duzentas dizendo: “se dinheiro não traz felicidade, me dê o seu e seja feliz”.
A EXPECTATIVA DE VIDA vem logo depois, mas me frustrei ao notar que não conseguiria encaixar uma frase popular em cada item. Minha expectativa de piada é pior que o IDH do Brasil.
A terceira variável é o SUPORTE SOCIAL (termo que eu não conhecia e, por isso, transcrevo aqui a explicação do site): “sensação de suporte de familiares ou amigos em momentos de necessidade e/ou lazer”.
Será que compartilhar o gatonet com o vizinho conta os mesmos pontos que herdar a empresa da família?
A 4ª me fez refletir por mais de meia hora (sem falar da fumaça no quarto e alguém me xingando lá fora, mandando eu fechar a janela).
Lembrei de viagens que nunca fiz e que jamais farei, de mulheres que amei e que vou morrer sem dar um beijinho sequer (a não ser que, um dia, a Camila Pitanga – já senil e meio cega – resolva abrir uma exceção na sua preferência sexual).
Enfim, fui longe nessa história de LIBERDADE PARA FAZER ESCOLHAS (4ª variável).
Um desavisado, respondendo assim de supetão, talvez elenque uma lista considerável daquilo que se acha livre pra escolher. Porém, a realidade dói quando a escassez de opções é notada, finalmente. Claro, uns com mais, outros com menos, mas todos limitados pela 1ª, 2ª e 3ª variáveis.
A penúltima, a GENEROSIDADE, não demora ser atacada pela galera do obscurantismo, já que faz uma alusão à Ideologia de Gênero para a terceira idade. Gênero + Idade, entendeu? E ainda ligadas pelo “S” de Safadeza. Pouca vergonha danada! (risos).
É possível que o Alexandre Garcia abrace essa bandeira e se eleja deputado na próxima eleição, apoiado por milhares de velhinhos que, junto com ele, derrubaram de vez o estereótipo do “velho sábio” no Brasil.
Por fim, a última variável mostra a grande falha da pesquisa em solo brasileiro e que poderia reverter toda pontuação negativa que acumulamos nas cinco anteriores, tomando, pelo menos, a 30ª posição do Uruguai e sermos o país mais feliz da América Latina.
Imaginem só a tia e o tio compartilhando essa notícia no zap, oriunda de pesquisa relativamente séria e até com link de fonte confiável. Nem precisaria mais da Copa América pra servir de circo e entreter o povo, enquanto o genocídio se desenrola.
Enfim, a 6ª e última variável é a PERCEPÇÃO DA CORRUPÇÃO. Ora, todos que têm um Whatsapp ou uma conta no Facebook sabem muito bem que isso acabou em 2016, quando tiraram do poder aquele partido vermelho, comunista e que transformaria o Brasil numa ditadura do proletariado (como se o PT merecesse tamanho elogio).
O país, finalmente, entrou nos trilhos da honestidade e o salvador da pátria nunca vai brochar, morrer, nem ser comido por um Fiat Elba ou pedalada fiscal qualquer.
Ironias à parte, com ou sem ‘Relatório Mundial da Felicidade’, o certo é que ainda há uma parcela da população (24%, segundo o último Datafolha) que ainda não se sucumbiu à tristeza. Seguem gozando de algum tipo de Felicidade e não há meio milhão de mortes que abale essa “plenitude”.
Inclusive, essa bizarrice me lembrou um romance de Jorge Amado, “O País do Carnaval”, em que uma turma de amigos – literatos e boêmios – fazem de suas vidas miseráveis uma busca pela resposta da seguinte pergunta: como ser feliz, afinal?
Pedro Ticiano, personagem que é uma espécie de guru às avessas dessa gangue de infelizes, no segundo parágrafo da página cento e quarenta e quatro, parece falar daqueles 24%, quando destila seu peculiar deboche e sua refinada descrença:
“Só os burros e os cretinos conseguem a Felicidade…”.