O Saae Nosso de Cada Dia: E o Amanhã?

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O Saae nosso de cada dia: e o amanhã?
Foto: Fábio Monteiro

O prefeito de Governador Valadares, André Merlo (União Brasil), colocou a cidade em marcha à ré ao consolidar, no leilão realizado em novembro, sua proposta de entregar para empresa privada a gestão do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) por 30 anos.

+ Quem é a Aegea, empresa que arrematou o Saae pela bagatela de R$ 385 milhões?

São diversos os alertas de especialistas de que centenas de cidades no mundo que apostaram na privatização/concessão da água e esgotamento sanitário fracassaram e reestatizaram ou estão reestatizando os serviços. No final, a conta saiu mais cara, com a piora na entrega dos serviços e a cobrança de preços abusivos. O motivo é óbvio e por aqui não será diferente: empresa privada busca somente a obtenção do lucro.

O Brasil também está repleto de exemplos do quão equivocada é a decisão de privatizar serviços tão essenciais, como a água. Ouro Preto, em Minas, é um deles. Antes da concessão, os moradores pagavam uma taxa média de R$ 27 por mês.

Logo após a empresa Saneouro assumir o saneamento, houve um reajuste inicial de quase 200% na tarifa residencial para o consumo de 10 m³. Muita gente ficou sem condições de pagar a conta. De janeiro a agosto de 2023, foram 2.723 cortes de água, sem dó, nem piedade.

Na cidade histórica, e em outros municípios país afora, o chefe do Executivo usou a mesma estratégia de afirmar que não haveria aumentos, como feito em Valadares. “Já está rezando no edital publicado que não pode haver aumento de tarifa“, é a ladainha repetida por André Merlo, o prefeito que anunciou, em 2018, em praça pública, e com a mesma caradura de agora, que o Saae havia iniciado o tratamento de 20% do esgoto no município. Todo mundo aplaudiu. Mas era mentira. Veja o vídeo aqui.

A Aegea Saneamento, empresa que venceu o leilão da concessão do abastecimento de água e esgotamento sanitário em Governador Valadares, no dia 30 de novembro de 2023, propaga em seu site que tem “a expertise necessária para atender as demandas”. Ela atua na área desde 2010, quando foi criada. O Saae atua no município há 71 anos. Quem terá  mais expertise?

O Saae é, sem sombra de dúvida, o maior patrimônio de Governador Valadares. Sua criação, em 1952, quando a cidade era uma adolescente de 14 anos e abrigava uma população de cerca de três dezenas de milhar, foi pioneira no país. Seu modelo de gestão foi adotado por diversos municípios e serviu de inspiração para a constituição de companhias regionais de saneamento que, por sua vez, originaram as grandes companhias estaduais de saneamento a partir da década de 70. Um fato pra todo valadarense se orgulhar!

À medida que a cidade crescia, as tubulações avançavam sob a terra, expandindo a  distribuição de água e a coleta de esgoto, dois serviços que já superaram as metas previstas no Marco Legal do Saneamento Básico: atendimento de 99% da população com água potável (já atingida na área urbana e rural) e de 90% com coleta de esgotos (está acima de 97%) até o ano de 2033.

Por isso, dificilmente um morador, um trabalhador, um visitante pisará em solo valadarense que não tenha, por baixo de seus pés, uma extensa malha de distribuição e captação de água e esgoto. São milhares de metros de tubulações, não só na área urbana, mas nos 12 distritos e em nove aglomerados rurais do município.

Sem falar na parte visível dos bens materiais, como as inúmeras ETAs (Estações de Tratamento de Água), as dezenas de reservatórios de água, a sede própria da autarquia, todo seu maquinário e o capital humano, formado por centenas de servidores efetivos e contratados. Ainda que nem tudo tenham sido flores na prestação de serviços da autarquia, com certeza seria possível tudo se tornar muito melhor com uma gestão eficaz e comprometida em gerar soluções e melhorar a qualidade de vida de seus moradores, sem majorar cobranças.

Infelizmente, as pessoas que aqui vivem aceitaram passivamente que muito mais do que o descrito acima fosse entregue de mão beijada a uma empresa privada, por uma bagatela de R$ 385 milhões. Uma cifra que parece, ao primeiro olhar, exageradamente relevante, mas que apenas afronta o legado desse patrimônio ambiental de valor imensurável e 100% valadarense.

Superar a demanda do tratamento do esgoto sanitário é extremamente importante. Mas  também é desanimador saber que a cidade já poderia ter virado essa página. Quinze anos atrás, em 2009, as iniciativas para tratar o esgoto começaram a ser pensadas e os primeiros serviços executados. Ao final de 2016, cerca de 90% da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE), no bairro Santos Dumont, destinada a tratar 75% dos dejetos, estava concluída. Um investimento de R$ 129 milhões.

Ao governo seguinte, bastava dar continuidade e concluir a obra. Mas o plano foi não apenas abandoná-la completamente, mas também sucatear todos os serviços de responsabilidade da autarquia, para então vender a ideia de que somente uma empresa privada poderá salvar a cidade do caos forjado pelo atual gestor.

Só nos resta, agora, torcer, e muito, para que em outras situações de grande impacto na vida não só desta, mas das próximas gerações, que trabalhadores, estudantes, entidades,  movimentos sociais, partidos, universidades, comerciantes, donas de casa, enfim, toda a sociedade valadarense, não se comporte como um folião de castigo que fica da janela apenas vendo o bloco passar.

Reverter uma concessão é praticamente impossível. E não se faz com mentiras ou ilusões em campanhas eleitorais, como assim o fez o prefeito André, enganando a população ao prometer que iria romper o contrato com a Valadarense, atual Mobi Transporte Urbano, exemplo local dos mais amargos do que é ter uma empresa privada comandando um serviço de utilidade pública.

As contas vão chegar, e vão ser abusivas.

Nesse momento em que a Aegea já ocupa as instalações do Saae – que deverá ter o nome alterado para ÁGUAS DE VALADARES -, há muito pouco a fazer.

No fim do túnel, agora, só resta um pequeno feixe de luz. A luz da Justiça.

1 COMENTÁRIO

  1. Que visão mais tosca. Tentando defender o indefensável, que é o fato do SAAE jogar esgoto in natura na natureza. A concessionária tem que cumprir o contrato e o poder público, apenas fiscalizar se tudo está sendo cumprido, e pronto! O problema da autora é que provavelmente é de esquerda, adora uma estatal ineficiente e envolvida em corrupção para chamar de sua.

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