Jairzinho – O Fascistinha

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jairzinho o fascistinha
Imagem: Divulgação

Coluna Sorrindo o Leite Derramado

A professora Marina começou a frequentar meu consultório no mês passado. Está de licença do trabalho por tempo indeterminado, para tratar de ansiedade generalizada e crise de pânico. A pobre senhora surtou na escola e foi afastada por seu psiquiatra. Está tomando uma dose generosa de antidepressivos e remédios para dormir.

A Mestra me procurou porque sonha com o Jairzinho todas as noites e não consegue mais dormir. Seu psiquiatra dobrou a medicação e insistiu que a paciente me procurasse. Ela tinha muita resistência em fazer terapia, o que é engraçado, porque, como diretora da escola estadual Gen. Emílio, ela sempre incentivou os alunos a procurarem psicólogos e psiquiatras! Bastava o aluno sair um pouco do dito “normal”…

Sua primeira sessão foi muito interessante:

– Bom dia, professora Marina! Fique à vontade e me conte, o que a está afligindo?

-Ah, doutor! Meus pesadelos! Não consigo mais dormir! O Jairzinho me persegue até em sonhos! Maldito guri!

– Me conte, professora, quem é Jairzinho?

– É um aluno da nossa escola, A Escola Estadual General Emílio Garrastazu Médici, onde eu sou diretora desde 2015…

– Que tal se a senhora me contar desde o início?

-Ai doutor! Não gosto nem de lembrar daquele capetinha! Mas eu entendo que o senhor precisa saber de tudo, né?

-Bem, a senhora deve se sentir à vontade em meu consultório, mas se eu não souber do contexto, como vou poder ajudá-la a entender o que se passa?

-Está bem, doutor! Bom, eu sou professora de carreira e das boas! Sou muito dedicada, sabe, e meus alunos se tornam fãs de Matemática quando passam por minha docência! Imagine que o desempenho da minha escola nas Olimpíadas de Matemática é o melhor da região! Mas, em 2015, caí na besteira de aceitar o cargo de diretora!

-Hum, Hum…

– Daí eu comecei o meu inferno astral: são alunos que sofrem bullying, alunos que fazem bullying, meninos que entram na escola com cigarros, maconha, bebidas alcóolicas, cheirinho da loló… Alunas que engravidam, pais que ameaçam as professoras, brigas, professores que entram de licença e eu tenho que arranjar substitutos, alunos especiais que precisam de monitores e a Secretaria de Educação não libera… A maldita caixa d’água que vive dando problema… Ai! Um calvário, doutor!

-Hum, Hum…

-Então, no início do ano passado, o… o… Jair entrou na escola! Vindo de duas escolas em que foi expulso! Ele é repetente contumaz! Está com 14 anos ainda no sexto ano! A família – que família, doutor! – se recusa a levá-lo a pedagoga ou a psicóloga! O menino deve ter TOD, TDAH e talvez dislexia… Imagina como é para os professores enfrentar esse … menino em sala de aula!

-Hum, Hum…

-Bom, foi chegando o segundo semestre e a situação foi se agravando! Jairzinho era uma liderança negativa e logo juntou uma turminha, que fazia de tudo: roubava provas, intimidava os professores, fazia bullying… Enfim, se tornaram uma verdadeira gang, cujo objetivo era infernizar a vida de colegas, professores e, principalmente, a minha vida!

-Hum, Hum…

-O danado do Jairzinho convenceu a mãe a arranjar um atestado para ele faltar às provas de outubro. O problema é que o atestado dizia que o menino havia operado de apendicite e o danado mostrava a barriga sem cicatriz no recreio, rindo e fazendo gestos!

-Hum, Hum…

-Claro, eu contestei o atestado e pedi para o menino ser avaliado por um médico da Secretaria Municipal de Saúde. A família se negou a fazer a consulta e me denunciou na Secretaria de Educação! Se ele perdesse as provas, já estaria reprovado novamente.

-Hum, Hum…

-Então, fui à Secretaria e expliquei o caso. Para minha surpresa, a secretária determinou que ele fizesse as provas. Eu não entendi nada e fiquei muito triste… mas defini que ele fizesse as provas na semana seguinte, numa sala sozinho, com três professores vigiando. A família ficou revoltada, mas teve que aceitar!

-Hum, Hum…

-Claro que o resultado foi catastrófico! E Jairzinho caminhava para uma nova reprovação! Mas, doutor, aí começou a minha derrocada!

-Por que, Professora?

-A família de Jairzinho não aceitou aquela situação! E, no dia seguinte, os pais, os avós e a madrinha do menino resolveram acampar na porta da escola! Com faixas: APROVEM JAIRZINHO! JAIR É ÓTIMO ALUNO! FORA PROFESSORA MARINA! INTERVENÇÃO NA ESCOLA! ABAIXO A PERSEGUIÇÃO DE ALUNOS!

-Hum, Hum…

-A coisa só foi aumentando… Logo, pais de outros alunos, igualmente problemáticos, se juntaram à família de Jairzinho e o acampamento se agigantou! Um dos pais tinha uma mercearia e começou a dar comida para os acampados, outro forneceu água e logo a imprensa começou a acompanhar o “Acampamento de pais zelosos“! A secretária de educação foi pressionada pelo prefeito para acabar com aquela loucura e, claro, a secretária me pressionou!

-Hum, Hum…

-Eu expliquei novamente a situação e disse que aquele povo estava querendo aprovar os filhos “na marra”! E que isso era inadmissível! A secretária de educação ponderou que o prefeito estava muito insatisfeito e que aquela situação num ano eleitoral era muito prejudicial… A oposição, na Câmara, se colocou ao lado dos “Pais zelosos” e o pai de Jairzinho deu um depoimento para os vereadores dizendo que seu filho era “perseguido e sempre jogou dentro das quatro linhas…”.

-O que a senhora fez?

-Bom doutor, eu tenho uma carreira longa e sempre me orgulhei de ser uma boa professora de Matemática! Eu tinha que ser coerente! Não recuei e a secretária de educação, impressionada com minha convicção, ficou do meu lado!

-Hum, Hum…

– Isso foi a pá de cal! No fim de semana, começaram a chegar “pais zelosos” de toda região e o acampamento ficou parecendo uma comunidade… Sabe, como se fosse um bairro novo nascendo em frente à escola? Chamei a polícia para garantir a segurança da escola… eles falaram que o comandante do batalhão estava viajando, mas que na segunda-feira, mais tardar, na terça-feira, iriam mandar uma viatura…

Naquela noite, inflamada por discursos de vereadores da oposição e pela família de Jairzinho, a turba invadiu a escola e quebrou carteiras, pichou os muros, quebrou a caixa d’água e arrancou os quadros negros! A polícia, chamada pela comunidade, entrou na escola e retirou os vândalos! Ninguém foi preso!

-Hum, Hum…

-A Câmara instalou uma CPI para apurar o acontecido, eu fui afastada por ter tido uma crise de pânico no meio da escola, quando vi tudo destruído! E estou aqui para fazer terapia, como o meu psiquiatra pediu!

– Professora, seu horário acabou, continuamos a conversa na próxima sexta-feira!

A história era tão absurda e eu fiquei com tanta pena daquela professora, que preferi não falar nada na primeira consulta…

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