Ontem fomos, em família, ver “Zona de Interesse”, filme candidato ao Oscar de melhor filme e/ou melhor filme estrangeiro.
Saímos todos incomodados do cinema! Asfixiados mesmo!
É um filme extraordinário, completamente fora da curva. E ele tem a intenção de incomodar mesmo! A família do comandante do Campo de concentração de Auschuwitz vive ao lado do cenário de horrores em harmonia e paz, mesmo ouvindo, sentindo o cheiro e sabendo que, naquele lugar, estão sendo exterminadas milhares de pessoas.
A banalidade do mal, como dizia Hanna Arendt, está ali representada de maneira genial pelo diretor do filme (Jhonatan Glazer). A indiferença pelos sons do martírio, vindos do campo, a naturalização do cheiro do extermínio, a visão diuturna das guaritas… Tudo remete ao horror e, no entanto, as personagens vivem uma vida de comercial de margarina!
Saímos incomodados e ficamos por horas com esse sentimento e a ideia do diretor é essa! O papel da arte é também gerar desconforto e reflexão.
Podemos encarcerar essa discussão nos os anos da segunda guerra. E já seria interessante! Podemos fazer um exercício de imaginação e lembrar das sinhazinhas tomando sucos tropicais espremidos por mucamas, ouvindo as chibatadas que vinham do quintal ou ainda as crianças lourinhas da Cidade do Cabo, indo para a escola sem olhar pela janela a polícia espancando um negro, durante o abjeto regime de apartheid … Ou, se quisermos sofrer um pouco mais, podemos trazê-la para os dias de hoje.
Talvez para Gaza ou para Ucrânia, onde se desenvolvem conflitos em que morrem milhares de civis todos os dias e senhores de terno discutem o fim ou a manutenção dos conflitos tomando uma taça de vinho. Ou para a casa do primeiro ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, em Tel Aviv, onde sua família de margarina toma seu café da manhã apressada, sem pensar que, do outro lado da fronteira, crianças palestinas estão revirando o lixo, atrás de comida.
Ah, mas o Oriente Médio e a Ucrânia são tão longe, né? Então vamos para São Paulo, ali perto da Catedral da Sé… Milhares de dependentes químicos consomem crack e chocam a população… mas o poder constituído só se indigna com o Padre Júlio, que tenta amenizar a fome e o frio daqueles indivíduos.
Ou para cada periferia de nossas cidades, onde jovens negros são humilhados e mortos, por agentes da lei, e nossas famílias tomam seus desjejuns preocupadas com as torradas, que não estão tão adequadas quanto ontem…
Podemos também dar um pulo na Amazônia, onde os Yanomamis continuam sua agonizante viagem para a extinção… E nós discutindo porque o Dorival convocou tantos volantes? Ou porque Wanessa Camargo saiu do Big Brother?
Hanna Arendt morreu em 1975 e discutia como a sociedade alemã conviveu com a barbárie do holocausto… mas ainda permanece viva, porque a banalidade do mal está aí! E nós parecemos não a perceber! Preocupados com banalidades, não enxergamos o óbvio! Somos como a simpática dona de casa que cuidava com carinho de sua família, ao lado do Campo de concentração de Auschwitz!